sexta-feira, 29 de abril de 2016

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO

de Joaquim A. Rocha


CASA DE SOENGAS

     Sita na freguesia de Chaviães. A pedra de armas, encontrada numas escavações, é um brasão de forma indefinida, barbaramente trabalhado, que parece mostrar-nos um escudo cortado, sendo a segunda parte partida. / No século XVIII pertencia a Sebastião Gomes de Magalhães e à sua esposa, Jerónima Luísa de Araújo, que a herdara de seus pais, António Álvares do Souto e Maria dos Santos de Araújo. Uma filha do casal, Jerónima Luísa de Abreu Araújo de Magalhães, casou na igreja de Chaviães, a 26/8/1797, com António Jacinto de Araújo Azevedo, ficando ambos a viver, depois do casamento, nesta Casa. Aí lhe nasceram os filhos. // O Dr. Augusto César Esteves, melgacense, ao fazer a biografia de Baltazar Luís de Araújo Azevedo, nascido na Casa da Gaia, São Paio, a 27/7/1840, escreveu: «A rica casa de bens que foi a de Soengas começou a desmembrar-se na vida do avô deste fidalgo pela alienação da velha Quinta do Carvalho do Lobo; continuou o declínio no tempo do pai e de todo a deixaram perder os filhos do António Caetano (1798-1878). / Baltazar e seu irmão Joaquim venderam, a 6/8/1880, por quatro contos e quinhentos mil réis, ao “brasileiro” António Joaquim Afonso, então solteiro, quanto possuíam em Chaviães, ou seja, a Casa, a Quinta, e o mais por ali situado» (ver “O Meu Livro das Gerações Melgacenses”, volume I, página 566). / O tio de Baltazar Luís, de seu nome José Vitório de Araújo Azevedo, também vendeu, ao dito comprador, por 200$000 réis, o seu quinhão.     


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quarta-feira, 27 de abril de 2016

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO

Por Joaquim A. Rocha


macróbios

DOMINGUES, Júlia da Assunção. Filha de Manuel António Domingues e de Rosa Pires. // Nasceu na freguesia de Lamas de Mouro, concelho de Melgaço, em 1914. // Casou com José Augusto Afonso, de quem ficou viúva. // Faleceu no lugar de Gramoinha, freguesia de Paderne, onde residia, a 11/4/2014, com cem anos de idade (ver A Voz de Melgaço n.º 1368, de 1/5/2014). // Foi sepultada no cemitério de Paderne.  

DOMINGUES, Maria. Filha de Manuel Domingues e de Joaquina Domingues, lavradores, residentes no lugar de Cima, freguesia de Lamas de Mouro. Neta paterna de Manuel Domingues e de Maria Domingues; neta materna de Domingos Domingues e de Isabel Esteves. Nasceu em Lamas de Mouro a 10/3/1906 e no dia seguinte foi batizada na igreja paroquial. Padrinhos: Manuel Domingues e sua esposa, Ana Afonso, camponeses, moradores no lugar da Touça, freguesia de Lamas de Mouro. // Casou na Conservatória do Registo Civil de Melgaço a 19/7/1924 com José de Araújo. // Enviuvou a 24/11/1983. // Faleceu na freguesia de Rouças, concelho de Melgaço, a 6/2/2003, com cerca de 97 anos de idade.


DOMINGUES, Maria Teresa. Filha de Manuel Joaquim Domingues e de Maria Rosa Domingues, lavradores, residentes no lugar de Touça, freguesia de Lamas de Mouro. Neta paterna de António Joaquim Domingues e de Mariana Alves; neta materna de Domingos Domingues e de Isabel Esteves. Nasceu em Lamas de Mouro a 8/9/1897 e no dia seguinte foi batizada na igreja paroquial. Padrinhos: os seus avós paternos, lavradores, residentes no lugar de Cima. // Casou na Conservatória do Registo Civil de Melgaço a 13/3/1922 com José Alves. // Enviuvou a 31/12/1970. // Faleceu na freguesia de São José e São Lázaro, concelho de Braga, a 5/1/1997, quase com cem anos de idade. // continua... 

segunda-feira, 25 de abril de 2016

ENTRE MORTOS E FERIDOS

(dois anos de guerra nas matas da Guiné-Bissau)

romance histórico - Por Joaquim A. Rocha

10.º capítulo

 A VIAGEM

  
     A parte da narrativa relacionada com a guerra vai agora começar. Viajantes forçados, transportados como animais de carga, acções de empresas falidas, ei-los a caminho das matas africanas. Cândido, como sempre, usando um discurso didáctico, esclarece:

- Meu caríssimo amigo: quem nunca viajou de barco há-de pensar certamente que é um prazer. Isso acontece somente quando se viaja em paquetes de luxo, com todas as comodidades, poucos passageiros e muitos serviçais, em águas calmas, com constantes idas a terra. Mas viajar num navio para quinhentas pessoas e lá dentro serem transportadas quase duas mil, sem quaisquer confortos…
- Estou a ver… E quanto tempo durou a viagem?
- Cerca de seis dias, e seis noites: uma vida! Seis dias de tortura: má disposição, enjoos, vómitos. Ao sairmos a barra, e mal penetramos no Atlântico, este, talvez por não gostar da nossa intromissão – ou relembrando épocas passadas – quis aniquilar-nos, provar que era o mais forte. Atirou com raiva incontida o navio ao ar e bateu-lhe rijo com ondas de muitos metros de altura!
- Assustou-se…
- Eu, que pela primeira vez navegava, não tendo em conta aquelas passagens na batela no rio Minho, poucos metros de largura e com águas calmíssimas, senti um horrendo calafrio: afinal o meu fim – pensei – estava mais próximo do que previra. Seria o mar, o imenso mar, e não a terra, o meu leito de morte! Uma sepultura marítima, como os marinheiros de outros tempos tiveram. E lembrei-me então de Ulisses, seus homens a serem engolidos pelas profundas águas, pelos deuses em fúria: «Enquanto olhávamos para Caribdes com receio da morte, Cila arrebatou-me da nau côncava seis companheiros, os melhores de braços e os mais valentes. Ao volver os olhos para a nau ligeira – e para os meus companheiros – só então percebi os pés e os braços dos que tinham sido arrebatados…»

