quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha






ROUBOS


(1936) - Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 325, de 20/9/1936: «Há pouco tempo apareceu em Melgaço um indivíduo desconhecido que dava pelo nome de António e consertava relógios ao ar livre no Largo da Calçada. Um dia destes o tal indivíduo desapareceu desta vila levando todos os relógios que (…) lhe haviam confiado para consertar, pertencentes aos senhores António Joaquim Esteves, António Augusto Pires, Manuel da Garage, José Cerdeira, Manuel Pereira, Manuel Gonçalves, e a uma criada da antiga Pensão Vila Verde. O mesmo gatuno roubou uma toalha de felpo a Higina Cerdeira, em casa de quem esteve hospedado e a quem ficou a dever quarenta e cinco escudos de hospedagem. Este indivíduo, um dia antes de fugir, despachou na Central desta vila, com destino a Viana, uma mala com diversos objetos. Ignora-se o seu paradeiro 

 

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(1936) - Na noite de 8 para 9/10/1936, noite de tempestade, os gatunos penetraram pelo telhado e entraram na casa de habitação de Cândido Augusto Esteves, comerciante, com estabelecimento no lugar do Cruzeiro da Serra, Prado, descendo à loja, de onde roubaram chapéus, lenços, peúgas e ligas, tabaco, fósforos, papéis de fumar, queijo, marmelada, chouriços, bacalhau, e dinheiro que ali restava para trocos; calculou-se o valor do roubo em 600$00 (Notícias de Melgaço n.º 328).    

 

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(1936) - PRIETO, Raimundo (Padre). Filho de Francisco Prieto (Pereira Lamela) e de Maria Joana Lamosa, naturais de São Bartolomeu de Lamosa, Galiza. Neto paterno de José Prieto e de Benita Lamela; neto materno de José Pedro Lamosa e de Maria Rosa Davila. Nasceu no lugar da Peneda, freguesia da Gavieira, Arcos de Valdevez, às três horas da manhã de 9/8/1878 (*). Padrinhos: Romão Salgado, lavrador, e Maria Campela. // Em 1899 os seus pais, mais os irmãos, já residiam na freguesia de Cousso, concelho de Melgaço. // Depois da instrução primária ingressou no Seminário de Braga, ordenando-se sacerdote em 1901. // Paroquiou a freguesia de Cousso durante muitos anos, primeiro como coadjutor; em 1912, já no tempo da República, recebeu das autoridades uma intimação para no prazo de cinco dias deixar a casa de residência paroquial. // A 17/8/1919 realizou-se na igreja paroquial de Cristóval uma festividade em honra do Santíssimo. O correspondente do Jornal de Melgaço nessa freguesia escreveu: «ao evangelho subiu ao púlpito o nosso amigo reverendo Raimundo Pereira, digno reitor da freguesia de Cousso. Poucas vezes temos tido ocasião de assistir a sermões feitos por este nosso amigo, e nunca assisti a sermão tão erudito e ao mesmo tempo ao alcance de todas as inteligências, apesar do grande mistério de que nesse dia tratava... (Jornal de Melgaço n.º 1259, de 24/8/1919). // Da freguesia de Cousso, a 9/8/1928, transitou para a de São Paio de Melgaço, cuja igreja reconstruiu totalmente entre 1930 e 1931. Essas obras foram muito criticadas, mas nas Obras Completas do Dr. Augusto César Esteves, volume I, tomo II, página 424, lê-se: «Desta forma fica aliviada a responsabilidade do encomendado Raimundo Prieto assumida quando em 1930 resolveu alargar e de facto alargou a igreja, retirando-lhe os tais arcos.» // Na madrugada do dia 2/11/1936, sendo ele então abade de São Paio, e estando a celebrar a missa, uns ladrões assaltaram a residência paroquial, na qual ele habitava, e roubaram-lhe um relógio de ouro, duas libras, uma moeda de 10$00 (em ouro?), uma coleção de moedas de prata do centenário, uma máquina de cortar cabelo, três garrafas de vinho fino, doces, chocolates, e uns polvos que estavam a demolhar na cozinha, que os gatunos abandonaram, espetados num pau, perto da dita residência. Diversas alfaias de prata, que se encontravam num armário, ficaram intactas; assim como outros valores que os larápios não descobriram. // Ideologicamente estava ligado ao regime corporativista, colaborando, assumindo mesmo a vice-presidência da comissão concelhia da União Nacional. Não custa crer que apoiou a queda da I República em 1926. // Apareceu morto a uma terça-feira, 5/12/1939, na já citada residência paroquial de São Paio de Melgaço; o funeral realizou-se a sete daquele mês, com dezassete sacerdotes a acompanhar o féretro até à sepultura. Consta que morreu de desgosto, por ter sido preso pela PIDE, quando albergou em sua casa um indivíduo que lutara na guerra civil de Espanha contra as forças do Franco; fora denunciado pelo Dr. João Durães, dono de uma farmácia na Vila de Melgaço. // Foi substituído pelo padre Marques, natural do lugar de Lobiô, Rouças. // Deixou irmãos e sobrinhos; entres estes, o pároco de Cristóval, padre Manuel José Pereira. /// (*) Os seus pais, comerciantes galegos, fabricantes de cera, foram fazer as festas da Senhora da Peneda, e aí nasceu a criança.    

