quinta-feira, 28 de junho de 2018

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha



desenho de Sílvia Neto (?)  

                                                                   CRIMES

 

     Em todos os tempos, e em todos os lugares do planeta, se cometeram e cometem crimes; alguns deles graves, outros menos. Nem todos os criminosos foram punidos. Estou a lembrar-me, por exemplo, do presidente dos Estados Unidos da América, Truman, que mandou lançar bombas atómicas sobre duas cidades do Japão no ano de 1945, matando criminosamente milhares e milhares de pessoas. Será que o facto de estar em guerra justificava tal atitude? Em Melgaço têm surgido alguns crimes ao longo dos séculos, mas nem todos, devido sobretudo à inexistência de jornais, e à falta de conservação dos mesmos quando existem, ficaram registados para a posteridade. Pelo menos três deles são conhecidos: o de Castro Laboreiro, o de Vilar (Alvaredo), e o da Gave. // Eis os crimes cometidos, por ordem cronológica:

 

(1847) - SOARES, José António. // Morreu (segundo constava devido a uma pancada com uma sacha de crista que lhe enterraram na cabeça; dizia a vítima, antes de fechar os olhos, que fora um criado do José “Galo” e o próprio “Galo”). // Estava casado com Teresa Alves e moravam na freguesia da Vila, SMP. Foi sepultado na igreja matriz a 3/6/1847, com ofício de seis padres, por esmola. /// Comentário: estes crimes normalmente ficavam impunes, pois não havendo testemunhas era quase impossível provar que foi este, ou aquele, o criminoso.  


 
(1870) - GARCIA, Joaquina Rosa. Filha de João Garcia e de Maria Esteves, lavradores. Nasceu na freguesia de Penso por volta de 1808. // Lavradeira. // Faleceu a 27/9/1870, com 62 anos de idade, viúva de Manuel Caetano Rodrigues, e foi sepultada na igreja. // Escreveu o pároco: «encontrou-se assassinada em sua própria casa, no lugar das Lages, Penso.» E mais à frente: «declaro que a finada tinha recolhido em sua casa um rapaz natural da Galiza, não tinha dado terra certa em alguns dias que tinha estado nesta freguesia, procurando casa aonde se justasse para servir, sucedeu no dia 27 um filho da finada, por nome António José Rodrigues, e uma filha da mesma, Maria Teresa Rodrigues, saírem para a feira do dia vinte e sete, ficando a mãe destes com o criado em casa, e ao recolherem-se daquela acharam sua mãe morta, tendo desaparecido o criado, que levara um relógio, vestiu-se com calça, colete, jaqueta, camisa e chapéu, do filho da finada, deixando os andrajos com que andava vestido antes, e a camisa com sangue nos pulsos, aparecendo rasto de querer abrir uma caixa, com uma machada, martelo, cinzel, tudo da mesma casa, o que tudo indica ser o matador o mesmo criado, a quem o guarda do barco de Sela tirou o relógio que lhe quis vender, por o dito guarda suspeitar era furtado e o mandou para seu dono ao depois de inteirado do sucedido. Fiz esta declaração para constar.» MJEC.

desenhos de RANA
 

 





 
 

 

segunda-feira, 25 de junho de 2018


           ESCRITOS SOBRE MELGAÇO

                                                                 Por Joaquim A. Rocha




a lua em quarto crescente



PERPLEXIDADES

 

     Não sei como descrever esta ocorrência. Tal como eu, muito melgacense deve ter colocado a si próprio a seguinte questão: - «Como é possível?» Pois bem, abriu mais uma agência bancária no nosso concelho. Uma terra sem indústria, comércio insignificante, agricultura pobre, construção civil incipiente… Vieram à procura dos tais quarenta milhões de contos de réis depositados? Dizem que não! Somente «contribuir para o desenvolvimento económico da região». Então que fizeram até agora os balcões dos outros bancos?