     Henrique tudo ouvia, fascinado, mas comovidíssimo. «Como era possível, tudo aquilo, ter acontecido? As pessoas não são gado», pensava. Arriscou uma pergunta, cuja resposta já fora dada, mas que lhe escapara devido a uma pequena desatenção:

- E o navio, quantas pessoas levava?
- Meu caro amigo, aquele cruzeiro fora construído para transportar cerca de quinhentas almas, como mais atrás te disse; como o governo precisava urgentemente de colocar soldados em África, naquela viagem o Uíge transportava cerca de duas mil criaturas! Duas mil vidas flutuando ao sabor das ondas e do destino.
- Aposto que não iam lá dentro oficiais de alta patente…
- Acertaste em cheio. O oficial mais graduado a bordo era capitão. Os oficiais com patente superior eram transportados por via aérea: mais cómodo, mais seguro, mais rápido. Não queriam correr riscos, nem misturar-se com a ralé. Lusos, todos; mas uns mais do que outros! Como estava longe o tempo em que os generais acompanhavam as suas tropas: Júlio César, Aníbal, Carlos Magno, Napoleão… Nos tempos hodiernos refugiam-se em gabinetes atapetados e daí, através de sistemas modernos e sofisticados, complexos, transmitem as suas ordens, inventam as suas estratégias: puros jogos de computador!
- Não teme que esses comentários, esse seu modo de pensar, o comprometam? Nunca se sabe o dia de amanhã.
- Não estamos nós num país livre? A ditadura já acabou e espero que em minha vida a não volte a sentir. Sabes, Rique, que é quase impossível indivíduos com as minhas características sobreviverem num regime ditatorial – simplesmente sufocamos.    
- Calculo. Eu apenas lhe senti o efeito pela rama. De qualquer modo tenha cuidado. Comigo está à vontade, pode confiar cegamente, mas nem todos são seus amigos como eu – há muita maldade no mundo.
- A quem o dizes. Eu sou prudente, embora por vezes me exceda nas minhas apreciações; mas não posso com injustiças…
- Sugiro-lhe que continue a sua narrativa, embora goste de ouvir as suas divagações.
- Faço-te a vontade. Escuta, então: nos dois primeiros dias da viagem não consegui ingerir qualquer espécie de alimento – o meu delicado estômago não permitia; depois, lentamente, fui-me adaptando ao baloiçar ininterrupto, pendular, da embarcação. Outros camaradas não o conseguiram. Logo que chegámos perto de Bissau tiveram de ser conduzidos para o hospital militar (infelizmente não havia outro em todo o território, dando-nos de imediato a ideia do que era a província da Guiné, com o que poderíamos futuramente contar).   
- E durante o trajecto passou-se algo de importante, um episódio que mereça destaque?
- Talvez! A bordo ia um mercenário, isto é, um soldado voluntário que já tinha feito campanhas em Angola e Moçambique! Comparado connosco parecia um ancião, devia ter à volta de trinta anos de idade. Penso que ele iria mais pela aventura do que pelo dinheiro, visto que o exército português pagava muito mal aos seus soldados.
- A não ser que se tratasse de uma excepção ou de um agente da PIDE!

Olhando para a cara do amigo, incrédulo, diz-lhe:
- Admira-se? Olhe que é uma conclusão plausível; segundo me disseram, eles infiltravam-se em todo o lado, nada lhes escapando.
- É possível; mas ele contou-nos que tivera um grande desgosto de amor; a namorada trocou-o por um emigrante e foi com ele para França. Desejava a morte, pois a sua vida era um autêntico calvário, e por isso procurava-a nas matas africanas. Como não pertencia à minha Companhia só nos encontrámos no mato uma única vez e devido ao seu comportamento, pouco consentâneo com o momento que se estava a viver, logo fiquei com a impressão de que não regulava bem da cabeça.
- Mas o que é que ele fez para o impressionar assim tanto?!
- Bem! Andava alegre, descontraído, cantava, queria que fôssemos com ele à caça, afastando-nos do acampamento, correndo riscos inúteis, até parecia que se encontrava nas serras do continente!
- Devia estar mesmo doido. A cachopa deixou-o de rastos!
- Estava, de certeza! Vou-te contar outro episódio interessante: no navio, e pertencendo à minha Companhia, encontrava-se um fadista já com alguma fama, natural do Porto. Logo arranjaram uma guitarra e ele cantou uns fados. Cantava bem, mas parece que após o regresso se tornou alcoólico, ou qualquer coisa do género, devido a um tremendo desgosto de amor. Como simpatizou comigo, contou-me que namorara uma cantora, também no início de carreira, e que agora é famosa, mas quando ele foi para a Guiné já ela tinha outro. Não suportou a rejeição, é o diabo! As mulheres são volúveis e os homens sofrem as consequências.     
- Nem todas serão, mas eu acerca disso não me posso pronunciar, tenho pouca experiência, e a que possuo ainda não dá para tecer grandes considerações sobre tão melindroso assunto. Uma coisa é certa: ninguém deve casar com uma pessoa de quem não gosta.
- Tens razão. Eu ainda me mantenho solteiro, mas já namorei com algumas raparigas. Não é fácil entendermo-nos.
- Desembarcaram no porto de Bissau?
- Não, não desembarcámos aí, mas sim muito longe. Quem nos dera que isso tivesse acontecido. Lanchas da marinha, semelhantes a ferry-boat, esperavam a Companhia. Descemos do Uíge para as lanchas e depois seguimos rumo a Bolama, antiga capital da Guiné. Pelo caminho os marinheiros ofereceram-nos pão de trigo (casqueiro) com chouriço e um pouco de vinho tinto, que saboreamos com um certo prazer. 

sábado, 23 de abril de 2016

OS MEUS SONETOS

Por Joaquim A. Rocha


desenho de Rui Nunes


Nascemos no belo planeta terra,
No purgatório, céu ou inferno;
Vivemos mil verões, só um inverno,
 Acabamos os dias na fria serra.