domingo, 24 de fevereiro de 2019

LEMBRANÇAS AMARGAS
 
romance
 
Por Joaquim A. Rocha





XXVIII

 Ele imaginou a realidade e saiu do lodaçal
 
 



     Mais lembranças amargas desfilarão perante vossos olhos, já cansados talvez de verter tanta lágrima; mas, que se poderá fazer? A riqueza e a felicidade andam tão mal distribuídas: uns têm tudo, outros não têm nada! As recordações servem de catarse, de alívio à dor. Por isso, eu nunca perco uma única oportunidade de projetar na tela imaginária as cenas da minha infância infeliz.



- Lembras-te de quando eu fiz cair o tio?

- Se lembro! Terias tu sete ou oito anos de idade.

- Tinha sete anos. A tia não me deixava sair da mesa enquanto não engolisse aquele caldo de farinha e couves com unto rançoso; nele podia-se enterrar uma colher que ela nem sequer se mexia, tal era a sua espessura. Eu então resolvi fugir; o tio, que se encontrava ocasionalmente em casa, partiu atrás de mim como uma flecha. Eu, porém, fui mais rápido, deixava-o propositadamente aproximar-se e depois, com fintas engenhosas, fugia-lhe como a lebre foge do cão. A avenida andava em obras, os calceteiros estavam a colocar paralelepípedos, e utilizavam um enorme cilindro em pedra granítica para depois lhes passar por cima, a fim de ficarem todos ao mesmo nível; eu aproximei-me dele e esperei que o tio chegasse perto de mim – quando se encontrava a um metro de distância, mais ou menos, deu um enorme salto para me agarrar; baixei-me e de imediato dou uma guinada no sentido oposto ao dele. Coitado, bateu com todo o seu corpo contra o cilindro.

- Foram buscá-lo desmaiado!

- É verdade. O choque foi de tal modo violento que esteve cerca de uma semana na cama.

- Não me lembro se te bateram.

- Não se atreveram. Ficaram-me com medo e raiva. A partir daí a tia nunca mais me obrigou a comer aquele caldo de porcos, eu preferia passar fome.   

- Ainda bem que saíram de casa, a nossa relação com eles estava a tornar-se insustentável.
 

 - Sabes que ia ficando sem um dedo da mão na barbearia do tio?
- Sem um dedo?

- Sim. Eu e a prima Laura disputávamos um pedaço de pão, que bem ele cheirava, e como nenhum de nós queria ceder, então resolveu-se cortá-lo ao meio.

- E o tio, não interveio?!

- Ele não se encontrava presente, tinha ido beber uma malga com uns amigos, ou clientes. Claro que fui eu a cortar o pão; fugiu-me a faca e cortou-me o dedo; depois fui a correr para o hospital, o que me valeu foi o enfermeiro, pôs-me uns pensos e logo chamou o médico para me operar, é por isso que tenho um dedo da mão mais curto e mais magro do que o outro.  

- Deste uma queda pelas escadas de pedra, ias morrendo queimado, doente, depois o dedo. De facto, tudo te tem acontecido!

- Estás a esquecer-te que certo dia ia morrendo afogado; o Trufas empurrou-me para o poço mais fundo do regato, ali perto de onde ele vai desaguar, salvei-me por pouco, caramba! Os pés pareciam de chumbo, o corpo não queria subir, não podia respirar, fica-se completamente perdido. E como o destino é irónico: quem acabou por morrer afogado no rio anos depois foi ele! Levei também uma lapada na cabeça, até vi as estrelas.