a lua vista do meu terraço

     Bancos são empresas capitalistas e estas visam acima de tudo o lucro. Como obtê-lo se em Melgaço predominam as operações passivas, isto é, depósitos remunerados, à ordem e a prazo, os quais excedem em larga escala os empréstimos, as operações ativas, praticamente inexistentes? A contabilidade é uma técnica, ou ciência exata, os números não enganam, a não ser que os manipulem. Será bom para Melgaço existirem todas estas representações de bancos – cerca de dez?! Vejamos: por um lado isso é bom, pois dá-nos uma certa credibilidade, um ar de milionários, e emprega alguns jovens conterrâneos; inversamente, isso significa que os bancos vêm aqui buscar as notas para depois as canalizarem para localidades mais desenvolvidas. Quando eu era miúdo não havia um único banco em Melgaço – o senhor Teixeira, não sei se legal ou ilegalmente, fazia os câmbios da moeda estrangeira. Com a emigração em massa, devida em parte à guerra colonial, e com as primeiras remessas dos emigrantes, começaram a aparecer as instituições de crédito. Em três décadas arrecadaram muitos milhões de contos em seus cofres! O concelho em si não melhorou significativamente, apesar dos rios de dinheiro enviado de França, Canadá, Alemanha, Luxemburgo, Suíça… Nasceram umas vivendas aqui e ali, mas todas elas feitas à custa do esforço do trabalhador, sacrificando as férias e o descanso tão merecido. É certo que os juros dos depósitos, devido à galopante inflação pós 25 de Abril, quase atingindo os 30%, ajudaram muito. Contudo, e quanto a mim, essas habitações deveriam ter sido construídas por verdadeiras empresas de construção civil, apoiadas pelas agências bancárias – ter-se-ia evitado tanto mamarracho e os bancos teriam justificado cabalmente a sua presença em Melgaço. Mas não! Encaminharam esses recursos para as cidades e a nossa terra continuou mergulhada, apesar de concelho rico, na mais profunda obscuridade empresarial.

     Nem tudo, porém, está perdido; o nosso pessimismo não deve ser contagiante. Se um banco quer honestamente trabalhar connosco, quer ajudar esta zona a sair do marasmo secular, então seja ele bem-vindo. Ao invés, se vem com o fito de propor «a melhor forma de rendibilizar as (…) poupanças», então é mais um e nada mudará. Desconheço completamente os planos desse banco; sei, isso sim, que estas empresas têm grandes capacidades financeiras e podem, sem ferir os seus próprios interesses, apoiar iniciativas locais, emprestando dinheiro a juros baixos. No caso concreto do nosso torrão natal poder-se-ia, por exemplo, ajudar à criação de uma pequena empresa de transportes que fizesse o percurso entre as freguesias do concelho. Existem viaturas, usadas pela Carris de Lisboa e por diversos Colégios, que transportam quarenta a cinquenta passageiros, utilizando como combustível o gasóleo. A Câmara Municipal evitaria, melhor, seria dispensada, desse modo, de ter carros seus para transporte de alunos. Criar-se-iam mais postos de trabalho e proporcionaria aos cidadãos um mais rápido contacto com a sede do concelho e entre eles, bem assim com as repartições públicas, e desenvolveria o comércio, e os habitantes das aldeias sairiam mais vezes do seu “buraco”. Podem pensar que esta ideia é absurda, mas não é. Muitos aldeões não saem do seu povoado devido em parte ao transporte – não tendo carro próprio, nem sabendo conduzir, por aí ficam. O não isolamento das populações passará sem dúvida por transportes diários e regulares através das freguesias; com paragens cobertas, com informação de horários, com trajetos desenhados e legíveis. Quando saí de Santa Maria da Porta, em Janeiro de 1965, não conhecia integralmente o nosso concelho; a Castro Laboreiro tinha ido uma vez; a Cubalhão e à Gave, nenhuma! Aqueles lugarejos, afastados da estrada, não conhecia. Na altura andava-se muito a pé, mas mesmo assim só se ia a lugares aonde houvesse festa, e não podia ser muito longe da vila – Prado, Chaviães, Rouças, Paderne... Morria muita alma por esse concelho fora sem nunca ter saído da sua aldeia, da terreola aonde tinha nascido! Dizia-se, não sei se com fundamento, que certas pessoas desses sítios fugiam para dentro de casa quando se aproximava alguém desconhecido – tinham vergonha! É provável que isso já tenha passado à história, sejam reminiscências de um pretérito que se quer morto e enterrado. 

a lua dos poetas
 
     Nos dias de feira apareciam umas pequenas caminhetas, mais vocacionadas para cargas, com bancos corridos, que conduziam até à vila algumas humanas criaturas misturadas com animais. Suponho que essa prática, nada higiénica, terá sido abolida.
 