O medo da morte a todos aterra,
Ao pobre, ao rico, velho ou hodierno;
É sentimento antigo, longo, eterno,
Não conhece paz, está sempre em guerra!

Ninguém lhe pode fugir... escapar,
É um destino cruel, vil, fatal;
Que nos persegue a vida inteira.

Nem mesmo os deuses, santos do altar,
Conseguem livrar-se do insano mal…
Impedir a tal noite derradeira.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

GENTES DE MELGAÇO
(micro) biografias

Por Joaquim A. Rocha

melgacenses do princípio do século XX

LOURENÇO, Armindo de Lourdes. Filho de João Evangelista Lourenço e de Laureana Rosa de Sousa, padeiros, moradores na Rua da Misericórdia, Vila. Neto paterno de José Maria Lourenço e de Josefa Antónia Gonçalves; neto materno de Caetano Celestino de Sousa e de Francisca Teresa Gonçalves. Nasceu às 6 horas da manhã de 24/2/1879, na Rua da Misericórdia, e foi batizado a 4 de Março do mesmo ano. Padrinhos: Augusto César Ribeiro Lima e sua irmã, Beatriz Augusta Ribeiro Lima, solteiros, moradores no Campo da Feira, SMP. // Casou antes de 1915, em primeiras núpcias, com Florinda da Trindade, filha de Caetano José Barbeitos e de Rosa Clementina Fernandes Loureiro, de Barbeita. // A 17/12/1905, na Praça do Comércio, canto da Rua do Rio do Porto, onde depois esteve o Café “Chave d’Oiro”, e aonde antes estivera a “Loja do Rainha”, abriu o estabelecimento “A Pérola do Minho”, cujo crisma, em 1910, alterou para “Casa do Povo” «na qual, além do serviço diário, fornecerá, por preços convidativos, jantares, merendas, lunches, etc., para os quais tem empregados competentes.» Aceitava comensais por preços razoáveis, assim como hóspedes internos (ver Correio de Melgaço n.º 222, de 29/10/1916). // Ali se manteve até 1926, mudando para a Rua da Calçada, para o prédio que mais tarde seria de António Pedroso Lima (Lima Azeiteiro), acabando envolto em mil dificuldades financeiras. // Concorreu às eleições camarárias de 4/11/1917, como vereador suplente, na lista do partido Republicano (ver Jornal de Melgaço n.º 1181, de 27/10/1917). // Em Junho de 1918 a Guarda-Fiscal procedeu a buscas em sua casa; procurava tabaco espanhol, mas pelos vistos nada encontrou (JM 1211, de 22/6/1918). // Em finais de 1918 arrematou à Câmara Municipal, por 3.901$00, os impostos indiretos a cobrar no ano de 1919 (JM 1229, de 6/12/1918). // Lê-se no Jornal de Melgaço n.º 1242, de 13/4/1919: «Com a nova remessa do “branquinho” deve chegar amanhã o pão-de-ló de Margaride, amêndoas e confeitos, vinhos finos e de Colares, que o proprietário desta casa venderá pelo preço de custo aos seus amigos e fregueses…» // Em Dezembro de 1919 arrematou à Câmara os ditos impostos indiretos por 3.170$00, a cobrar em 1920 (JM 1275, de 28/12/1919). // A sua esposa faleceu a 30/8/1927, com quarenta e oito anos de idade. // Casou de novo, a 9/1/1929, com Lucinda da Glória, natural de Ponte da Barca, viúva de José Augusto Pires, filha de José Maria de Ascensão e Sousa e de Inácia Beatriz Cerqueira. A boda realizou-se no Porto. A noiva tinha uma filha, chamada Orquídea. // No “Notícias de Melgaço” n.º 49, de 9/2/1930, vinha este anúncio: CASA e AUTOMÓVEIS – vende-se uma muito boa para lavrador, tem quintais com vinha, espigueiro, cortes e adega. Também se vendem, sem reserva de preço, dois automóveis, sendo um de carga (duzentos quilos) e outro de passageiros (sete lugares), em bom estado de funcionamento. Não se trata com intermediários. Dirigir-se a Armindo de Lourdes Lourenço. // «No juízo de Direito de Melgaço, pelo Cartório do segundo ofício, na execução hipotecária que José Augusto da Cunha, casado, comerciante em Lisboa, move a Armindo de Lourdes Lourenço, casado, e a outros, proceder-se-á, no dia 3/4/1932, pelas onze horas, à porta do Tribunal, à arrematação em hasta pública da casa de morada, com altos e baixos, e dois quintais, sita nesta Vila, a confrontar do nascente com herdeiros de Angelina Rosa Pires, do poente com Travessa da Misericórdia e Vitorino Manuel Esteves, do norte com António Maria das Valas e outros, e do sul com rua pública. Avaliada em 10.000$00. Pelo presente são citados quaisquer credores incertos para a arrematação. // O escrivão do 2.º ofício: Augusto César Esteves. // O Juiz de Direito: Faria Sampaio.» // Em 1933 residia com a esposa em Lisboa (Notícias de Melgaço de 19/11/1933). // Faleceu na freguesia de Arroios, Lisboa, a 29/5/1954. // Com geração.    

terça-feira, 19 de abril de 2016

QUADRAS AO DEUS DARÁ

Por Joaquim A. Rocha


desenho de Luís Filipe G. Pinto Rodrigues

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Nasci no país do fado,
Do futebol e da trica;
Do homem endinheirado,
E dos peraltas da brica.