- Uma lapada?!

- Sim, com uma pedra atirada pela tia Ana da Ponte, caseira do senhor Renato.

- Forte razão devia ela ter para te atirar com a pedra.

- Eu andava a roubar cornecha, ou cornelho, uns pauzinhos pretos que se tiravam do centeio, lembras-te? Depois vendiam-se na feira, ou até na farmácia; segundo diziam os feirantes, compravam-na para depois os laboratórios fazerem medicamentos.

- Já me recordo disso; até tiveste de ir ao hospital levar uns quatro ou cinco pontos!

- O raio da mulher tinha cá uma pontaria! E logo havia de acertar em mim; olha que estávamos lá uns cinco ou seis.

- Tu eras um autêntico “terrorista”…

- Era como os outros; simplesmente como não tinha ninguém que me defendesse mostrava-me mais agressivo do que aquilo que na realidade era.

- Tempos difíceis.
 











- Para cúmulo da desgraça, depois dos tios terem ido em 1951 ou 1952 viver para a capital do país, apareceu a nossa irmã com a barriga grávida.



- Teve a criança passado dois meses.

- E nós tivemos de tomar conta do cachopo, para ela poder ir ganhar o sustento para os dois; tu, no entanto, ias brincar e obrigavas-me a cuidar dele, imperava a lei do mais forte e do mais velho. Eu bem o embalava, a ver se dormia, cerrava-lhe docemente as pálpebras, cantarolava, mas o que ele fazia era chorar; coitado, devia estar todo borrado, eu não sabia mudar-lhe as fraldas, uns trapos, só tinha sete anos de idade, passou maus bocados e fez-me a vida negra também. Quando ele tinha cerca de ano e meio ia-o matando! 

- Matando-o. Como?!

- Levei-o para a avenida das tílias, deixei-o sozinho e fui jogar a bola; quando me lembrei dele andava o pobre rapaz em cima do muro; corri como um louco, mas já não fui a tempo: caiu como um tordo. Pensei que se tinha matado, felizmente pouco se magoou.

- «À criança e ao borracho pões-lhes Deus a mão por baixo», lá reza o ditado.

- E a fome negra que passámos nessa altura!

- É verdade; chegávamos da escola a casa para comer e nada! Uma ocasião demos com umas bolachas na despensa, mas a maldita estava fechada à chave. Tu, como tinhas uns braços magrinhos, e o móvel de pinho já estava mais carcomido e esburacado do que a carcaça de um boi selvagem depois de longamente devorado pelos chacais, ainda conseguiste apanhar uma ou duas; porém, não muito tempo depois, deu-se o bom e o bonito quando a tua irmã chegou a casa. Acusou-nos de lhe andarmos a roubar as bolachas que eram do filho, que não podia confiar mais em nós, o demo!     

- Ainda estiveram lá em casa cerca de dois anos. As encrencas que ela arranjou por causa das nossas galinhas. Tinha saído recentemente uma lei a proibir as galinhas e porcos de andarem na rua, mas a tua mãe não a quis acatar. Resultado: foram as duas, mãe e filha, chamadas ao posto da GNR, estiveram quase a entrar na prisão, até um tenente do posto de Valença veio aqui à pressa para resolver o assunto! Depois ela partiu para Lisboa com o filho, pobre criança, foi um grande alívio para nós, eu fiquei mais livre, com menos responsabilidades. 

- Por pouco tempo, pelos vistos.

- É verdade. Logo a seguir a mamã amigava-se com o facínora do feiticeiro. Foi um passo muito mal dado; fez-nos sofrer imenso. Tu, mesmo assim, não estiveste muito tempo com ele, mas eu…

- Eu pus-me a andar. São tempos para esquecer.

- Não posso. São momentos que se gravam para sempre na nossa memória, só a morte ou a loucura os apagará.

- Tens uma tendência para dramatizar tudo.

- Eu? És insensível; sais, como diz a mamã, ao teu pai. Sabes que me passou pela cabeça matá-lo? Era um padrasto cruel. Com as suas bruxarias assustava-me imenso. A tua mãe estava quase sempre com a pinga, aquela casa passou a ser a casa do horror, do espiritismo, da feitiçaria, eu ia dando em doido. À noite tinha pesadelos, tudo me assustava. Quando fiz a 4.ª classe da instrução primária ia vestido com um fato de macaco e nos pés levava umas alpercatas galegas. Parecia uma miniatura de homem, um aprendiz de mecânico. Os miúdos riram-se de mim, o meu professor ficou pensativo. E eu, impotente, nada podia fazer contra a adversidade. Fugir. Restava-me fugir. E fugi, mas para dentro de mim próprio!