     Presumo que alguns seres iluminados, sempre prontos a dar a sua douta e infalível opinião, comecem logo a argumentar que se correria um risco demasiado elevado, que as carreiras passam em quase todas as freguesias, que os táxis desempenham eficazmente esse papel de levar as pessoas a sua casa, seja ela longe ou perto. Não é, quanto a mim, a mesma coisa. As carreiras passam, não vão; o táxi surgiu mais para prestar serviços de urgência, individualizados. Além disso, o preço praticado é muito superior aos dos transportes de massas, ou coletivos. Enquanto uma viagem singular Vila-Fiães, por exemplo, ficaria em 200$00, num táxi essa mesma viagem poderá eventualmente custar 2.000$00, ou seja, dez vezes mais! A acrescer a esta vantagem (mais barato), ainda se fomentava o turismo interno, tão em voga em nossos dias. Vamos pensar nisso?

 

Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1044, de 1/2/1996.



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VENDO PELO PREÇO DE 10 EUROS
(o custo do envio será pago pelo comprador)
joaquim.a.rocha@sapo.pt

sexta-feira, 22 de junho de 2018

POEMAS DO VENTO
 
Por Joaquim A. Rocha








OS COBARDES TAMBÉM SE ABATEM
 

Tenho medo do cobarde,

que escreve e não assina:

oferecendo-lhe eu a face,

 pelas costas me assassina!

 

Tenho medo do cobarde,

 que cospe em nós seu veneno:

dá mentira por verdade,

 foi assim desde pequeno!

 

Atua de noite, em silêncio,

na sombra… na escuridão:

tem prà traição um compêndio

escrito por própria mão!

 

Tem medo da luz do sol,

 vive de cara encoberta:

seus olhos, são um farol

em busca de presa certa.

 

Logo que vê sua presa,

 isto é, a gente honesta,

ataca feroz, de surpresa:

como lobo, como besta.

 

E logo foge, o ladrão,

na sombra se refugia;

vai lavar a suja mão

do sangue que a tingia.

 

Meu pobre pseudo vate,

a quem musa não inspira:

posso apenas comparar-te

a Nero, tocando lira!

 

Vai-te de mim porco sujo,

 verdadeira alma penada;

vai prò mundo do sabujo,

não te negará a entrada!


um gato no telhado em busca de pardais
 A ILUSÃO DE SER POETA 


Julgas, moço, que és poeta;

pobre louco, que ilusão!

Eu não quero ser profeta,

mas não te iludas em vão.

 

Vai para o monte, qual asceta,

medita em calma solidão;

escreve prosa – nessa faceta

serás émulo d’Ortigão!

 

E vive – sobretudo vive.

A vida não é só reflexão;

sabes, o homem não sobrevive

quando apenas vive em comunhão

com o seu egocentrismo e revive

uma época que não é a sua.

 

Descobre o mundo, descobre a rua;

deixa a lua aos poetas.

Desce à terra e pisa forte o chão;

carrega a tua arma, dispara as tuas setas.

Não hesites: a farpa do Ramalho é tua.

Enterra-a fundo. Certa. No coração!

Posando para a fotografia
 
 

