ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
a lua em quarto crescente |
PERPLEXIDADES
Não sei como descrever
esta ocorrência. Tal como eu, muito melgacense deve ter colocado a si próprio a
seguinte questão: - «Como é possível?»
Pois bem, abriu mais uma agência bancária no nosso concelho. Uma terra sem
indústria, comércio insignificante, agricultura pobre, construção civil incipiente…
Vieram à procura dos tais quarenta milhões de contos de réis depositados? Dizem
que não! Somente «contribuir para o
desenvolvimento económico da região». Então que fizeram até agora os
balcões dos outros bancos?
a lua vista do meu terraço |
Bancos são
empresas capitalistas e estas visam acima de tudo o lucro. Como obtê-lo se em
Melgaço predominam as operações passivas, isto é, depósitos remunerados, à
ordem e a prazo, os quais excedem em larga escala os empréstimos, as operações
ativas, praticamente inexistentes? A contabilidade é uma técnica, ou ciência
exata, os números não enganam, a não ser que os manipulem. Será bom para
Melgaço existirem todas estas representações de bancos – cerca de dez?! Vejamos:
por um lado isso é bom, pois dá-nos uma certa credibilidade, um ar de
milionários, e emprega alguns jovens conterrâneos; inversamente, isso significa
que os bancos vêm aqui buscar as notas para depois as canalizarem para
localidades mais desenvolvidas. Quando eu era miúdo não havia um único banco em
Melgaço – o senhor Teixeira, não sei se legal ou ilegalmente, fazia os câmbios
da moeda estrangeira. Com a emigração em massa, devida em parte à guerra
colonial, e com as primeiras remessas dos emigrantes, começaram a aparecer as
instituições de crédito. Em três décadas arrecadaram muitos milhões de contos
em seus cofres! O concelho em si não melhorou significativamente, apesar dos
rios de dinheiro enviado de França, Canadá, Alemanha, Luxemburgo, Suíça… Nasceram
umas vivendas aqui e ali, mas todas elas feitas à custa do esforço do
trabalhador, sacrificando as férias e o descanso tão merecido. É certo que os
juros dos depósitos, devido à galopante inflação pós 25 de Abril, quase atingindo
os 30%, ajudaram muito. Contudo, e quanto a mim, essas habitações deveriam ter
sido construídas por verdadeiras empresas de construção civil, apoiadas pelas
agências bancárias – ter-se-ia evitado tanto mamarracho e os bancos teriam
justificado cabalmente a sua presença em Melgaço. Mas não! Encaminharam esses
recursos para as cidades e a nossa terra continuou mergulhada, apesar de
concelho rico, na mais profunda obscuridade empresarial.
Nem tudo, porém,
está perdido; o nosso pessimismo não deve ser contagiante. Se um banco quer
honestamente trabalhar connosco, quer ajudar esta zona a sair do marasmo secular,
então seja ele bem-vindo. Ao invés, se vem com o fito de propor «a melhor forma de rendibilizar as (…)
poupanças», então é mais um e nada mudará. Desconheço completamente os
planos desse banco; sei, isso sim, que estas empresas têm grandes capacidades
financeiras e podem, sem ferir os seus próprios interesses, apoiar iniciativas
locais, emprestando dinheiro a juros baixos. No caso concreto do nosso torrão natal
poder-se-ia, por exemplo, ajudar à criação de uma pequena empresa de
transportes que fizesse o percurso entre as freguesias do concelho. Existem
viaturas, usadas pela Carris de Lisboa e por diversos Colégios, que transportam
quarenta a cinquenta passageiros, utilizando como combustível o gasóleo. A
Câmara Municipal evitaria, melhor, seria dispensada, desse modo, de ter carros
seus para transporte de alunos. Criar-se-iam mais postos de trabalho e proporcionaria
aos cidadãos um mais rápido contacto com a sede do concelho e entre eles, bem
assim com as repartições públicas, e desenvolveria o comércio, e os habitantes
das aldeias sairiam mais vezes do seu “buraco”. Podem pensar que esta ideia é
absurda, mas não é. Muitos aldeões não saem do seu povoado devido em parte ao
transporte – não tendo carro próprio, nem sabendo conduzir, por aí ficam. O não
isolamento das populações passará sem dúvida por transportes diários e
regulares através das freguesias; com paragens cobertas, com informação de
horários, com trajetos desenhados e legíveis. Quando saí de Santa Maria da
Porta, em Janeiro de 1965, não conhecia integralmente o nosso concelho; a
Castro Laboreiro tinha ido uma vez; a Cubalhão e à Gave, nenhuma! Aqueles
lugarejos, afastados da estrada, não conhecia. Na altura andava-se muito a pé,
mas mesmo assim só se ia a lugares aonde houvesse festa, e não podia ser muito
longe da vila – Prado, Chaviães, Rouças, Paderne... Morria muita alma por esse
concelho fora sem nunca ter saído da sua aldeia, da terreola aonde tinha nascido!
Dizia-se, não sei se com fundamento, que certas pessoas desses sítios fugiam
para dentro de casa quando se aproximava alguém desconhecido – tinham vergonha!
É provável que isso já tenha passado à história, sejam reminiscências de um pretérito
que se quer morto e enterrado.
a lua dos poetas |
Nos dias de feira
apareciam umas pequenas caminhetas, mais vocacionadas para cargas, com bancos
corridos, que conduziam até à vila algumas humanas criaturas misturadas com
animais. Suponho que essa prática, nada higiénica, terá sido abolida.
Presumo que
alguns seres iluminados, sempre prontos a dar a sua douta e infalível opinião,
comecem logo a argumentar que se correria um risco demasiado elevado, que as
carreiras passam em quase todas as freguesias, que os táxis desempenham eficazmente
esse papel de levar as pessoas a sua casa, seja ela longe ou perto. Não é,
quanto a mim, a mesma coisa. As carreiras passam, não vão; o táxi surgiu mais
para prestar serviços de urgência, individualizados. Além disso, o preço
praticado é muito superior aos dos transportes de massas, ou coletivos.
Enquanto uma viagem singular Vila-Fiães, por exemplo, ficaria em 200$00, num
táxi essa mesma viagem poderá eventualmente custar 2.000$00, ou seja, dez vezes
mais! A acrescer a esta vantagem (mais barato), ainda se fomentava o turismo
interno, tão em voga em nossos dias. Vamos pensar nisso?
Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1044, de 1/2/1996.
=======================================================================
VENDO PELO PREÇO DE 10 EUROS
(o custo do envio será pago pelo comprador)
joaquim.a.rocha@sapo.pt
=======================================================================
Sem comentários:
Enviar um comentário