*

Gastei todo o meu dinheiro
A jogar na lotaria;
Agora eu e o rafeiro
dormimos na enxovia.


*

Pensavas que eu era rico,
Correste logo pra mim;
Soubeste que eu era nico,
Fugiste para Pequim.


sábado, 16 de abril de 2016

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO

Por Joaquim A. Rocha

Acácio com a irmã (ao centro) e esposa

“LEITURA”


     Não pensem que vou falar de livros! O título sugere-o, eu sei. Trata-se, tão-somente, de uma escultura do nosso conterrâneo Acácio Caetano Dias, a qual acaba de ganhar o 1.º prémio da Quinzena Cultural Bancária (10.ª edição), iniciativa do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas. O júri, «constituído pelo pintor António Carmo, pelo arquiteto João Santa Rita, e pelo pintor A.M. Pinto Carvalho, tendo em conta os regulamentos publicados e os trabalhos apresentados aos respectivos concursos, decidiu:
b) – No concurso de escultura, atribuir apenas o primeiro prémio à peça de escultura “Leitura”, de Acácio Caetano Dias…»
     Não tive ainda a oportunidade de ver a escultura, nem de falar com o seu criador, mas espero consegui-lo em breve. Disso falarei oportunamente. A peça está exposta no Palácio Foz, em Lisboa, juntamente com outros trabalhos premiados. Um conterrâneo com o talento do Acácio é um orgulho para todos os melgacenses. Ele é um artista nato, um homem que não tendo frequentado Escolas Superiores de Arte é émulo daqueles que tiveram essa possibilidade e essa formação; é um autodidata, pois as suas habilitações literárias, 1.º ciclo, nunca o impediram, nem impedem, de brilhar em várias exposições: Escola de Belas Artes, Hotel Altis, Palácio Foz, Festa da Cultura de Melgaço, etc.
     O Acácio nasceu na freguesia de Prado, concelho de Melgaço, em 1935. Seu pai, o popular Amadeu Dias “Rato”, tinha a profissão de latoeiro. A sua oficina situava-se perto da barbearia e taberna-restaurante de Augusto Domingues “Carlota”. Juntamente com a sua oficina, ou seja, na mesma sala, ou loja, coexistia uma outra, de sapateiro, cujo mestre era o Henrique Gonçalves “Abelhão” (isto em 1958, mais ou menos). Nessa altura já o Acácio se encontrava provavelmente em Lisboa, pois em 1959 entrou para o Banco Nacional Ultramarino como apontador.
     Os dois, Amadeu e Henrique, formavam um duo impagavável no que diz respeito a “malandrices”. Não havia cliente que não saísse sorridente com a graça de ambos, mesmo os mais sisudos. No carnaval, o pai do Acácio fazia normalmente parelha com o senhor António “Trauliteiro” (apesar da alcunha, o senhor António era um homem pacífico, brincalhão, o alvo cavaleiro – São Jorge – que na vizinha vila de Monção, aquando da procissão do Corpus-Christi matava a Coca, ou Santa Coca, o terrível dragão que afugentava o povo amedrontado). Ainda me lembro de vê-lo dentro de um carrinho de bebé, vestido a rigor e com chupeta na boca, chorando lágrimas comoventes, a ser empurrado pela velha ama (Amadeu), pesarosa e convincente. Davam a volta à avenida, percorriam as ruas da vila, iam até à calçada e loja nova, e depois recolhiam, pois o líquido precioso esperava-os ansiosamente! Acerca do pai do Acácio conta-se uma história divertidíssima: o seu irmão, Edmundo, também latoeiro, um dia recebe na sua oficina um camponês que lhe pede para pôr um fundo a uma lata que consigo trazia, daquelas que se usavam para o sulfato ou a cal. O cliente perguntou quando é que poderia ir buscar a obra e a resposta, carregada de sofisma, não se fez esperar: - «Senhor Fulano, não precisa vir buscá-la; na próxima semana tenho de ir visitar uma pessoa sua vizinha e assim aproveito para lha levar.» O homem ficou radiante, pois deste modo evitaria perder tempo, tempo esse que necessitava para o amanho das suas terras. - «Obrigado, senhor Edmundo; vai provar uma pinga que lá tenho que é somente para os verdadeiros amigos.» O convite do agricultor veio aguçar ainda mais o apetite devorador do latoeiro. Depois do cliente ir embora apressou-se a falar com o senhor António “Cerinha”, sapateiro, seu vizinho de oficina, e com seu irmão Amadeu, acerca do tal convite. Todos eles passaram a língua pelos lábios ressequidos, fecharam os olhos e tiveram a visão do deserto, isto é, começaram a ver o líquido (em lugar da água o vinho do lavrador) a cair de baixas nuvens espessas. As malgas, todas elas do tamanho de alguidares, começaram a encher-se do divino néctar e seus olhos brilharam de sofreguidão e ânsia. O senhor Amadeu sentenciou: «O vinho só não chega; terá de ser acompanhado de presunto e broa
     A lata parecia nova. Marcaram o dia e a hora e puseram-se a caminho. Três ou quatro quilómetros a pé não é brindeira nenhuma, mesmo naquele tempo. Chegaram extenuados. O aldeão andava a sachar as suas leiras, perto de casa, e quando os viu gritou-lhes com ar bonacheirão: - «Ainda bem que vêm a esta hora porque também estou com sede.» Os três aplaudiram o gracejo e como quem não quer a coisa lá se foram aproximando da adega. Malgas na mão, olhar fixo no presunto que baloiçava ali bem perto, começaram um por um, a receber da pipa a tão esperada pinga. Depois de já terem despejado três ou quatro malgas, um deles disse ao anfitrião: - «Senhor José, um naco de pão não lhe ia mal agora!» Essas palavras apanharam o homem de surpresa. Aguardava que eles se despedissem a fim de recomeçar os trabalhos. O tempo passava, a torneira da pipa sem descanso, e agora o pão! Chamou a mulher e pediu-lhe que trouxesse broa para a gente da vila. - «Rico pão, sim senhor!», comentou um dos glutões. Outro, aproveitando a deixa, arrisca: - «Pão pede algo, talvez presunto
     O pobre lavrador viu-se de repente entre a espada e a parede, acossado como uma raposa ou um lobo. Se recusasse, passava por somítico; se aderisse à sugestão ficava sem presunto. Pegou na faca, olhou pela última vez para a bela perna do porco, que tanto trabalho e cuidados lhe dera, e diz-lhe, como falando para um filho que parte para longe: - «o teu dia chegou, é o destino!» Do desgraçado, duas horas mais tarde, restava apenas um grande osso feio e bruto; da broa, nem uma côdea restou! A pipa ficou exausta! Saíram da adega, cambaleando, rindo descaradamente! O cavador, entre pragas, foi-lhes dizendo: - «Três para uma lata; é obra
     Que me perdoem aqueles que já conheciam a história ao vê-la tão mal narrada; contei-a tal qual como a contaram a mim, apenas lhe acrescentei um pequenino ponto.

Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1004, de 1/4/1994.


     Nota: o nosso amigo Acácio Dias morreu no dia 7 de Março de 2013, há pouco mais de três anos. Merece ser lembrado, não só pela sua obra, mas também pelo seu caráter impoluto, pela sua alegria contagiante

quinta-feira, 14 de abril de 2016

POEMAS DO VENTO

Por Joaquim A. Rocha


Filosofando

Para além de nós ainda existiremos nós!
Existirá a memória de sempre de um haver
perene, mas findável. As ideias, serão outras ideias; as relações, outras relações; os valores, outros valores! Mas o sangue será sangue, mesmo que mude de cor! A vida será ela própria, mesmo com outra designação. Os espaços, apesar de conquistados, não deixarão de ser espaços. Será a morte a única ameaça?
 Perecerá algum dia? Que será o conceito
ausência? E o medo? Deixará o homem de
ter medo? Quem pilotará a nau Universo?
Que caminhos se irão percorrer?
Que lutas, que martírios, que mistérios?
E o lugar da filosofia e da poesia? Continuar-se-á a admirar Platão e Aristóteles? Dante, Cervantes, Camões? E os novos… agora? Chamar-se-á destino a tudo aquilo que ainda se desconheça? E o azar? E a sorte? Será tudo matematicamente matemático? E as diferenças? Haverá diferenças?
Que seres povoarão o amanhã? Que será aproveitado? Que risos sarcásticos exibirão ao falar de nós? Falarão?! Seres risíveis! Nós? Eles? Eles e nós! Que amor? Que sofrimento? Que angústia? Que apego àquilo a que chamamos bens materiais? O desespero de saber que partimos, ficando; de saber que ignoramos, sabendo! Que é o ódio, a indiferença, o rancor, comparado com a imensidão do imenso?
Que é o tempo, o tédio, a fadiga, comparado com o caminhar? Nada! Signo sem significado,
podendo tudo significar!
  

