segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha



obra de José Rodrigues



VERÕES MELGACENSES

 

      Como nesta altura do ano a maioria das pessoas já se encontra de férias, não seria de bom-tom escrever sobre assuntos pesadões, indigestos. Por isso, vou apenas abordar factos avulsos.

1.º - A estátua da Inês Negra. Quando em Abril passado estive em Melgaço deparei com a “heroína” a dar tareia rija na Arrenegada. Falei para os meus botões: isso não se faz, pois já passaram tantos séculos e a Inês já devia ter perdoado à outra, mas não! Agora vai esmurrá-la durante milénios! Imitando os turistas americanos e japoneses, puxei da maquineta e toca a tirar fotos: de frente, de costas, de perfil. Nada escapou! Não sendo crítico de arte, embora a aprecie, só me resta comentar: a estátua não me parece ser uma obra-prima, mas não está mal feita, isso não. O seu criador, José Rodrigues, é o mesmo senhor da Bienal de Cerveira. Aguardemos pelas críticas fundamentadas dos entendidos na matéria.
 
 
obra de Manuel Igrejas
 
2.º - A Casa da Cultura. Finalmente foi inaugurada. Aconteceu no dia 10 de Junho, dia importante para o nosso país. Ainda não a visitei; espero bem que corresponda às expectativas criadas e que justifique plenamente as verbas que aí se investiram. Sugiro ao seu responsável que peça à Biblioteca Nacional microfilme de todos os jornais que se publicram em Melgaço desde 1887. Sugiro também que microfilmem o foral de D. Manuel I, a fim dos estudiosos terem a ele acesso. Esta Casa pode e deve ter um papel importante na cultura local: exibindo filmes de qualidade, peças de teatro, exposições de arte, etc.; realizando conferências e promovendo debates sobre temas de interesse regional. Quanto à Biblioteca, ela deverá apoiar os estudantes e proporcionar bons momentos de leitura a todos aqueles que gostam de ler. Para isso é necessário comprar muitos e bons livros.  

3.º - Água canalizada. Faço votos para que a água não falte em casa dos consumidores. Seria uma pena! Para beber não a queremos – temos de consumir o nosso vinho verde; mas para os banhos, para as lavagens de louças e roupas, ela é insubstituível. Disseram-me, para meu espanto, que as canalizações domésticas não estavam, nem estão, a maior parte delas, adaptadas, preparadas para receberem a água que é captada no rio Minho. E o que acontece? Os canos não suportam a pressão; estão velhos e cansados – terão de ser substituídos.

4.º - Comércio. Vem aí o mês de grande consumo em Melgaço. Não sei, acreditem, se depois de tanto marasmo, tanta monotonia e tanta hibernação, o comerciante está apto a alimentar tanta gente que de repente surge, vinda de todo o lado. É que os atletas, antes das grandes provas, treinam-se arduamente. O comerciante melgacense não pode treinar. De Janeiro a Julho é uma pasmaceira; de Setembro a Dezembro uma piedosa agonia. Agosto sim, aparecemos nós aos milhares, autênticas piranhas esfomeadas, que tudo devoram e nada deixam! Os residentes queixam-se: os preços sobem, os bens alimentares escasseiam. Acaba o sossego, os dias da sonolência terminam. Tenham paciência: é só um mês por ano. E mesmo assim têm sorte; os emigrantes jovens já não levam aqueles carrões enormes, que roncavam dia e noite. Não! Agora vêm de avião até à cidade do Porto e depois alugam um carrinho económico, de baixo consumo. Os tempos já não estão para grandes gastos. Senhores comerciantes: dêem um jeitinho nessas montras; alguém me segredou que vai haver um concurso relacionado com esse tema. A mais bonita terá um prémio. 

obra de Acácio Dias

5.º - Limpeza das ruas. Ai que saudades do Camilo! Apesar de só ter um braço, as ruas da vila andavam mais ou menos asseadas. Os varredores de agora são técnicos de limpeza. Este estatuto permite-lhes ganhar mais e serem menos atentos. O grande lixo, levam-no; o pequeno, deixam-no ficar! Desse modo, a perisca, o maço vazio de cigarros, a casca do tremoço e do amendoim, ficam eternamente na rua. São técnicos! - Donas de casa: não permitam que a vossa rua seja uma esterqueira.