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

SONETOS DO SOL E DA LUA
 
Por Joaquim A. Rocha

 





ARNALDO DE MATOS

 

Morreu o Doutor Arnaldo de Matos,

Numa manhã fria de fevereiro,

Despedindo-se do mundo inteiro,

De leões, lobos, e até de ratos!

 
Gastou, no percurso, botas, sapatos,
 
Viu seus leprosos bolsos sem dinheiro;
       Sem crédito pra comer no taberneiro,

Engolindo sapos, cobras, malatos.


 Lutou pelo vero socialismo,
 
Uniu-se a camponeses, operários;

Dormiu em horríveis colchões de palha...

 
              Sonhou o fim do imperialismo,
               Esse vil universo de falsários,
          Onde só vinga a força da canalha!  





  












quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha





MACRÓBIOS




BARROS, Belmira. Filha de António Maria de Barros, soldado da Guarda-Fiscal, natural da freguesia de Oliveira, concelho dos Arcos de Valdevez, e de Aurélia Augusta Gomes, lavradeira, natural de Prado, Melgaço, onde moravam, no lugar de Santo Amaro. Neta paterna de Antónia Josefa de Barros, solteira; neta materna de António Joaquim Gomes e de Manuela Paula Posse. Nasceu na freguesia de Prado a 26/9/1899 e foi batizada na igreja a 3 de Outubro desse dito ano. Padrinhos: José Joaquim Gomes, solteiro, natural de Prado, morador na vila de Melgaço, e Maria Carolina Fernandes, viúva, da vila de Melgaço. // Faleceu em São Paio de Melgaço a 26/12/1994, com 95 anos de idade. 

 

CALHEIROS, Bonança Delfina. Filha de Lourenço José Gomes Calheiros, do lugar de Bouços, e de Carolina Rosa Pinheiro, do lugar de Ferreiros, onde residiam. Neta paterna de José Manuel Gomes Calheiros e de Delfina Fernandes; neta materna de Luís Manuel Pinheiro e de Maria Vitória Marques. Nasceu na freguesia de Prado a 8/4/1897 e foi batizada na igreja a 14 desse mês e ano. Padrinhos: os seus avós paternos. // Casou na Conservatória do Registo Civil de Melgaço a 9 ou 14 de Dezembro de 1925 com Manuel José Gomes de Sousa, de 23 anos de idade, seu conterrâneo, cabo da Armada Portuguesa, filho de António Augusto Gomes de Sousa e de Maria de Jesus Vaz. // Enviuvou a 4/11/1989. // Ela faleceu na sua freguesia de nascimento a 20 de Junho de 1990, com 93 anos de idade.

 

CALHEIROS, Maria Vitória. Filha de Lourenço José Gomes Calheiros, do lugar de Bouços, e de Carolina Rosa Pinheiro, do lugar de Ferreiros, onde residiam. Neta paterna de José Manuel Calheiros e de Delfina Fernandes; neta materna de Luís Manuel Pinheiro e de Maria Vitória Marques. Nasceu em Prado a 29/1/1900 e foi batizada na igreja a 6 de Março desse mesmo ano. Padrinhos: a sua avó materna e Manuel Joaquim Pinheiro, solteiro, tio materno da neófita. // Casou na CRCM a 8/8/1929 com Manuel José de Caldas, de 24 anos de idade, filho de Abel Maria Caldas e de Rosa Teresa Vaz. // Ficou viúva no dia 13/11/1984. // Faleceu em São Paio de Melgaço a 7/1/1992, com 91 anos de idade.


terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha
 
 
antiga Casa das Almeidinhas (vila de Melgaço)
 
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CASA DO POVO
 

(I) – No livro «Padre Júlio Vaz apresenta Mário», página 217, lê-se: «Em 17/12/1905, na Praça da República, então do Comércio, abriu ao público o estabelecimento comercial “A Pérola do Minho”, de Armindo de Lourdes Lourenço, que depois se chamou “Casa do Povo”. Este estabelecimento ficava naquele prédio que hoje pertence a Hilário Alves Gonçalves. Já agora acrescentarei que no século passado esteve ali instalada por muitos anos a “Casa do Rainho”, estabelecimento que aí por 1892 foi trespassado a Feliciano de Azevedo Barroso, proprietário da “Loja Nova do Cantinho”, ao pé da Matriz, ali onde hoje se acha a loja do “Careca”.  