terça-feira, 19 de junho de 2018

GENTES DO CONCELHO DE MELGAÇO
FREGUESIA DE CRISTÓVAL 


                                                                   Por Joaquim A. Rocha


5.º governo da 1.ª República

SALGADO, Daniel (ou Daniel José Rodrigues). Filho de Manuel Domingues Salgado e de Francisca Bernardes Rodrigues, moradores no lugar do Sobreiro, Cristóval. Neto paterno de José Bento Salgado e de Maria Inocência Ribeiro, do dito lugar; neto materno de Manuel Joaquim Rodrigues e de Maria Rosa Bernardes, do lugar do Outeiro, Paços. Nasceu a 20/8/1846 e foi batizado a 22 desse mês e ano. Padrinho: frei Manuel de Jesus Maria, do Outeiro, Paços (com procuração de Francisco José Rodrigues, tio materno do batizando, residente em Monção). // Em 1879 estava casado com Maria Elisa da Cunha, proprietária, natural de Moreira do Castelo, Celorico de Basto, distrito de Braga, filha de José António da Cunha Marinho, de Amarante, e de Margarida Alves de Mesquita Leite, de Celorico de Basto, negociantes. Nesse ano de 1879, a 26 de Julho, nasceu em Celorico de Basto o seu filho Rodrigo José Rodrigues, que viria a ser pessoa importante na 1.ª República: foi médico militar, governador de Macau, ministro do Interior em 1913-1914, no governo de Afonso Costa, o qual ajudou a elaborar um estudo profundo, juntamente com o Dr. Júlio de Matos e outros, sobre as prisões portuguesas; este filho de Daniel José casou a 18/3/1904 com Rita Margarida Machado, de 18 anos de idade, natural de São Francisco Xavier do Engenho Velho, Rio de Janeiro, Brasil; morreu em Oliveira de Azeméis, distrito de Aveiro, a 18 ou 19/1/1963.
 
 
      Não tenho a certeza absoluta, mas suponho que Daniel Salgado, ou Daniel José Rodrigues, emigrou para o Brasil, onde conseguiu angariar alguma fortuna. // Deve ter sido ele que mandou construir a “Casa Branca” em Cristóval. // Casou (provavelmente em segundas núpcias) ainda no século XIX, com Antónia de Sylos, brasileira. // Foi com o seu dinheiro que se construiu a torre da igreja de Cristóval, inaugurada a 20/9/1903, o que deu ensejo a enorme banquete. // Em 1908 regressava de Lisboa à sua «Casa Branca», uma bela vivenda mandada construir na freguesia de Cristóval, acompanhado da família. Tinha um filho, António Daniel, nascido a 13 de Junho (de que ano?); nesse dia e no ano de 1912 festejou-se em sua casa o aniversário desse filho. Também era pai de Honório e de Rafael Daniel. // Os seus filhos, António Daniel e Rafael Daniel, em 1913 deslocaram-se a Coimbra a fim de contratarem técnicos que lhes fizessem a instalação elétrica na sua “Casa Branca”. // Em 1913 enviou ofício à Câmara Municipal de Melgaço a dizer que declinava a nomeação de vogal da Comissão de Assistência escolar do concelho; para o substituir nomearam José Joaquim Pereira da Costa, do lugar da Porta (ver Jornal de Melgaço n.º 717 e n.º 733, de 14/5/1908, Correio de Melgaço n.º 2, Correio de Melgaço n.º 46, de 20/4/1913, Correio de Melgaço n.º 61, de 10/8/1913, e Correio de Melgaço n.º 80, de 21/12/1913). // Morreu a --/--/1923 (**). 
 
 

     Embora não possuindo documentos que me permitam provar a autenticidade, julgo que é pai de António Daniel, de Carlos, de Honório Rodrigues, de Rafael Daniel Rodrigues (este senhor teve um filho, de seu nome Rafael Val Rodrigues, conhecido por “Felito da Casa Branca”, de quem o Manuel Igrejas, melgacense, emigrante no Brasil, fala em “A Voz de Melgaço” n.º 933, de 15/2/1991, dizendo que se voltaram a encontrar ao cabo de 20 anos; era seu compadre, padrinho da Deise Igrejas; residia em São Paulo; era casado com Sara e já tinha cinco netos, três da filha Maria e dois do filho Rafael; Rafael Val Rodrigues morreu nesse ano de 1991). // (ver A Voz de Melgaço n.º 950, de 1/11/1991, página 8; e A Voz de Melgaço n.º 1035, de 1/9/1995, página 14). /// (*) (ver Correio de Melgaço n.º 17, de 29/9/1912). /// (**) No Notícias de Melgaço n.º 42, de 21/1/1923, diz-se que morreu em Lisboa o proprietário da “Casa Branca”, de Cristóval, Melgaço.



Nota: se alguém estiver interessado em consultar os escritos deixados pelo Dr. Rodrigo José Rodrigues, ministro do interior em 1913-4, esses documentos encontram-se na Fundação Mário Soares.