6.º - Festas da Cultura. Como em anos anteriores? Não! Este ano vão ser diferentes: feira medieval, desfile de carros alegóricos, discursos, jogos florais, atividade desportiva, conjuntos musicais, nada disso vai haver. Tudo se vai passar dentro da Casa da Cultura: filmes, teatro, vídeos sobre a história antiga e moderna de Melgaço… Um pouco também de arqueologia e linguística (os falares de antanho na região do Alto Minho). A Universidade Aberta está a pensar colaborar. E por que não a Universidade do Minho? Sonhei? Aguardem!

7.º - Piscinas. No plural. Não sei se já este ano os emigrantes terão o privilégio de se banharem nas águas tépidas e desinfetadas das piscinas municipais. A oposição designa-as por «elefante branco». Conhecem a história desse famoso elefante? Depois conto. Será que a oposição não gosta de tomar banho em piscinas!? Se fosse eu não punha lá os pés: nunca se sabe como reage um elefante!  

8.º - Alvarinhos. Também no plural. Um conselho, meus amigos, e sem pagarem um tostão por ele: se quiserem beber esse néctar gratuitamente vão à sala do Cinema, ali para os lados da Calçada, no dia do concurso. Há ali de tudo: bons e maus alvarinhos. Quem for esperto, eu não fui, só bebe dos premiados. Atenção, porém: o senhor Miguel costuma pôr umas garrafas no frigorífico. Peçam-lhe desse – o vinho alvarinho quente não presta.  

 

Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1033, de 15/7/1995.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

QUADRAS AO DEUS DARÁ

        Por Joaquim A. Rocha






                                            Uma canção para Zeca Afonso

 
«Vão-se anéis, fiquem os dedos»,
                          Já diziam meus avós;
                   Mas não se vendem os medos,
                       Que vivem dentro de nós.



«Vão-se anéis, fiquem os dedos»,
                             Gritava o gabiru;
                       Eram apenas brinquedos
                             Escondidos no baú.  


  «Vão-se anéis, fiquem os dedos»,
                           Como diria Miró;
                  Mas não se compram segredos
                           Pisados na velha mó.


                  «Vão-se anéis, fiquem os dedos»,
                              Dizia o poeta pobre;
                          E com mil sorrisos ledos
                       Mostrava os anéis de cobre.











quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

LEMBRANÇAS AMARGAS
romance
 
Por Joaquim A. Rocha





XXI

O homem não nasceu para o trabalho; foi a preguiça que o inventou para ele!
 

     Recuemos vários anos no tempo. No mundo rural os rapazes e raparigas seriam forçosamente camponeses; nas Vilas os jovens sem recursos, ou mesmo remediados, teriam de aprender uma arte – sapateiro, alfaiate, barbeiro, etc., ou arranjar emprego ao balcão da mercearia ou de outro qualquer estabelecimento comercial. Eu teria gostado de ser alfaiate, mas essa profissão era monopólio de duas ou três famílias – os mestres alfaiates só ensinavam os seus parentes próximos. Daí terem-me encaminhado para a profissão de sapateiro, que por ser pouco asseada ficava reservada aos mais humildes. Se querem ouvir a conversa, ouçam:

- Mamã, não há quase fazenda nenhuma, nem dinheiro para pagar à fornecedora, o que vamos fazer?

- Vais aprender um mester, acabou-se o negócio, a fornecedora de Braga que leve o que ainda resta, sobraram uns aventais e meia dúzia de lençóis, para a prisão não me leva, vamos lá ver se aquelas a quem vendi fiado me pagam, coitadas, o São Miguel este ano não foi grande coisa, o milho foi uma desgraça, não se aproveitou nem a metade, a chuva veio antes da época própria, se calhar não vai haver vinho, um ano ruim meu filho, um ano para esquecer.

- E nós é que pagamos as favas; se não tinham dinheiro por que é que compraram?!

