segunda-feira, 25 de junho de 2018


           ESCRITOS SOBRE MELGAÇO

                                                                 Por Joaquim A. Rocha




a lua em quarto crescente



PERPLEXIDADES

 

     Não sei como descrever esta ocorrência. Tal como eu, muito melgacense deve ter colocado a si próprio a seguinte questão: - «Como é possível?» Pois bem, abriu mais uma agência bancária no nosso concelho. Uma terra sem indústria, comércio insignificante, agricultura pobre, construção civil incipiente… Vieram à procura dos tais quarenta milhões de contos de réis depositados? Dizem que não! Somente «contribuir para o desenvolvimento económico da região». Então que fizeram até agora os balcões dos outros bancos?

a lua vista do meu terraço

     Bancos são empresas capitalistas e estas visam acima de tudo o lucro. Como obtê-lo se em Melgaço predominam as operações passivas, isto é, depósitos remunerados, à ordem e a prazo, os quais excedem em larga escala os empréstimos, as operações ativas, praticamente inexistentes? A contabilidade é uma técnica, ou ciência exata, os números não enganam, a não ser que os manipulem. Será bom para Melgaço existirem todas estas representações de bancos – cerca de dez?! Vejamos: por um lado isso é bom, pois dá-nos uma certa credibilidade, um ar de milionários, e emprega alguns jovens conterrâneos; inversamente, isso significa que os bancos vêm aqui buscar as notas para depois as canalizarem para localidades mais desenvolvidas. Quando eu era miúdo não havia um único banco em Melgaço – o senhor Teixeira, não sei se legal ou ilegalmente, fazia os câmbios da moeda estrangeira. Com a emigração em massa, devida em parte à guerra colonial, e com as primeiras remessas dos emigrantes, começaram a aparecer as instituições de crédito. Em três décadas arrecadaram muitos milhões de contos em seus cofres! O concelho em si não melhorou significativamente, apesar dos rios de dinheiro enviado de França, Canadá, Alemanha, Luxemburgo, Suíça… Nasceram umas vivendas aqui e ali, mas todas elas feitas à custa do esforço do trabalhador, sacrificando as férias e o descanso tão merecido. É certo que os juros dos depósitos, devido à galopante inflação pós 25 de Abril, quase atingindo os 30%, ajudaram muito. Contudo, e quanto a mim, essas habitações deveriam ter sido construídas por verdadeiras empresas de construção civil, apoiadas pelas agências bancárias – ter-se-ia evitado tanto mamarracho e os bancos teriam justificado cabalmente a sua presença em Melgaço. Mas não! Encaminharam esses recursos para as cidades e a nossa terra continuou mergulhada, apesar de concelho rico, na mais profunda obscuridade empresarial.

     Nem tudo, porém, está perdido; o nosso pessimismo não deve ser contagiante. Se um banco quer honestamente trabalhar connosco, quer ajudar esta zona a sair do marasmo secular, então seja ele bem-vindo. Ao invés, se vem com o fito de propor «a melhor forma de rendibilizar as (…) poupanças», então é mais um e nada mudará. Desconheço completamente os planos desse banco; sei, isso sim, que estas empresas têm grandes capacidades financeiras e podem, sem ferir os seus próprios interesses, apoiar iniciativas locais, emprestando dinheiro a juros baixos. No caso concreto do nosso torrão natal poder-se-ia, por exemplo, ajudar à criação de uma pequena empresa de transportes que fizesse o percurso entre as freguesias do concelho. Existem viaturas, usadas pela Carris de Lisboa e por diversos Colégios, que transportam quarenta a cinquenta passageiros, utilizando como combustível o gasóleo. A Câmara Municipal evitaria, melhor, seria dispensada, desse modo, de ter carros seus para transporte de alunos. Criar-se-iam mais postos de trabalho e proporcionaria aos cidadãos um mais rápido contacto com a sede do concelho e entre eles, bem assim com as repartições públicas, e desenvolveria o comércio, e os habitantes das aldeias sairiam mais vezes do seu “buraco”. Podem pensar que esta ideia é absurda, mas não é. Muitos aldeões não saem do seu povoado devido em parte ao transporte – não tendo carro próprio, nem sabendo conduzir, por aí ficam. O não isolamento das populações passará sem dúvida por transportes diários e regulares através das freguesias; com paragens cobertas, com informação de horários, com trajetos desenhados e legíveis. Quando saí de Santa Maria da Porta, em Janeiro de 1965, não conhecia integralmente o nosso concelho; a Castro Laboreiro tinha ido uma vez; a Cubalhão e à Gave, nenhuma! Aqueles lugarejos, afastados da estrada, não conhecia. Na altura andava-se muito a pé, mas mesmo assim só se ia a lugares aonde houvesse festa, e não podia ser muito longe da vila – Prado, Chaviães, Rouças, Paderne... Morria muita alma por esse concelho fora sem nunca ter saído da sua aldeia, da terreola aonde tinha nascido! Dizia-se, não sei se com fundamento, que certas pessoas desses sítios fugiam para dentro de casa quando se aproximava alguém desconhecido – tinham vergonha! É provável que isso já tenha passado à história, sejam reminiscências de um pretérito que se quer morto e enterrado. 

a lua dos poetas
 
     Nos dias de feira apareciam umas pequenas caminhetas, mais vocacionadas para cargas, com bancos corridos, que conduziam até à vila algumas humanas criaturas misturadas com animais. Suponho que essa prática, nada higiénica, terá sido abolida.
 
     Presumo que alguns seres iluminados, sempre prontos a dar a sua douta e infalível opinião, comecem logo a argumentar que se correria um risco demasiado elevado, que as carreiras passam em quase todas as freguesias, que os táxis desempenham eficazmente esse papel de levar as pessoas a sua casa, seja ela longe ou perto. Não é, quanto a mim, a mesma coisa. As carreiras passam, não vão; o táxi surgiu mais para prestar serviços de urgência, individualizados. Além disso, o preço praticado é muito superior aos dos transportes de massas, ou coletivos. Enquanto uma viagem singular Vila-Fiães, por exemplo, ficaria em 200$00, num táxi essa mesma viagem poderá eventualmente custar 2.000$00, ou seja, dez vezes mais! A acrescer a esta vantagem (mais barato), ainda se fomentava o turismo interno, tão em voga em nossos dias. Vamos pensar nisso?

 

Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1044, de 1/2/1996.



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