     (II) – Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 335, de 13/12/1936: «As Casas do Povo (…) ocupam um lugar primacial na vida rural, tamanha é a sua esfera de acção e tão longe essas Instituições podem levar aos trabalhadores rurais a influência do seu benefício. Representam elas o primeiro passo para uma assistência material, moral e cultural, às populações rurais, sempre tão esquecidas, embora dignas – como nenhumas outras – de protecção, amparo e infatigável solicitude. / Só quem está em contacto com a gente do campo pode ver e sentir a sua miserável condição social. / Não basta apenas a assistência de momento, que as classes mais abastadas lhes prestam nas horas mais graves e mais agudas da sua miséria, é necessário que através das Casas do Povo se possa tornar efectiva e obrigatória a previdência social, para que ela possa abranger todos os trabalhadores rurais. / O objectivo das Casas do Povo, segundo o decreto-lei de 23/9/1933, tem por fins: - Em matéria de previdência e assistência – obras tendentes a assegurar aos sócios protecção e auxílio nos casos de doença, desemprego, inabilidade e velhice. – Em matéria de instrução – ensino aos adultos, às crianças, desportos, diversões e cinema educativo. / Sobre progressos locais – cooperação nas obras de utilidade comum, comunicações, águas, higiene pública. / Não podem tratar de actividade política e social contrária aos interesses da nação, mas podem promover a organização de sociedades cooperativas de produção e consumo… / Os fins de previdência podem ser realizados pela criação de mutualidades, para fins de assistência. / Entram na esfera de acção das Casas do Povo os dispensários, lactários-creche, e asilos para velhos e crianças. / Quanto a fins de instrução, temos a criação de pequenas bibliotecas, escolas ou postos de ensino, tendo em vista o aperfeiçoamento profissional e uma educação que permita a obtenção dum nível social mais elevado. / Para se obter os benefícios que as Casas do Povo podem oferecer aos trabalhadores rurais basta apenas que os mesmos se inscrevam e paguem a módica quantia de 1$00. / Os proprietários rurais são sócios protectores natos, com a quota mínima de 5$00. O próprio Estado, desde que as mesmas preencham certas condições, pode dotá-las com 5.000$00… (Do jornal “A Terra”).» // Em 1938 surge no Notícias de Melgaço um artigo do capitão Luís de Carvalho a debruçar-se sobre o assunto, dizendo que era muito importante a existência de uma Casa do Povo no concelho (ver NM 406, de 24/7/1938). // Em Melgaço nunca existiu, que eu saiba, antes de 25/4/1974. // Em 1963 devia estar prometida uma aos castrejos, pois Manuel Domingues, no Notícias de Melgaço n.º 1470, de 8/5/1963, pergunta: «senhores responsáveis, onde está a nossa Casa do Povo?» // O terreno para a construção desta obra (cerca de 3.000 m2), na sede do concelho, foi adquirido em 1988. O projeto previa «salas de aula para o ensino primário, secretaria para funcionamento da Casa do Povo e Centro Regional de Segurança Social, sala de convívio, bar, biblioteca e sala de reuniões.» Os responsáveis por estas Casas são os C.R.S.S. // Num anúncio, surgido em A Voz de Melgaço n.º 1006, de 1/5/1994, do Laboratório Dentário de Melgaço, diz-se que este laboratório está instalado «Na antiga Casa do Povo – Loja Nova.» // A Casa do Povo mudara para os lados do Centro de Saúde. Os vereadores do PSD perguntavam em 2000: «Saberá a população… que existe um edifício com este nome? É um imóvel novo, onde foram gastos alguns milhares de contos… Que serviço presta à população do concelho? Por quem será gerida?..» (VM 1144, de 1/9/2000). // Em 2006 tinha um núcleo de andebol: «... vem desenvolvendo uma actividade continuada de grande mérito, competindo em diversos escalões e (…) dando oportunidade a cerca de 50 jovens de praticarem a modalidade de que gostam» (Melgaço Hoje n.º 22, II série, de Setembro de 2006). 