- Que queres! Nunca soube dizer não; tenho pena dessa gente, são todos bons para mim, não me fazem mais porque não podem.

- Nós não podemos viver disso, precisamos de dinheiro para pagar a quem nos vende as mercadorias; vai ser uma vergonha, eu nem quero estar presente quando vier a senhora Angelina receber, até fujo.    

- Digo-lhe para não trazer mais nada, depois pago-lhe quando puder, que tenha paciência, os negócios não correram bem.

- Por sua culpa, eu bem a avisei, mas não, fiava, fiava, depois malga aqui, malga acolá, às tantas nem se sabe a quem vendemos.

- Tens tudo apontado.

- Tenho, tenho; mas muitas dizem que não devem nada, que já lhe pagaram, se não foi com dinheiro foi com géneros, nós é que não riscamos!

- Se calhar têm razão, esqueço-me muito. Vais para alfaiate, falo com o filho da senhora Carmezinda, leva-te para lá, eu cá me arranjo; a cozinhar nos pequenos restaurantes, nos casamentos, pelas aldeias, à fome é que não morremos. Olha que os teus irmãos nem um tostão mandam!

- Coitados, o mais certo é também não terem para eles, na cidade deve gastar-se tudo que se ganha, mercam tudo, até dizem que se compra a salsa! Nós aqui temos couves, batatas, cebolas, quase tudo, e a hortaliça até no-la dão.

- A mim dão-me muita coisa; é certo que também lhes trabalho de graça, faço as vindimas, as desfolhadas, cozinho, ajudo em tudo, até a lavar os defuntos, não fazem demais dar-me o que me dão.  

- Dizem que o filho da senhora Carmezinda nunca está na alfaiataria, é porque não precisa, se precisasse que remédio se não vergar a mola, anda ele e o filho do senhor Fernandes a vagabundear, na borga até às cinco e seis da manhã, não perdem um serão nem um baile, não sei se irei aprender alguma coisa com ele.

- Experimentas; se não der resultado vais para outro lado, eu ainda hoje vou falar com a mãe dele, se ela quiser fico a cozinhar na taberna dela nos dias de feira, que ela tem muitos fregueses do monte.

*

- Na segunda-feira já podes ir para a alfaiataria do Guilherme, tens é que passar pela taberna da mãe para ela te dar a chave; ele levanta-se sempre tarde, parece que se deita todos os dias quase de madrugada! Um verdadeiro estroina!

- Mas se ele não está na oficina o que é que eu vou lá fazer, quem me ensina?

- Ele aparece, mas não passa lá muito tempo, segundo me disse a mãe; tu experimentas, se vires que não aprendes peço para ires para outro patrão.

- Está bem; na segunda-feira lá estarei, mas tenho a impressão que aquilo não vai dar certo.

*

- Eu não lhe dizia? O senhor Guilherme nem lá pôs os pés; esperei, esperei, ali feito parvo e ele sem aparecer, as pessoas que moram ali perto até se riram de mim, disseram-me que é raro verem-no, por outro lado nem sequer lhe entregam trabalho, nunca dá conta dele, e consta até que não é grande alfaiate, tem uma fama terrível.

- Então vais para sapateiro; vou pedir ao Hilário, ele aceita-te, ainda é da família, um tio dele foi casado com a minha falecida irmã Marília, esse é trabalhador, e serviço não lhe falta, não podes é esperar que te dê alguma coisa, é um forreta, um unhas-de-fome.

- Preferia a arte de alfaiate, é mais asseada, mas os mestres não aceitam aprendizes, só se forem filhos ou sobrinhos, são todos da mesma família, paciência.

- A profissão de sapateiro também é boa, não se apanha sol nem chuva, é da maneira que começas a andar calçado com sapatos, esses tamancos estão a dar-te cabo dos pés e descalço já não podes andar, já estás a ficar crescidinho, tens doze anos de idade, e agora também saiu para aí uma lei a proibir a gente a andar descalça! Mas olha que calçado não nos o dão eles, canté!