10/3/1982    



terça-feira, 12 de abril de 2016

MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS

Por Augusto César Esteves



   O resto da vida passou-o o fidalgo a exercer, por vezes, altos cargos da governança melgacense como vereador mais velho e juiz pela ordenação; a rememorar os feitos da sua carreira militar, único tropa entre várias gerações de letrados; a olhar pelos seus interesses, emprestando dinheiro a juro a uns, dando quitação a outros, comprando leiras e campos e montado numa ou noutra freguesia do termo; a sonhar com a aquisição das terras e monte da Quinta de Carvalho do Lobo, uma boa peça, ainda hoje na posse de descendentes seus e que o filho havia de adquirir à família de Soengas por seiscentos mil réis e sobretudo a criar a numerosa prole e a incutir no espírito moço do seu primogénito como se amava Melgaço e se defendia sempre a liberdade. Não foram vãos os esforços, porquanto este seu filho foi um acérrimo partidário de D. Maria II, um hábil político local, um dedicado provedor da nossa Misericórdia desde 1845 a 1848 e um progressivo presidente da Câmara Municipal, em cujo edifício faleceu de morte repentina, em plena sessão do Senado por ele superiormente dirigido.
        Em 1808, no estado de solteiro, com trinta e três anos de idade, vivia nesta vila o Dr. Miguel Caetano Torres de Araújo, um dos entusiastas revoltosos contra o domínio dos franceses, que naquela manhã também passou pela casa de ao pé da Matriz. Quem era esta gentil figura de conjurado? Em coisas do tribunal vemo-lo nomeado, por vezes, tutor de menores ou curador de ausentes; em 1809 topámo-lo depondo como testemunha nos autos de justificação de nobreza de António Luís de Araújo Cunha Pereira da Rosa, da Casa da Gaia; encontrámo-lo em muitos actos religiosos, mas em nenhuma dessas passagens se encontra declinada a sua profissão. Se o seu nome, só, bastava para a identificar, para o individualizar numa terra tão pequena e de tantos doutores, o facto é significativo da sua popularidade, quiçá devida à prestação dos seus bons serviços. Uma tradição colhida na Calçada, há uma dezena de anos, de pessoa ajoujada com mais de dois carros e já falecida, o deu como o boticário de São Julião. E, efectivamente, neste sítio ainda hoje se aponta para a casa da botica; mas não foi boticário, esse melgacense, nascido intramuros, na rua Direita. Foi advogado. A tradição, porém, não é de todo falsa e há um fundo de verdade.
        Ali teve a sua botica outro Torres de Araújo; nanja o advogado; mas, sim, o seu irmão João Manuel, falecido em 9/8/1849, na casa de suas tias Vitória e Maria Joaquina, deixando um filho ilegítimo a ganhar a vida no Rio de Janeiro. O outro Torres de Araújo, o revoltoso, foi advogado e distinto. Denunciaram a sua profissão a destrinça do foro do prazo do Estar, chamando-lhe bacharel e o escrivão Tomás José Gomes de Abreu, chamando-lhe doutor e escrevendo a palavra advogado numa procuração apud acta ([1]) para o licenciado intervir num processo.
        Defendeu muito réu; expôs primeiro os factos e depois o direito aplicável à hipótese em muitos libelos; na sua casa de São Julião abafou questões sem se tornar precisa a intervenção dos juizes ordinário ou de fora e a muitas mais pôs um corucho extra judicial, levando os tabeliães a lavrarem escrituras de conciliação e bom entendimento entre as partes.
        Por lá passaram a viúva Maria Rosa Davila e sua irmã Isabel Maria, com a anuência do marido desta, Manuel de Caldas, todos do Barral, para intentarem acções por causa dos prazos ficados na herança de Manuel Luís de Sousa e Castro, do lugar da Nogueira, termo de Paderne. Ali se reuniram Gregório Ventura Meleiro, mulher, e muitos outros para venderem uma casa na Assadura ao comerciante José António de Castro, que, a pouco-e-pouco, foi comprando terrenos em redor até formar uma pequena quinta.
         Por vezes à sua casa foram os tabeliães lavrar escrituras em que interveio apenas como procurador, como quando agiu em nome de D. Ana Joaquina de Azevedo de Ataíde de Menezes e do filho, Joaquim de Vasconcelos, da Quinta de São Pris, termo de Ponte da Barca, para vender a Francisco Luís Esteves, do Vale, a quintazinha da Barca, sita em Chaviães, junto ao rio; em nome de seu cunhado, D. Pedro Vasques de Puga, da quinta da Moreira, em Cecliños, para quem comprou muitos bens e entre eles um mês e uma feira, a do dia 9 de Abril de cada ano, do direito da travessia da barca do Louridal, ou em nome do «Ex.mo José de Vasconcelos Azevedo Ataíde Menezes e sua mulher, Ex.ma D. Carlota Amália de Passos Vasconcelos, Conselheiro de Sua Majestade e Desembargador da Casa e Relação da cidade do Porto», para vender as casas e socalcos juntos, onde mora hoje o autor, a quem, a seguir, as vendeu ao avô materno do mesmo.
         Conhecem-se bastantes trabalhos jurídicos: tanto petições e réplicas, como contrariedades e tréplicas, todas salpicadas de iniciais de palavras, tão em uso no seu tempo. Há mesmo processos completos trabalhados por este advogado e um deles, aquele em que foram seus constituintes os autores Leão José Quintela, do Telheiro, de Rouças, e a irmã, Maria José, das Várzeas, da Vila, é bem volumoso e prenhe de incidentes.
           O Dr. Miguel Caetano cursou em Coimbra a Faculdade de Direito à custa do esforço dos seus, mas fez-se homem de leis e impôs-se à sociedade melgacense a golpes de inteligência, graças ao seu espírito lúcido e desempoeirado. Andou pelo Senado e foi vereador, porque o seu nome foi sempre respeitado, antes e depois da revolta contra os franceses. // Sua ascendência é conhecida, mas pelo lado paterno poucas são as notícias reunidas, porque embora os governantes de outrora costumassem pagar os serviços prestados à nação pelos seus súbditos com alvarás de nomeação para os cargos públicos e estes, por isso, se mantivessem, por séculos às vezes, nas famílias dos serventuários com os antepassados paternos do Dr. Miguel Caetano Torres de Araújo não tiveram muito trabalho as altas esferas governamentais.
         Na verdade, o seu pai, António Xavier Torres Salgado, era o escrivão de um dos Ofícios dos Órfãos da vila e seu termo, precisamente o lugar exercido pelo avô, Belchior Rodrigues Torres, falecido ao findar do outono do 1804. Mas a este, porém, o lugar não lhe adviera por herança de seus antepassados. // Comprara-o, simplesmente, em 1754, a Diogo de Abreu Teixeira e sua mulher, D. Luísa da Silva e Vasconcelos, moradores em Barvães, termo da Barca, por 550$000 réis e para o servir, Belchior Torres, então morador na rua de Baixo, conseguida a provisão, caucionou o lugar com 50$000 réis, dando como fiador António da Silva Soares, da rua da Misericórdia.
         Belchior Rodrigues Torres nascera em Chaviães, gerado em Maria Rodrigues por obra do abade da freguesia, reverendo Pedro Rodrigues Torres. Tanto quanto conheço da sua vida tudo atesta não ter sido criado ao abandono; o padre deu-lhe o nome, incutiu-lhe no espírito de rapaz as verdades eternas da sua religião, abriu o bolso para o colocar e deixou-lhe alguns bens. Belchior era um pequeno proprietário quando casava com Maria Gomes Salgado, irmã do padre Lourenço Alves do Souto Salgado, do lugar de Ferreiros, de Prado. // O seu lar, todo cristão, era escola de virtudes e nessa escola se criaram filhos e filhas. A cada uma destas donzelas deu o tio materno a quantia de cinquenta mil réis em 6/6/1784, pois «se achavam vivendo no estado de solteiras com exemplar virtude de que se acham dignas e merecedoras de todo o amparo para tomar seu estado ou aquele que for mais agrado de Deus.»  // continua...



[1]  Junto dos autos.

domingo, 10 de abril de 2016

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO

Por Joaquim A. Rocha




DESORDENS

     Há dias o ex-ministro da Cultura, Dr. João Soares, prometeu umas bofetadas a dois dos seus críticos. Se ele tivesse lido o artigo jornalístico que se segue, não teria com certeza prometido - teria dado, pois as promessas leva-as o vento. Assim, perdeu o emprego, bem remunerado, e dificilmente terá outra oportunidade como esta, quer para bater, quer para...