 

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CASA RAIO DE SOL

 

     É tutelada pelo Centro Paroquial e Social de Chaviães, com o apoio da Segurança Social. Funciona na antiga Casa dos Magistrados, sita na vila. Tem capacidade para onze crianças/jovens do distrito. Em 2008 acolheu os primeiros utentes (Revista Municipal n.º 46, de Dez./2008). 

 

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CASA DO REGO

 

    Sita na freguesia de Alvaredo. No século XIX pertencia a António José de Sousa Lobato e a sua esposa, Ana Joaquina da Rocha. Foram pais de Aires João de Sousa Lobato, casado com Florinda Gonçalves (ver, em Penso, a sua descendência).

 

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CASA DO REGUENGO

 

Sita na freguesia de Paderne. // No século XVI a Quinta pertencia a Fernando de Castro, alcaide-mor de Melgaço, casado com Ana Meneses, que a vendeu – através de um seu representante em Lisboa – a 24/3/1606, por um milhão e cinquenta mil réis, a Inácio Velho de Araújo, mercador, com fortuna angariada em negócios vários, sobretudo na Índia. Este Inácio veio viver para esta Quinta, chegando a ter algum prestígio, graças ao seu dinheiro, pois foi provedor da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço. Como não tinha herdeiros, deixou esses bens à dita Santa Casa. // Não tardou a ser vendida de novo: o capitão Agostinho Soares de Castro Vasconcelos, detentor do hábito de Cristo, provedor da SCMM em 1673 e 1685, filho do capitão Miguel Castro Soares e de Madalena Felgueiras, e neto paterno do abade Tristão de Castro, comprou-a, a 29/9/1675, à Misericórdia de Melgaço, por 520 mil réis e um foro de oito lampreias, e depois mandou construir ali o seu belo solar, que ainda hoje nos encanta. // Em 1759 residia ali Agostinho Soares de Castro e esposa, Benta Antónia da Silva Sotomaior. // Também pertenceu a José de Sá Sotomaior, antigo presidente da Câmara Municipal, o qual, a 14/2/1868, no estado de solteiro, foi padrinho de Guilhermina Martins, nascida em Paderne dois dias antes. // Nessa Quinta produz-se alvarinho de qualidade. // O Solar nos últimos anos tem servido de Hotel (quatro estrelas).     


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CASA DOS RETALHOS

      Abriu ao público na Rua Direita, Vila de Melgaço, em 1968, frente ao Solar do Alvarinho. Era sua proprietária Maria de Lurdes Ferreira Cardoso, casada com António Domingues (Batista). Negociava em retalhos de tecido (vendidos a peso) bem como louças e plásticos, tudo a preços baixos.



sábado, 16 de fevereiro de 2019

MELGAÇO: Padres, Monges e Frades
 
Por Joaquim A. Rocha




     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 859, de 30/5/1948, página 2, escrito por A. Freixinho: «Os Beneditinos no Alto Minho. Vinte e um anos antes do concílio de Lugo, 569, havia nascido em Núrsia, ducado de Espoleto, Itália, um homem digno da gratidão dos séculos… homem que salvou os monumentos do génio e conservou perfeito o precioso clarão da ciência antiga. A Europa, já material, já intelectualmente falando, pode dizer-se filha dos beneditinos. A Inglaterra, a Frísia, e a própria Alemanha, devem a luz da sua fé à Ordem Beneditina. À Península Hispânica aportou uma caravana destes obreiros da vinha do Senhor, procurando o ermo solitário; e - depois de percorrerem várias terras pela Galiza -, chegaram a uma planície na encosta da serra de Pernidelo na antiga Melgaçus dos romanos. O próprio cronista da Ordem Beneditina não se atreve, apesar de todas as suas curiosas investigações, a dizer-nos o ano em que o monge beneditino sulcou a terra inculta da serra de Fiães pela primeira vez.

     Estes anacoretas do deserto traziam como vestuário um hábito branco de lã com um escapulário preto. A sua mobília consistia, além do hábito, em um lenço, uma agulha, uma faca, e um ponteiro com uma tábua para escrever. A sua cama constava de um enxergão com um lençol de lã, uma manta, e uma travesseira, onde dormiam vestidos para estarem mais lestos para o ofício. Levantavam-se às duas horas da manhã para o ofício, empregando o tempo de matinas e meditação, para trabalharem seguidamente das seis até às dez horas do dia. Enquanto trabalhavam, vestiam o escapulário por cima da túnica; acabado o trabalho, despiam o escapulário e vestiam o cucolo, ou capuz, com que cobriam a cabeça.