- Eu até não me importava de andar descalço, só que os dedos dos pés andam sempre esmurrados, uma lástima…

- Por causa do jogo da bola! Sabes o que podes fazer para ganhar algum dinheirinho?

- O quê?

- Podes ir engraxar sapatos para o terreiro nos dias de feira e domingos de manhã, sempre ajudava.

- Acho boa ideia; vou arranjar uma caixinha e escovas; compro a pomada e tinta na loja do senhor Landeiro. 

domingo, 18 de fevereiro de 2018

AS ANEDOTAS DO TI JAQUIM
 
Por Joaquim A. Rocha



desenho de Manuel Igrejas


     Há dias encontrei na Avenida da Liberdade, cidade de Braga, alguns estudantes universitários, da Universidade do Minho. Nas suas roupas estava escrito: «Literatuna». Isto é, eram estudantes de Literatura e pertenciam à Tuna Académica. Tinham violas e guitarras, e cantavam canções suas e de cantores famosos. Estendiam uma capa no chão para as pessoas que os escutavam lhes darem dinheiro. No intervalo das canções perguntei-lhes: - Como vão aplicar o dinheiro que esta gente vos oferece? Um deles, mais desinibido, responde: - Esse dinheiro vai ser gasto nos passeios. Eu, com cara de anjinho, exclamo: - Ainda bem; estão a ficar todos estragados, precisam urgentemente de uma intervenção.     
*

     O senhor António era um brincalhão. Tinha uma empresa de cargas e descargas. Um dia vira-se para o empregado, mostrando-lhe um caixote, e pergunta-lhe:

- Será que consegues?!

- O moço, para agradar ao patrão, mesmo ignorando o peso do caixote, responde:

- Consigo!

- O proprietário da empresa insiste:

- Achas mesmo que consegues?

- Já lhe disse patrão: consigo.

- Então, experimenta.

    O pobre do rapaz, armado em Sansão ou Hércules, tentou colocar o caixote às costas, mas nem sequer conseguiu mexê-lo. O patrão, depois de rir às gargalhadas, diz-lhe:

- Desculpa, isto foi uma brincadeira; o caixote está cheio de chumbo, nem um elefante o conseguiria mover. 






terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

GENTES DE MELGAÇO
(micro biografias)

 Por Joaquim A. Rocha



desenho de Luís Filipe G. Pinto Rodrigues


TORRES, Miguel (Padre). Filho de António Joaquim Codesso Rodrigues Torres e de Joana Maria Gonçalves [da Ribeira]. Neto paterno de Diogo Rodrigues Torres e de Maria Rosa [Rodrigues] Fernandes Codesso; neto materno de Manuel Gonçalves [da Ribeira] e de Maria Gonçalves, todos lavradores e pequenos proprietários. Nasceu em Sante, lugar meeiro de São Paio e Paderne, a 3/1/1818. // Foi pároco de Cubalhão e abade colado em Rouças desde 1868. // Não sei por que cargas-de-água foi armado «cavaleiro da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo». // Morreu em Sante a 1/4/1899, apenas com o sacramento da extrema-unção, e com testamento; o seu corpo foi sepultado no adro da igreja de São Paio. O “Jornal de Melgaço” deu a notícia: «… sucumbiu no domingo de Páscoa, na sua casa de Sante, São Paio, o reverendo Miguel Rodrigues Torres (…) Era possuidor de avultados meios de fortuna, mas (…) a “senhora do bolo” foi uma “governante” que tinha em casa há muitos anos, quando é certo que tem uma infinidade de sobrinhos, aos quais deixou a “fabulosa” quantia de 50$000 réis a cada um! Era o padre mais rico deste concelho, mas, apesar disso, achava-se subsidiado pela Bula!» // Os do jornal não quiseram entender uma coisa: o padre deixou uma filha, Maria Joaquina, gerada em Maria Rosa Domingues Carvalho, a dita “governante”, natural da freguesia de Cubalhão, daí ter-lhe deixado os seus bens. // Nuns apontamentos que o “Mário de Prado” deixou, lê-se: {diz-se que para lhe mudarem a burra das libras eram precisos dois homens de pulso rijo; isto além das muitas propriedades rústicas de que era dono e senhor! Tudo foi, porém, desbaratado em pouco tempo pela sua amante e herdeira, e a filha desta e do padre, o que prova bem o rifão espanhol «los dineros del sacristan cantando se vienen, cantando se van»}.      