            Agradeço à minha sobrinha Celeste, autora do blogue FLOR DE PANO,  toda a sua colaboração.
 
 
                                                                             *
 
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sábado, 16 de junho de 2018

GENTES DO CONCELHO DE MELGAÇO
 
Freguesia de Cristóval

                                                                          Por Joaquim A. Rocha



RIBEIRA, Catarina. Filha de Gregório da Ribeira e de Catarina Esteves, tecelães de linho. Nasceu em Cristóval, Melgaço, a 17/11/1620. Teve por padrinhos Nicolas Álvares, natural de Paços, e Senhorinha Lopes, irmã do padre Pero Lopes. // Casou na igreja da sua freguesia natal em 1638 com Domingos Gonçalvez (o Narizes), na altura mestre carpinteiro, nascido em Padrenda, bispado de Tui, Galiza, em 1609, e filho de Benito Gonçalvez. Passado algum tempo, e devido talvez aos ataques das tropas castelhanas na fronteira, após 1640, que tudo pilhavam e incendiavam, foram morar para a sede do concelho, Vila de Melgaço .
 


    O seu marido exerceu depois a atividade de almocreve, assentista (contador que provia as tropas do necessário por certa soma avençada, ou assentada, paga pelo tesouro nacional), sobretudo fornecendo pão às tropas estacionadas na praça de Melgaço; mais tarde foi almotacé (funcionário municipal encarregado de fiscalizar os pesos e medidas e de taxar o preço dos géneros; competia-lhe também a distribuição de mantimentos em tempo de escassez). // A vida começou a correr bem para o casal, pois arranjaram dinheiro para comprar a Quinta da Pigarra, que mais tarde viria a ser da família «Araújo Azevedo», fidalgos de Soengas, Chaviães. // Domingos Gonçalves passou a ser conhecido, a partir de então, pelo Sr. Pigarra! // Catarina da Ribeira faleceu em 1680. // O seu viúvo volta a casar, desta vez com Maria da Ribeira. // Domingos Gonçalves ainda viveu mais alguns anos, pois finou-se em Melgaço a 13/11/1706, com 97 anos de idade, tendo sido sepultado ao lado da primeira esposa, na capela de Santiago, ali para os lados da Fonte da Vila. // Mãe de Maria (nasceu em Cristóval e foi batizada na igreja a 21/8/1639 – deve ter morrido ainda bebé); de Maria (nasceu em Cristóval, foi batizada na igreja a 2/9/1640, e faleceu na Vila dos Arcos de Valdevez em 1684); de António (nasceu na Vila e foi batizado na igreja a 25/11/1646 – deve ter morrido ainda bebé); Domingos (nasceu na Vila de Melgaço e foi batizado na igreja a 10/9/1644); de Isabel (nasceu na Vila e foi batizada na igreja a 17/12/1648); de António (nasceu na Vila e foi batizado na igreja a 22/9/1663); de Romão e de Isabel (nasceram na Vila em 1665); e de Bento (nasceu na Vila). // Ver “À la Recherche de mes Racines”, de Maria do Sameiro de Carvalho-Marchand, páginas 165, 170, e 173. 


 





 

quarta-feira, 13 de junho de 2018

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha



Adelino Joaquim junto de Craveiro Lopes e outros


                                                       ESCRITORES MELGACENSES

PEREIRA, Adelino Joaquim. Filho do professor Adelino José Pereira, natural de Castro Laboreiro, e de Rosalina Soares de Castro, natural de Alvaredo, onde moravam. Nasceu em Alvaredo a 17/1/1913 (Correio de Melgaço n.º 34, de 26/1/1913). // Em 1929 encontrava-se de férias. Colaborava no jornal “Notícias de Melgaço”. // A 8/6/1931 embarcou para Lourenço Marques, Moçambique, onde trabalhou durante vários anos (ver Notícias de Melgaço n.º 112, de 7/6/1931). // Surge-nos na Wikipédia como escritor, jornalista, estudioso da etnografia moçambicana, e fundador do Museu de Etnografia de Nampula. // Morreu em Lisboa, sem geração. // Nota: ficou conhecido como Adelino Joaquim Pereira Soares de Castro.







segunda-feira, 11 de junho de 2018

ENTRE MORTOS E FERIDOS
(dois anos de guerra na Guiné-Bissau)
 
romance histórico
 
Por Joaquim A. Rocha





- O regresso a Teixeira Pinto tornou-se lento e penoso. Tivemos sempre a nítida sensação de estarmos a ser perseguidos. Não me lembro quantos quilómetros já tínhamos percorrido a pé. Talvez qualquer coisa como quarenta! Nem valia a pena pensar nisso. A caminho… que se faz tarde.