     Estes agricultores, uma vez chegados ao deserto de Fiães, coberto de espesso mato, e arvoredo silvestre, qual outro Monte Cassino, tomaram, juntamente com a prece e a cruz, o machado, a picareta, a pá e o camartelo; arroteando a terra virgem, onde edificavam a sua primeira capela, da invocação de São Cristóvão, conseguindo adorar pela primeira vez a Jesus-Hóstia no centro daquela selva, onde outrora os povos pré-históricos haviam sacrificado as suas vítimas a Endovélico, sua divindade predileta. O beneditino, agricultor e colonizador, transformou esta vasta selva em um verdadeiro Monte Cassino, onde o aroma fétido da giesta foi substituído pelo perfume do incenso, e aos pios sinistros das aves agoureiras, sucederam o som plangente do órgão e o canto melodioso do ofício de matinas, tornando este recanto solitário em refúgio predileto daqueles que no mundo sofriam atribulações. Ali iam (atraídos pela fama das virtudes destes seres que aspiravam à perfeição; se a tradição nos não engana os primeiros cristãos destas terras com muitas léguas de distância) assistir aos actos de culto católico, exercícios de piedade e instrução religiosa. É a eles que se deve a colonização de algumas freguesias que compunham o antigo concelho de Melgaço (*). Pode dizer-se que é ao monge beneditino que o nosso Alto Minho deve a luz da sua fé.

     O mar da vida nem sempre foi bonançoso e sorridente para este mosteiro. Sofreu as invasões dos povos bárbaros vindos lá do centro da Europa, da Escandinávia e da Germânia; sofreu as invasões dos sectários do Alcorão, comandados pelo califa de Córdova, que no ano 815 o arrasaram completamente; sofreu ainda a devastação de incêndio, onde os arquivos e documentos de tantos séculos se extinguiram na ação devastadora das cinzas. E, por último, veio o século XIX com as suas luzes de petróleo descarregar o último golpe sobre o vetusto mosteiro, levado a efeito pelos enciclopedistas liberais, que o puseram em hasta pública. Foi então que o mosteiro de Fiães, depois de ter resistido à ação corrosiva do tempo, ao inimigo estrangeiro sanguinário e implacável, sucumbiu placidamente aos golpes do indiferentismo e da descrença liberal, que o reduziram a uma simples matriz de freguesia, terminando assim este farol de luz, que durante tantos séculos havia iluminado os povos destas terras e saciado a fome a tantos famintos que de todas as partes afluíam a este mosteiro                

 

 
      /// (*) Acerca do antigo concelho de Melgaço, é necessário esclarecer o seguinte: quando o primeiro rei de Portugal, Afonso Henriques, deu foral a esta terra, em 1183, ou logo depois, o termo era apenas composto por oito freguesias: Chaviães, Cristóval, Paços, Prado, Remoães, Rouças, São Paio e Vila (SMP). // Fiães e Paderne eram coutos e pertenciam ao concelho de Valadares; Castro Laboreiro era concelho… Somente no século XIX, com os liberais no poder, é que - através de uma reforma administrativa profunda - o termo, ou concelho, de Melgaço, passou a ter mais dez freguesias: Alvaredo, Castro Laboreiro, Cousso, Cubalhão, Fiães, Gave, Lamas de Mouro, Paderne, Parada do Monte, e Penso.   
     Por vezes, os colaboradores dos jornais da terra esqueciam-se deste importante pormenor, escrevendo coisas horríveis. Ainda em nossos dias, alguns castrejos não aceitam a despromoção de Castro Laboreiro e a sua integração no concelho de Melgaço. Um deles disse: «nós não somos melgacenses, somos castrejos, embora Castro Laboreiro pertença desde há mais de cem anos ao concelho de Melgaço.»       
 