                                                                      * 


CARVALHO, Maria Rosa. Filha de José Domingues de Carvalho e de Florinda Domingues, lavradores, naturais da freguesia de Cubalhão. // Nasceu em Cubalhão por volta de 1846. // Foi governanta do padre Miguel Rodrigues Torres, natural de São Paio, abade de Rouças. // Em 1908 tinha à venda todos os seus bens, pela melhor oferta (Jornal de Melgaço n.º 727, de 26/3). // Faleceu na sua casa de morada, sita no lugar de Sante, a 10/10/1908, com todos os sacramentos, com 62 anos de idade, no estado de solteira, proprietária, sem testamento, com geração, e foi sepultada no cemitério de São Paio de Melgaço. // A sua filha, Maria Joaquina, gerada pelo dito padre Miguel Rodrigues Torres, casou com Manuel Marques, natural da freguesia de Fiães; tiveram pelo menos um filho, Júlio Maximiano Marques, nascido na freguesia de São Paio a 20/1/1901. 


domingo, 11 de fevereiro de 2018

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha






Roubos


- Assaltaram a casa de Francisco de Jesus Vaz, oficial de diligências. Foram presos Amadeu e Abílio. Fernando era também um dos indigitados autores do roubo; estava em manobras militares, ficando sob prisão. A cúmplice que os denunciou ficou detida num dos quartos térreos do hospital. A venda das joias roubadas era feita na tenda do ourives Manuel Simões Maia, de Monção, que vinha fazer as feiras quinzenais (Correio de Melgaço n.º 67, de 21/9/1913). No número seguinte do jornal, escreveu-se: «Está finalmente descoberto o roubo praticado em casa de Francisco de Jesus Vaz. A glória dessa descoberta cabe ao senhor Rodrigo Augusto dos Santos, chefe da polícia cívica de Viana, que aqui tem estado com os polícias civis da mesma cidade, n.º 12, Manuel Ferreira da Fonte, e n.º 9, António Martins de Amaro, em serviço de investigação. O Sr. Santos, que tem sido coadjuvado nestes serviços pelo secretário da administração do concelho, Maker Luís Teixeira Pinto, é duma solicitude e perspicácia pouco vulgares e incansável no desempenho dos seus deveres profissionais. A Laurinda confessara, no dia 14, que o roubo tinha sido praticado por duas vezes, sendo a 1.ª pelo Amadeu e Fernando, e a 2.ª vez por ela e pelo Amadeu, tendo ela vendido algumas libras e as joias a Angelina Rodrigues de Carvalho, esposa do ourives Maia, de Monção. Depois dessa confissão foram presos Amadeu e seu irmão Abílio, há dias posto em liberdade por nada se apurar contra ele. Fernando foi preso em Valença por ocasião das manobras, onde estava encorporado no batalhão de infantaria 3, vindo para esta Vila acompanhado do polícia número 9, aqui em serviço. Interrogado, confessou que em a noite de 5/8/1913, estando a jogar o 31, na taberna da Lúcia Fernandes, ali o procurou Amadeu, com quem saiu pouco depois. Este, na rua, convidou-o a irem roubar o Chico, nome por que é conhecido o Francisco Vaz, indo ambos pelo quintal da casa do Vaz e encostando uma escada a uma das janelas, entraram no prédio, roubando de uma cómoda, que estroncaram, o seguinte: dezoito libras, duas correntes, sendo uma double, um par de argolas, um medalhão e dois anéis, tudo de ouro, tendo o produto do roubo sido repartido entre os dois. Declarou que vendera a um contratador de gado quatro libras e que tinha escondido dentro de uma caixa de folha-de-flandres, numa parede do antigo jardim do Sr. Durães, os restantes objectos. Em vista desta confissão, no dia 25, pelas 24 horas, a polícia acompanhou-o ao local indicado, sendo encontrado, metida na parede, uma caixa que continha: uma corrente, metade de outra, um medalhão, um relógio de senhora, quatro libras e um pinto, de prata dourada. Esteve também detido para averiguações José Alves, sendo posto em liberdade por nada se apurar que o comprometesse. A esposa do ourives Maia – depois de ter estado alguns dias detida e incomunicável, no edifício do hospital, foi anteontem posta em liberdade, mediante a fiança de 1.000$00. Serviu de fiador José Maria Moreira, e de testemunhas abonatórias Aurélio Araújo Azevedo e António Luís Fernandes. Aos autores do roubo arbitraram-lhes a fiança de 5.000$00 a cada um» (Correio de Melgaço n.º 68, de 28/9/1913). «Ainda o roubo: foram entregues às autoridades judiciais os autores do importante roubo de joias e libras esterlinas praticado nas noites de 5 e 16/8/1913 em casa de Francisco de Jesus Vaz, como pormenorizadamente se relatou. Conservam-se presos na cadeia desta Vila, que tem estado vigiada de noite por patrulhas de cabos de polícia. – O Manuel Gonçalves Pereira, que durante oito dias esteve incomunicável, foi posto em liberdade no dia 29/9/1913, por nada se ter apurado que o comprometesse. – Também estiveram detidos para averiguações José Eugénio Pereira, José Augusto de Sousa, Vitorino Joaquim Domingues Salgado e Engrácia da Glória Dias, sendo todos postos em liberdade por nada se apurar contra eles. Em vista deste resultado, e por terem sido chamados à sua repartição, regressaram a Viana o chefe da polícia senhor Santos e os polícias 9 e 12» (Correio de Melgaço n.º 69, de 5/10/1913). // Em audiência de júri responderam a 30/1/1914 os autores do roubo praticado em Agosto de 1913 em casa de Francisco de Jesus Vaz. O Amadeu foi condenado em dois anos de prisão correcional e seis meses de multa a $10 por dia; a Laurinda a vinte e dois meses de prisão e cinco meses de multa a $10 por dia; e o Fernando a dezoito meses de prisão e três meses de multa a $10 por dia. Todos foram condenados nas custas e selos do processo, levando-lhe em conta o tempo de prisão já sofrido. O defensor oficioso dos réus foi o Dr. António Francisco de Sousa Araújo (Correio de Melgaço n.º 85, de 1/2/1914).