     Havia mais de uma hora que deixáramos a povoação em chamas e uma virago africana a ser devorada pelos abutres e toda a espécie de carnívoros necrófagos! O silêncio da floresta anunciava borrasca. A emboscada estava mesmo a rebentar. Não seria de prever outra coisa!

     A “costureirinha” dos paigecês, com o seu matraquear caraterístico, produzindo um som semelhante ao da máquina de costura, cantava a sua canção fúnebre. Atirei-me ao solo com a rapidez do raio, aproveitei o tronco grosso de uma árvore e ripostei às balas do inimigo. O nosso capitão, verdadeira personagem dos filmes de guerra, indiferente às balas, andava de um lado e de outro, dando instruções, empolgando os seus guerreiros: «Carregar! A eles, a eles! Morte aos turras

     Ouviam-se palavrões, obscenidades que fariam corar uma prostituta. O tiroteio não durou mais do que meia hora. Os guineenses não deviam ser muitos e só pretendiam perturbar, desgastar a tropa portuguesa. Permaneci deitado mais algum tempo. Só tinha consumido um carregador. Depois daquele barulho indescritível, resta o silêncio novamente. Até o bater do coração se ouve!

     O comandante, aparentemente calmo, mandou avançar: «Vão atentos, o inimigo pode atacar-nos de novo   

- Houve feridos? – pergunta Henrique, com comiseração.

- Felizmente não houve quaisquer baixas a lamentar. No entanto, o nosso furriel Grande, ao tentar levantar-se, cai ao chão desmaiado. Um contratempo. O capitão, habituado a lidar com a fraqueza humana, acostumado também a resolver todos os problemas e dificuldades que iam surgindo, com um sentido prático, sem tergiversações, vai ao pé dele e dá-lhe duas valentes bofetadas: «Acorde furriel, deixe as suas misérias e debilidades para outra ocasião. Este não é propriamente o lugar nem o momento certo para este tipo de exibições

- A terapêutica surtiu efeito?! – pergunta Henrique, com ironia.

- Por mais incrível que isso pareça, o furriel entreabriu os olhos e, com a ajuda dos seus homens, levantou-se a custo. O enfermeiro deu-lhe qualquer coisa a cheirar e, amparado, sem qualquer carga, lá foi indo.

- Lá diz o ditado: «os gigantes também tombam

- Podes não acreditar, mas este novo acontecimento também mexeu imenso comigo. Um dia ancho de lições! Como que é que um homem, muito mais alto e forte do que eu, com outro treino, com uma alimentação mil vezes melhor do que a minha, vergava assim?! Eu, franganito, cinco réis de gente, o “lingrinhas”, ou “esquilo”, como o alferes Briosa sempre me chamou, aguentava, embora sofrendo, todo este diabólico percurso. Ainda hoje, passados tantos anos, reflito nisso.

- De facto, você é um homem de têmpera! – elogia Henrique, num sorriso aberto e franco, mostrando uns dentes perfeitos e bem escovados.
 
- Nem por isso! Hoje já estou um pouco em baixo, os anos não perdoam. Na Guiné-Bissau suportei mil sofrimentos porque tinha aquela idade, caso contrário teria sucumbido. Eu não sou Hércules, nem sequer Ulisses! E David também não poderia ser, porque não tenho a sua pontaria! Até parece que estou a ver o gigante Golias a tombar depois de receber uma pedrada em cheio, naquela testa enorme!

     Mas prosseguindo: continuámos a andar; uma hora depois, mais ou menos, ouvimos vozes. Escondemo-nos e vimos um grupo de mulheres, com cestos à cabeça, andar apressado. Logo que se aproximaram, alguns dos meus companheiros saltaram-lhes ao caminho como qualquer Zé do Telhado, ou Tomás das Quingostas, e um dos oficiais mandou-as parar e deu-lhes ordem de prisão, como se elas tivessem acabado de assaltar uma agência bancária em Lisboa!