   Lê-se no Jornal de Melgaço n.º 1257, de 3/8/1919: «Está em moda, nas romarias, à tarde ou à noite, haver grossa bordoada. Em Pomares (lugar da freguesia de Paderne), quando no dia 25 se realizava a festividade em honra de São Tiago (Santo Iago), foi o que se viu. No dia 27, quando em Paços se realizava a festividade em honra de Santa Ana, também não faltou a traulitada entre a rapaziada de Paços e a de Chaviães. Que ela se desse em Pomares, quando se festejava o São Tiago, admitimos, visto tratar-se de um herói na traulitada aos moiros; mas tratando-se da avó de Jesus, que decerto devia ser toda bondosa, parece que não fica bem. Mas, como os desordeiros acham sempre bem, toda a vez que podem pregar a sua traulitada, à tarde, pouco depois de recolher a procissão, houve alguns socos, misturados com bengaladas, o que deu em resultado alguns dos de Paços virem até ao lugar do Esporão onde perguntaram aos de Chaviães se queriam guerra ou harmonia. E como os de Chaviães respondessem que se estavam ali era para bater, e como logo em seguida fizessem com uma traulitada baixar ao chão o Ricardo Alves, de Paços, os companheiros deste desafrontam-no, fazendo também ir a terra uns quatro ou cinco de Chaviães. Não podemos de forma alguma elogiar tais proezas, mas se temos de censurar estas, como não devemos classificar o facto de os “valentes” de Chaviães, depois desse dia, baterem em qualquer pessoa que à Portela do Couto passasse, pelo simples facto de ser de Paços? Desconhecemos as razões anteriores que naquele dia os levaram a vias de facto, não podendo, por isso, avaliar bem a responsabilidade de cada grupo, mas o que toda a gente, desconhecendo embora essas razões e até esses factos, tem de censurar com toda a energia dos seus nervos, é o facto de certos “valentes” da Portela do Couto baterem há dias numa mulher de Sá, conhecida por Maria do Romão. Essa mulher deve ter 60 anos de idade aproximadamente, é viúva e doente, e vive distante um único filho que tem. Nada mais julgo necessário para aquela mulher ser digna de todo o respeito; mas os “valentes” da Portela não o entenderam assim. Saem à estrada, onde lhe perguntam de onde é, e – como ela dissesse que era de Paços – dão-lhe logo duas bofetadas. Por acaso será crime o ser natural de Paços porque os desta freguesia bateram nos de Chaviães? Mais juízo, ó “valentes” da Portela, pois do contrário teremos de chamar a atenção da digna autoridade administrativa para as vossas proezas, mandando-vos chamar a capítulo!»     

     Nota: por ironia do destino, Chaviães e Paços uniram-se há algum tempo atrás, formando assim uma única freguesia!  



quinta-feira, 7 de abril de 2016

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO

Por Joaquim. A. Rocha


escritores melgacenses


- Cónego António Luís Vaz. Filho de Francisco Júlio Vaz, natural de Fiães, e de Angelina Alves Salgado, natural de Rouças. Nasceu na freguesia de Fiães, lugar de Adedela, a 30 de Abril de 1911, e faleceu a 2 de Agosto de 2008. Depois da quarta classe da instrução primária foi para o Seminário de Braga, onde estudou. Nessa cidade, capital do Minho, viveu grande parte da sua vida. Obras: «Juventude de 1940», «Nossa Senhora da Peneda», «Mestre e Precursor», «Chama que Renasce», «Castelo Imperfeito», «Melgaço 2000 – roteiro», juntamente com seu sobrinho Padre Carlos Nuno Vaz, além de outras obras de viagem, ensaios, artigos de jornal e de revista, etc. // Em "A Voz de Melgaço" tem-se divulgado alguns dos seus textos.     




- Padre Manuel António Bernardo (Pintor). Filho de Manuel Joaquim Bernardo, natural de Castro Laboreiro, e de Maria Custódia Martins, natural da Peneda, Gavieira, Arcos de Valdevez. Nasceu no lugar do Ribeiro de Cima, Castro Laboreiro, a 21/12/1911, e faleceu em Monção a 1/3/1996. Foi pároco da freguesia de Riba do Mouro durante muitos anos, onde fundou o jornal A Voz da Nossa Terra. Obras: «Castro Laboreiro e seus Forais», comunicação apresentada ao Congresso Histórico de Portugal Medievo, realizado em Braga em Novembro de 1959, edição de 1965; «Melgaço Medieval», livro editado em 1975; «Santuário da Senhora da Peneda», editado em 1976; «O Recontro de Val-de-Vez, onde foi?», editado em 1977. Escreveu também vários artigos no Notícias de Melgaço, em A Voz de Melgaço, e no jornal por si fundado, A Voz da Nossa Terra. // Embora não possuísse o curso superior de história, deixou-nos interessantíssimos trabalhos sobre a história de Melgaço, sobretudo o seu livro "Melgaço Medieval", de leitura obrigatória para todo o melgacense.  