 

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO

                                                                Por Joaquim A. Rocha
 
 
 
 
 
 
 
Macróbios
 
 
 
     Ser macróbio significa que é muito idoso, ou no caso de já ter falecido que viveu muitos anos. Assim se designava uma tribo da Etiópia, cujos membros atingiam uma longevidade considerável. No concelho de Melgaço, a maior parte da população quando morre já ultrapassou os oitenta anos de idade. 
 
ROCHA, Mariana. Filha de Domingos José da Rocha, lavrador, natural de Penso, e de Maria Luísa Meleiro, lavradeira, natural de Paços, moradores no lugar de Telhada Pequena. Neta paterna de José da Rocha e de Rosa Esteves; neta materna de José Meleiro e de Mariana Esteves. Nasceu em Penso a 16 de Novembro de 1906 e foi batizada na igreja católica a 18 desse mês e ano. Padrinhos: Daniel Meleiro e Ana Meleiro, solteiros, camponeses, tios maternos da neófita. // Casou na igreja de Penso a 11 de Novembro de 1941 com o seu conterrâneo Gualdino de Sousa e Castro. // Enviuvou a 7/8/2002. // Faleceu na freguesia de Linda-a-Velha, Oeiras, a 3 de Junho de 2005, com 98 anos de idade, e foi sepultada no cemitério de Penso, ao lado de seu marido. // Mãe da Dr.ª Maria da Conceição de Castro e da Dr.ª Maria Ernestina de Castro, residentes em Lisboa.  
 *
ROCHA, Virgínia. Filha de Francisco Joaquim da Rocha e de Rosa Pires, lavradores, residentes no lugar das Mós. Neta paterna de José da Rocha e de Rosa Esteves; neta materna de Luís Manuel Pires e de Maria José Rodrigues. Nasceu em Penso a 30/12/1903 e foi batizada na igreja católica a 1/1/1904. Padrinhos: Manuel Joaquim Pires, solteiro, tio materno da neófita, e Rosa Esteves, viúva, avó paterna. // Casou na Conservatória do Registo Civil de Melgaço a 15/8/1934 com o seu conterrâneo Amâncio Pereira. // Enviuvou a 27/5/1984. // Faleceu na sua freguesia de nascimento a 12/2/1994, com 90 anos de idade, e foi sepultada no cemitério local. // Deixou uma filha, um filho, genro, nora, netos…
 
