ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
obra de José Rodrigues |
VERÕES MELGACENSES
1.º - A estátua da Inês Negra. Quando em
Abril passado estive em Melgaço deparei com a “heroína” a dar tareia rija na
Arrenegada. Falei para os meus botões: isso não se faz, pois já passaram tantos
séculos e a Inês já devia ter perdoado à outra, mas não! Agora vai esmurrá-la
durante milénios! Imitando os turistas americanos e japoneses, puxei da
maquineta e toca a tirar fotos: de frente, de costas, de perfil. Nada escapou!
Não sendo crítico de arte, embora a aprecie, só me resta comentar: a estátua
não me parece ser uma obra-prima, mas não está mal feita, isso não. O seu
criador, José Rodrigues, é o mesmo senhor da Bienal de Cerveira. Aguardemos
pelas críticas fundamentadas dos entendidos na matéria.
obra de Manuel Igrejas |
2.º - A Casa da Cultura. Finalmente foi
inaugurada. Aconteceu no dia 10 de Junho, dia importante para o nosso país.
Ainda não a visitei; espero bem que corresponda às expectativas criadas e que
justifique plenamente as verbas que aí se investiram. Sugiro ao seu responsável
que peça à Biblioteca Nacional microfilme de todos os jornais que se publicram
em Melgaço desde 1887. Sugiro também que microfilmem o foral de D. Manuel I, a
fim dos estudiosos terem a ele acesso. Esta Casa pode e deve ter um papel
importante na cultura local: exibindo filmes de qualidade, peças de teatro,
exposições de arte, etc.; realizando conferências e promovendo debates sobre
temas de interesse regional. Quanto à Biblioteca, ela deverá apoiar os estudantes
e proporcionar bons momentos de leitura a todos aqueles que gostam de ler. Para
isso é necessário comprar muitos e bons livros.
3.º - Água canalizada. Faço votos para que a
água não falte em casa dos consumidores. Seria uma pena! Para beber não a
queremos – temos de consumir o nosso vinho verde; mas para os banhos, para as
lavagens de louças e roupas, ela é insubstituível. Disseram-me, para meu
espanto, que as canalizações domésticas não estavam, nem estão, a maior parte
delas, adaptadas, preparadas para receberem a água que é captada no rio Minho.
E o que acontece? Os canos não suportam a pressão; estão velhos e cansados –
terão de ser substituídos.
4.º - Comércio. Vem aí o mês de grande
consumo em Melgaço. Não sei, acreditem, se depois de tanto marasmo, tanta
monotonia e tanta hibernação, o comerciante está apto a alimentar tanta gente
que de repente surge, vinda de todo o lado. É que os atletas, antes das grandes
provas, treinam-se arduamente. O comerciante melgacense não pode treinar. De
Janeiro a Julho é uma pasmaceira; de Setembro a Dezembro uma piedosa agonia.
Agosto sim, aparecemos nós aos milhares, autênticas piranhas esfomeadas, que
tudo devoram e nada deixam! Os residentes queixam-se: os preços sobem, os bens
alimentares escasseiam. Acaba o sossego, os dias da sonolência terminam. Tenham
paciência: é só um mês por ano. E mesmo assim têm sorte; os emigrantes jovens
já não levam aqueles carrões enormes, que roncavam dia e noite. Não! Agora vêm
de avião até à cidade do Porto e depois alugam um carrinho económico, de baixo
consumo. Os tempos já não estão para grandes gastos. Senhores comerciantes:
dêem um jeitinho nessas montras; alguém me segredou que vai haver um concurso
relacionado com esse tema. A mais bonita terá um prémio.
obra de Acácio Dias |
5.º - Limpeza das ruas. Ai que saudades do
Camilo! Apesar de só ter um braço, as ruas da vila andavam mais ou menos
asseadas. Os varredores de agora são técnicos de limpeza. Este estatuto
permite-lhes ganhar mais e serem menos atentos. O grande lixo, levam-no; o
pequeno, deixam-no ficar! Desse modo, a perisca, o maço vazio de cigarros, a
casca do tremoço e do amendoim, ficam eternamente na rua. São técnicos! - Donas
de casa: não permitam que a vossa rua seja uma esterqueira.
6.º - Festas da Cultura. Como em anos
anteriores? Não! Este ano vão ser diferentes: feira medieval, desfile de carros
alegóricos, discursos, jogos florais, atividade desportiva, conjuntos musicais,
nada disso vai haver. Tudo se vai passar dentro da Casa da Cultura: filmes,
teatro, vídeos sobre a história antiga e moderna de Melgaço… Um pouco também de
arqueologia e linguística (os falares de antanho na região do Alto Minho). A
Universidade Aberta está a pensar colaborar. E por que não a Universidade do
Minho? Sonhei? Aguardem!
7.º - Piscinas. No plural. Não sei se já este
ano os emigrantes terão o privilégio de se banharem nas águas tépidas e
desinfetadas das piscinas municipais. A oposição designa-as por «elefante branco». Conhecem a história
desse famoso elefante? Depois conto. Será que a oposição não gosta de tomar
banho em piscinas!? Se fosse eu não punha lá os pés: nunca se sabe como reage
um elefante!
8.º - Alvarinhos. Também no plural. Um
conselho, meus amigos, e sem pagarem um tostão por ele: se quiserem beber esse
néctar gratuitamente vão à sala do Cinema, ali para os lados da Calçada, no dia
do concurso. Há ali de tudo: bons e maus alvarinhos. Quem for esperto, eu não
fui, só bebe dos premiados. Atenção, porém: o senhor Miguel costuma pôr umas
garrafas no frigorífico. Peçam-lhe desse – o vinho alvarinho quente não
presta.
Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1033, de 15/7/1995.
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