    
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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha





ZARAGATAS

 
 

     Ao longo dos séculos sempre foram surgindo zaragatas, zangas seguidas de porrada, ocasionadas algumas por razões de lana-caprina. As autoridades tentavam intervir, acalmar os ânimos, mas quantas vezes já era tarde, pois já havia uma cabeça rachada, uma perna partida, um osso do corpo fora do sítio. A violência em Portugal começou logo no século XII: o partido de Afonso Henriques luta contra o partido de sua mãe, D. Teresa. Quando Afonso se torna rei guerreia contra cristãos e mouros. Enfim, a história do nosso país é feita também de batalhas, de guerras civis, de revoluções. Todos os problemas se tentavam resolver através de uma simples disputa ou de uma guerra prolongada. Até parece que o diálogo, a compreensão, o civismo não fazem parte do nosso dia-a-dia. Os tribunais estão sempre cheios de processos cuja causa é a violência: seja doméstica ou de outra qualquer espécie. Eu devo ser dos poucos portugueses que até agora nunca entrou num tribunal ou em uma cadeia. No entanto, tive de participar, embora contrariado, na chamada guerra colonial. O governo de Salazar não quis negociar com os africanos que desejavam a autonomia, ou independência, das ex-colónias, e o resultado foi aquele que se viu: treze anos de guerra, morrendo, e ficando feridos milhares e milhares de jovens. Estes conflitos que seguem, comparados com as guerras, são de pequena monta, quase insignificantes, mas o meu objetivo é demonstrar que os portugueses em geral não são, ao contrário do que se afirma, cem por cento pacíficos. As rixas surgem aqui e ali, por dá cá aquela palha. O ser humano, quando é contrariado, enerva-se; a seguir vem a discussão, depois a briga. Devíamos tomar, por precaução, uns calmantes, a fim de se evitarem as questiúnculas, pelo menos as desnecessárias.     
 


 

    (1907) - Nos dias 24 e 25 de Agosto de 1907, e a fim de manter a ordem, esteve em Penso, na festa de São Bartolomeu, uma força de quinze praças, comandadas pelo alferes Machado, requisitada pela autoridade administrativa de Melgaço.

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(1912) - MONTEIRO, Dinis. Filho de -------- Monteiro e de -----------------------. Nasceu a --/--/18--. // A 12/8/1912 foi condenado em processo de polícia correcional, por ofensas corporais, a vinte dias de prisão e cinco dias de multa a 200 por dia (Correio de Melgaço n.º 11).


 

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(1912) - DOMINGUES, Casimiro. Filho de José Joaquim Domingues, lavrador, natural de Paderne, e de Maria Joana Fernandes, lavradeira, natural de Penso, moradores em Barreiros. Neto paterno de Manuel José Domingues e de Marcelina Fernandes; neto materno de António José Fernandes e de Maria Joaquina Gonçalves. Nasceu em Penso a 28/9/1885 e foi batizado nesse dia. Padrinhos: Francisco Luís Domingues e esposa, Maria Rosa Fernandes, rurais, de Felgueiras. // A 9/10/1912 agrediu com um varapau, na feira do gado, Eduardo de Barros, casado, natural de Paços, causando-lhe um ferimento na cabeça, tendo de ser tratado pelo médico Dr. Vitoriano de Castro; constava que Eduardo lhe vendera um touro e agora reclamava o seu pagamento; porém, o Casimiro recusava dar-lhe o dinheiro, dizendo que o touro escornava, por isso que o fosse buscar à sua corte, em Penso, o que o vendedor achava injusto pois tinha-lho vendido na feira. O agressor, para não ser preso, fugiu (ver Correio de Melgaço n.º 19, de 13/10/1912). // Casou na Conservatória do Registo Civil de Melgaço a 13/11/1916 com Constança Rodrigues Torres, de vinte e seis anos de idade, sua conterrânea, filha de Anastácio Rodrigues de Lima e de Maria José da Rocha. // Morreu na freguesia de Penso a 2/3/1948. // A sua viúva finou-se a 29/10/1965. // Pai de Alexandrina e de Maria, gémeas. 
 

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(1913) - RODRIGUES, Romão. // Era conhecido por “Cândido Rodrigues”, e morava no lugar da Nogueira, freguesia de Paderne. // Juntamente com José Fernandes, morador no lugar do Convento, na noite de uma terça-feira, bem avinhados, dirigiram-se a casa de Pedro da Nogueira à procura de um seu neto, com quem Romão tivera dias antes uma altercação; como não estivesse em casa, esperaram-no; quando chega, desatam à bordoada nele, tendo de gritar por socorro. Acodem os velhotes, que já estavam na cama, os quais também foram agredidos (Correio de Melgaço n.º 34, de 26/1/1913).