- Do primeiro já ouvi falar, até já li um livro, e vi um filme, sobre a sua vida; mas quem foi esse Tomás das Quingostas? Nunca ouvira antes pronunciar o nome de tal criatura!

- Era um chefe de malfeitores. Nasceu no lugar das Quingostas, em São Paio de Melgaço, no ano de 1808. A sua quadrilha esteve ao serviço, durante a guerra civil, provocada pela desavença entre os dois irmãos D. Pedro e D. Miguel, de quem lhes pagava melhor. Depois de 1834, quando terminou a dita guerra, dizia-se miguelista, mas era para receber dinheiro dos absolutistas e dos carlistas espanhóis. Logo que os liberais (mais concretamente o visconde das Antas) o promoveram a comandante da guarda volante do Alto Minho, força paramilitar muito duvidosa, começou logo a perseguir aqueles que até aí tinha apoiado. Era um verdadeiro camaleão.  

- Um bandido age de acordo com as suas conveniências! – corrobora o jovem Henrique.

- Exatamente! O Tomás e a sua quadrilha percorreram os montes de Castro Laboreiro, as serras da Peneda e do Gerês, o Soajo, os concelhos limítrofes ao seu, sobretudo Valadares, indo até à Galiza, assaltando quintas e casas senhoriais, ricos e remediados, traficando soldados para as hostes carlistas, enfim, causando o terror e o caos numa vasta zona, pilhando e matando diversas pessoas que por azar se cruzaram no seu caminho.

- Um valentão! E ninguém lhes dava caça? – pergunta Henrique, incrédulo com aquilo que ia ouvindo.

- O país estava de rastos por essa altura, tanto financeira como economicamente, mas a rainha D. Maria II deu ordens à tropa para o perseguirem e prendê-lo; no caso dele não se render, deveria ser abatido. E foi o que aconteceu. Em finais de Janeiro de 1839 o Tomás das Quingostas foi preso; mas quando os soldados da soberana o levavam para a cadeia de Melgaço ele tentou fugir. Os militares apontaram-lhe as armas e mataram-no! Isto é o que conta a lenda, mas quanto a mim ele morreu numa emboscada preparada minuciosamente por um tal major Frazão, enviado pelo governo para acabar com o sacana e a sua quadrilha. Assim acabou o maior bandido do Alto Minho. E sem cabeça!

- Sem cabeça?! Como foi isso? – pergunta, admiradíssimo, Henrique.

- A razão foi a seguinte: ele tinha de ser enterrado na freguesia onde morrera – neste caso coincidia com a freguesia onde nascera. Tudo bem! Mas como é que os soldados iriam provar aos seus superiores que tinham abatido o chefe de uma grande quadrilha de bandoleiros?

- Só levando-lhes a cabeça do moinante!

- Exatamente. O resto do corpo foi enterrado perto do sítio onde fora fuzilado, por detrás de uma capela – o padre não permitiu que ele fosse sepultado no seu interior, visto que era um fora da lei e, segundo consta, um herege.

- Interessante. Há tantos episódios da História de Portugal por divulgar!

- É verdade. E agora prosseguindo a minha narrativa:

     As mulheres africanas, assustadas, fugiram. Como atletas de alta competição, como genuínos galgos, espumando pela boca, alguns magalas correram atrás delas. Apanharam três: duas novas e uma mais idosa. Os oficiais tentaram falar-lhes; mas o diálogo, devido sobretudo ao idioma e ao nervosismo, não foi possível. Chamaram um dos guias, mas este disse desconhecer aquele dialeto. Desse modo, e receando serem elas portadoras de mensagens para os paigecês, levámo-las connosco.

     Chegámos finalmente ao local de onde tínhamos partido, ou seja Bachile. Através da rádio pediu-se ao quartel de Teixeira Pinto que mandasse as viaturas a fim de nos transportarem até lá. As criaturas foram atiradas de qualquer maneira para o chão do alpendre e quase esquecidas.