terça-feira, 5 de abril de 2016

LEMBRANÇAS AMARGAS
romance

Por Joaquim A. Rocha


- Eu nasci em 1908 e só permaneci em casa dos meus pais até aos oito anos de idade. No solar dos meus padrinhos não passei mal, davam-me roupinha, embora usada, mas que queria mais? O que me custava imenso era estar fora de casa, longe dos meus irmãos, dos meus pais, dos meus amigos, das minhas inocentes brincadeiras e dos brinquedos que eu própria fabricara. Deixei de ser criança e passei a ser uma empregadinha doméstica: nem escola, nem brincadeiras, nem amigos, só casa, mais casa, sentia-me sufocada, e a igreja, a missa todos os domingos, aquelas mulheres sérias, aqueles homens empertigados, aquele ambiente de terror e mistério.
- Agora compreendo porque entre si e o seu irmão Aurélio, mais novo cerca de dois anos, nunca existiu um grande afeto, um grande amor de irmãos. 
- Deixaram-nos viver pouco tempo juntos; quando saí de casa tinha ele seis anos de idade, não deu para cimentar esse amor. Mesmo os irmãos necessitam de conviver, pelo menos até ao matrimónio, depois cada um segue o seu rumo, o seu destino, mas até esse momento devem permanecer unidos, como as árvores de um bosque, crescerem lado a lado, sugarem as alegrias e tristezas do lar. A mim não me deixaram partilhar esses doces momentos, atiraram-me para o lado de fora, talvez pensando que era melhor para mim, não foi, não, a minha vida teria sido diferente se tivesse ficado, quem sabe, casaria, daria à luz filhos do casamento, teria sido feliz, assim não fui nem vos deixei a vós sê-lo, não por culpa minha, não, quem me dera ter-vos dado mais e melhor, mas como o poderia eu ter feito?
- Não se culpe, mamã, eu agora compreendo. Fez o que pôde, não estava nas suas frágeis mãos fazer diferente ou opor-se, apesar de tudo foi uma grande mulher, outras fizeram bem pior, não conseguiram ter a sua dignidade, a sua enorme força de vontade, a sua simpatia para com todos. Errou, é certo, mas quem não erra? Na sua situação, cheia de filhos, mãe solteira, todos os homens a abusar de si, a cobiçá-la, a disputá-la fisicamente, como se fosse peça de caça, trofeu de caçador, nada mais, nem melhor, poderia ter feito. Não se culpe, nem seja juiz de si mesma; o tempo humano é curto demais face à eternidade. O seu irmão Aurélio também passou ao lado da felicidade pelos vistos.
- Quando eu voltei para casa grávida, em 1928, somente ele vivia em casa com os teus avós, pois o outro meu irmão nascido depois dele faleceu com apenas dias de idade. Era o menino querido. Vestia bem, embora com roupas modestas, ia aos bailes, as raparigas gostavam dele, trabalhava na arte de barbeiro. Não gostou nada que eu aparecesse, fez-me a vida negra; era uma desavergonhada, uma mulher sem juízo, vinha lançar o estigma (opróbrio, dizia ele) sobre toda a família; o melhor teria sido eu ficar por Lisboa, pelo menos ninguém saberia, o que diriam agora as raparigas da terra, irmão de mãe solteira, não bastava já o que acontecera ao pai, que vergonha, não iria mais aos bailes. Fez tudo para me escorraçar de casa! Quando a tua irmã nasceu eu disse aos teus avós para me arranjarem uns patrões onde servisse, eles que me ficassem temporariamente com a menina, não queria dar mais trabalho, despesas, e chatices. Arranjaram-me a casa de uma família de Tronços, professores do ensino primário, por sinal muito bons para mim.
- Em 1931 nasce o Alexandre!
- Muito eu resisti; os rapazes de Tronços e São Bernardo não me largavam, prometiam mundos e fundos, sabiam que eu já tinha uma filha, mas não se importavam, palavras, o que eles queriam sabia-o eu. Deixei-me ir na conversa, embeicei-me por um deles, e zás! Fiquei com mais um rebento.
- Como se chamava o pai do meu irmão?
- O nome dele era Antão, mas todos lhe chamavam o “Chateado”. Grande patifório, depois de eu ficar prenha deixou de me procurar, teve receio das responsabilidades, eu que criasse o bebé, que arcasse com todos os encargos e dissabores.

    - O Alexandre acabou por morrer.
- Felizmente para ele, morreu com poucos meses; os meus patrões, Deus os ampare no céu, foram seus padrinhos.
- Dois anos depois, outro!
- Eu já não me podia defender daqueles malandros, grandes pulhas, faziam apostas para ver qual deles primeiro me desgraçava; em Janeiro de 1933 nascia outro rapaz, o Ambrósio, filho do António Bonfim, de Tronços. Para não casar comigo escapou para a Venezuela, ai não, que o meu patrão, que tinha sido professor dele, obrigava-o a casar, mas o cobarde pôs-se a mexer, nunca mais voltou à terra de nascimento, o teu irmão foi ter com ele depois de ter cumprido o serviço militar, por lá está, não sei se bem se mal, pois é raro dar notícias. 
- Deve estar mais ou menos, mas olhe que a nós nem escreve, também nem o conheço, só o vi uma vez, quando ele partiu para as Américas no ano de 1955; veio aqui despedir-se, não sei se da terra que o viu nascer, se de nós. Mal me recordo dele, só me lembro que se deitava tarde, acordava-me, uma altura deitou o meu grilo fora, dizia que não o deixava dormir; fiquei com imensa pena, tanto esforço eu tivera para o apanhar; e aquela gaiola de cana, que trabalhão me dera construí-la! O grilo cantava tão bem, nunca tive outro tão cantador, ia buscar alface e erva do monte para lhe dar, jamais passou fome, mas o Ambrósio queria dormir e o grilo não o permitia, perdoo-lhe, mas nunca encontrei outro grilo igual, isso não. O Ambrósio provavelmente já nem de nós se lembra, tem lá duas irmãs, segundo dizem, filhas do pai e da mulher com quem ele casou. A 4 de Março de 1935, de acordo com a caderneta do Registo Civil, nasce-lhe a Rosália. 
- Coitadita, não chegou a gozar a vida: viveu apenas um ano. Era tão linda, tão amorosa, um sorrisinho cativante, foi a terrível doença, ainda a levámos ao hospital, mas não havia nada a fazer, o médico não conseguiu salvá-la, tive um grande desgosto, só Deus sabe quanto eu sofri, não há ninguém que consiga descrever a minha dor, superior à força humana.   // continua...