JANELA IMAGINÁRIA
É manhã. Fresca manhã de Abril. Agradável.
Pela minha memória perpassam imagens, umas passadas, outras quase presentes.
Estou calmo. De repente, porém, tudo se altera. Na rua, que avisto da janela
onde me encontro, algo se passa. Pessoas apressadas dirigem-se para um mesmo
lugar. Desastre, penso! E, de facto, passados alguns minutos, ouço a
caraterística sirene do 112.
Silencioso e estupefacto assisto àquela
macabra cena, onde viaturas e corpos construíram estranha aguarela, tendo o
vermelho como cor predominante.
Não houve, da minha parte, qualquer
espécie de reação! Quieto e solene, limitei-me a registar, como habitante de
um outro mundo, o espetáculo grandioso, no qual os figurantes detinham o papel
principal.
Da ambulância foram retiradas as macas e
nelas colocado o que restava desses corpos antes cheios de vida e movimento.
O fantástico e o irreal sobrepuseram-se à
crua realidade. A visão surge e move-se no ecrã da inconsciência. É um filme
sem argumento, sem realizador - apenas atores representando o papel de outros
atores não profissionais.
Alguns polícias marcam o solo e fazem
medições. A assistência comenta, até à exaustão, o sucedido. Fala-se de mortos,
de muitos mortos, mais, sem dúvida, do que aqueles que pereceram.
Depois tudo volta ao normal. Fica apenas o
espaço, o odor do óleo espalhado, sangue coalhado.
Fiquei horas na janela! Algo de fascinante
e aterrador ali me prendia. Nem a fome, nem a sede, nem o cansaço me lembravam. Era o
fascínio da morte. A sua proximidade e a sua ânsia de vida.
As paisagens, que da janela normalmente
avisto, não nasceram nesse dia! Tinham, coniventes, ficado para além das duras
serras. Estava só, na minha janela!
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