     Algum tempo passou. Enquanto esperava, tentei dormir um pouco. Mas, eis senão quando um magano, depois de um repouso reparador e algum alimento ingerido, lembra aos outros que «mulher, mesmo negra, nasceu para dar prazer ao macho, e aquelas ali vinham mesmo a calhar

     Outro, que com certeza já o tinha pensado, mas não tivera a ousadia de propor tal infâmia, disse então: «E por que não?! O nosso comandante, juntamente com todos os alferes (à excepção do alferes Briosa, que é camarada, e está neste momento a dormir como um justo), seguiu para Teixeira Pinto num jipe. Os sargentos e furriéis não se metem nestas coisas. Elas estão, pois, à nossa mercê. Quem começa?!»

- Eu não acredito naquilo que estou a ouvir! – grita Henrique, num gesto de repugnância, chamando a atenção das pessoas ali próximas.

- Escuta: logo de imediato um deles, com uma desfaçatez exibicionista, despe as calças, aproxima-se de uma das jovens e bruscamente puxa-lhe o pano (tanga), que cobria as suas partes genitais. Os demais, ao verem esta erótica cena, excitaram-se e não se fizeram rogados. Velha e novas alimentaram os apetites carnais desses pequenos energúmenos, desses excrementos aberrantes.

- E as mulheres, como reagiram? – pergunta o jovem, espumando de raiva, mas mais comedido.

- De nada lhes valeu chorar, implorar; de nada lhes valeu gritar; de nada lhes valeu resistir!

     Indignado com tal procedimento, invoquei a sua condição de gente civilizada, de cristãos convictos, de divulgadores de ideais humanistas, samaritanos. Pregava no deserto.

- O ser humano, quando atinge a bestialidade, já não é ser humano, é um bicho! – diz Henrique, colérico.

- Tens toda a razão. Peguei na G-3, mas logo mão serena, e certamente comungando comigo o mesmo sentimento de repúdio, segurou com firmeza o meu braço e disse-me: «Que pretendes fazer, louco? Queres matar os teus companheiros?!»

     Refleti durante algum tempo, e respondi-lhe: «Faz sentido aquilo me dizes; contudo vou avisar o alferes Briosa.» Bati à porta do quarto aonde ele se encontrava a dormir, e logo a porta se abriu. Informei-o: «Meu alferes, está a passar-se uma coisa horrível ali fora

     O alferes tudo ouviu com paciência e compreensão, observando: «Ó “Esquilo”, tu és um autêntico anjinho! Não vês que os homens estiveram sob pressão este tempo todo, não são nenhuns santos, alguns deles já são casados, aos meses que vivem na mais pura abstinência, e vai daí aproveitaram a ocasião. Tens muito ainda para ver ao longo da tua comissão na Guiné. Guerra é guerra. Em todos os tempos, em todos os lugares, ela gera cenas semelhantes ou piores do que estas. Que pensas que fizeram os exércitos gregos, os romanos, os persas? E também na 1.ª Grande Guerra (1914-1918) e 2.ª Guerra Mundial, esta última começou em 1939 e acabou somente em 1945, como sabes, quantas coisas erradas se fizeram! Até a bomba atómica os americanos utilizaram, destruindo cidades, e matando e ferindo milhares de japoneses! Todos, sem excepção, cometeram excessos, crimes abomináveis. Este, comparado com os deles, é um crime menor. Se não queres ver, afasta-te – deixa-os em paz. A vida em ambiente conflituoso é isto também

- O alferes agiu com prudência, mas sem dignidade – não eram suas filhas! – comenta o jovem.
 


 
- De nada valeram os meus argumentos, que a seus olhos mais pareciam sofismas! Que fizeram de mal aquelas senhoras? Que vilanias, que crimes, tinham elas cometido?! Que infrações, que regras tinham elas violado?                    


 
     Num Estado de Direito estes raciocínios poderiam ter algum peso; ali, na selva africana, em tempo de conflito armado, as teses que predominavam eram as da força das armas. Os remorsos, se um dia rebentarem como ervas daninhas no prado verdejante, serão aromatizados pelo tempo e pela distância. Além disso, os preconceitos de raça e cor eram ao tempo muito vincados.



- Malditos! Se existir o inferno, mais cedo ou mais tarde irão lá parar – exclama Henrique, numa voz teatral, profunda, ameaçadora.