 
 
 

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

OS NOVOS LUSÍADAS
(tentativa de continuação de Os Lusíadas de Camões)

Por Joaquim A. Rocha 







21
 
Tinha na minha mente castigar

Os sanguessugas desta linda pátria,

Os vis parasitas, sempre a louvar,

A comer à lauta da teta mátria.

Mas as pernas dobram, falta o ar,

A longa energia foi prà via láctea.

 Porém farei das tripas coração,

Para que não criem falsa ilusão.

22

Esquece, velho e digno Camões,

As nereidas e as lindas ninfas do Tejo.

Os grandes feitos, as vãs ilusões,

Que tudo isso eu hoje já não vejo.

Dos céus mandam-nos enormes tufões

  Pragas de mosquito e percevejo.

E pra que eu possa cantar o país

Devo arrancar o mal pela raiz.

23

Os rios estão sujos, poluídos,

Os mares já não tem a azul cor;

Os belos bosques foram destruídos,

As florestas choram, de medo e dor.

Os animais fogem esbaforidos,

Os humanos não amam Zeus nem Thor.

Já ninguém aqui tem amor à vida,

Pois sentem que a pátria está perdida.

24

A besta fez do Estado a coutada,

Onde caça a pomba e a perdiz;

O incauto é sua presa amada,

E este povo, inerte, nada diz.

Tudo e todos são alvos da cilada,

Ninguém escapa às armas subtis.

E tu Camões, que esta terra cantaste,

O teu saber e arte em vão gastaste.

25

Porém, nem tudo estará perdido,

No ar restam sementes de esperança;

Algum povo não se deu por vencido,

E luta por justiça e bonança;

Tendo por si a seta de Cupido,

A inocência de Sancho Pança.

De Vénus há de vir ajuda grande

E tudo mais que o coração mande.

26

Este planeta, único e belo,

Voltará um dia ao seu normal.

Cairá a muralha, o castelo,

O sacrário, o vil pedestal.

Thor trará de novo o seu martelo,

Acabará por fim com todo o mal.

E o povo, o eterno sacrificado,

Será dos deuses novamente amado.

sábado, 3 de fevereiro de 2018

SONETOS DO SOL E DA LUA
 
Por Joaquim A. Rocha







CRIMES DA BÍBLIA

 

Numa manhã de leve nevoeiro,

Caim, roído de ódio e inveja,

Leva ao campo, onde ninguém veja,

Abel, pastor, seu irmão verdadeiro.

 

Para Abel foi o dia derradeiro,

Não por tragar caroço de cereja,

Por beber muito vinho ou cerveja,

Ferido por granada de morteiro.

 

Caim, num ímpeto de raiva e ira,

Sem temer o castigo de Javé,

A vida de seu jovem irmão tira

 

Num gesto de maldade e má-fé.

  Lá ao longe ouvem-se sons de lira,

Eva chorando seu casto bebé.



 
 
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LIVROS DO AUTOR PARA VENDA
 
DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO, I                                  10 euros
DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO, II                                 10 euros
LINA, FILHA DE PÃ (romance)                                                                    10 euros
OS MEUS SONETOS (e os do frade)                                                             10 euros
OS NOVOS LUSÍADAS (tentativa de continuação de Os Lusíadas...)          12 euros
 
NOTA: Os pedidos devem ser feitos através do seguinte e-mail: joaquim.a.rocha@sapo.pt