segunda-feira, 29 de outubro de 2018

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha



 


MACRÓBIOS
 
 
     Já se vai tornando normal morrer, em Melgaço, concelho do Alto Minho, com noventa ou mais anos de idade. Ainda não há muito tempo que faleceu lá uma senhora com cento e sete anos de idade! Isto não significa que não morram pessoas nesse cantinho de Portugal com menos idade. A população de Melgaço tem vindo a diminuir desde a década de sessenta do século XX. Devido à guerra colonial (1961-1974) os jovens melgacenses emigraram para outros países da Europa, arrastando com eles os pais, irmãos mais velhos, e namoradas, que se tornaram suas esposas. Enfim, Melgaço despovoou-se. De vinte mil habitantes, restam cinco ou seis mil. Por este andar...



VAZ, João Manuel. Filho de Manuel Vaz e de Maria Josefa Rodrigues, lavradores. Nasceu em Penso por volta de 1779. // Faleceu a 16/2/1872, em sua casa de Paradela, com cerca de noventa e três anos de idade, no estado de viúvo de Maria Rosa da Rocha, e foi sepultado na igreja. // Deixou filhos.

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VAZ, Maria Joaquina. Filha de Zeferino Vaz e de Rosa Emília Esteves Cordeiro, moradores no lugar das Lages. Neta paterna de António Manuel Vaz e de Mariana Esteves Cordeiro, do dito lugar; neta materna de Francisco António Esteves Cordeiro e de Mariana Gonçalves, do Casal Maninho. Nasceu em Penso a 17/8/1856 e foi batizada no dia seguinte pelo padre Luís Manuel Domingues, de Alvaredo. Padrinhos: João Manuel Esteves Cordeiro, clérigo in minoribus, e Joaquina Esteves Cordeiro, solteira, ambos pensenses. // Casou na igreja de Penso, em primeiras núpcias, a 7/9/1876, com Manuel José Domingues, de 23 anos de idade, natural de Paderne. // Faleceu em Penso a 19/4/1952, com noventa e cinco anos de idade. // Mãe de José Domingues (1882-1969), casado com Florinda da Silva.    

 *

VEIGA, Maria da Glória. // Deve ser filha de Francisco António da Veiga, natural de Formariz, Paredes de Coura, e de Alexandrina Gomes, natural de Penso, Melgaço (confirmar). Nasceu a 24 de Julho de 1911. // Faleceu a 16 de Agosto de 2001, com noventa anos de idade, e foi sepultada no cemitério de Penso, ao lado de Perfeito Garcia Fernandes (1914-1967), provavelmente seu marido (a confirmar). 

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha
 
 


CASAS


CASA-MUSEU MARIETA SOLHEIRO MADUREIRA

      Sita em Estarreja. / Marieta Adelaide, filha de Hermenegildo José Solheiro e de Maria Leonor Gonçalves da Mota, nasceu em Melgaço a 27/5/1912. Em 1937 era regente do posto de ensino da Serra, Prado. Nesse ano, a 17 de Maio, foi pedida em casamento pelo médico veterinário em Estarreja, Dr. António Godinho da Mota Madureira (1913-1996), de Lisboa, que já fora veterinário em Melgaço, onde conhecera a noiva. Casaram na igreja matriz da Vila de Melgaço a 9/10/1937. Depois das cerimónias seguiram em lua-de-mel e fixaram residência na dita Vila do distrito de Aveiro. / Marieta Adelaide faleceu em 1985. O seu viúvo, que há muitos anos colecionava obras de arte, criou a dita Casa-Museu, dando-lhe o nome da sua dedicada esposa. / Quem administra essa Casa é a Fundação Solheiro Madureira, criada a 5/12/1992 (ver VM 981, de 15/3/1992).   


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CASA ORIENTAL
 

     Abriu na Calçada, vila de Melgaço, na antiga Garagem Lima, em Julho (s.e.) de 2008. Vendem roupas e outros artigos (VM de 1/8/2008). Segundo “A Voz de Melgaço” n.º 1299, de 1/8/2008, esse espaço tem novecentos metros quadrados e está arrendado a um empresário natural da China.
 
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CASA DO OUTEIRO


     Sita em Agualonga, concelho de Paredes de Coura. Aí morreu, a 18/12/1962, o visconde do Peso de Melgaço, Amaro de Castro Sousa Menezes Abreu e Antas. Era solteiro e tinha setenta e sete anos de idade. 


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CASA DO PAÇO

      Escreveu o “Mário”: «Em 1/11/1790 Francisco Antão Mendes de Sousa Araújo Besteiro e sua mulher, do lugar de Ferreiros, de Prado, contraíram um empréstimo de seis mil e novecentos réis à confraria do Senhor da Vila… Ora, este Francisco Antão… entroncava na Casa do Paço de Rouças em São Paio…» (ver «Padre Júlio Apresenta Mário», página 143). // Vladislau de Sousa e Castro e Bebiana de Castro, da Casa do Paço, Paderne, foram padrinhos de Aurélia Maria Rodrigues, nascida a 6/4/1840 e batizada na igreja do Convento de Paderne quatro dias depois.
 
 


 

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CASA DE PARANHÃO

 

     Sita no lugar de Paranhão, freguesia de Penso, Melgaço. Em 1808 pertencia a Domingos Esteves Cordeiro e a sua mulher, Francisca Domingas Esteves Cordeiro. Nesse ano, a 25 de Janeiro, um filho deste casal, Domingos Joaquim Esteves Cordeiro, casou na igreja de Penso com Maria Caetana Alves, filha de Domingos Alves e de Maria Lina (ou Maria Luísa) Álvares de Magalhães, da Casa do Crasto (*); (ver “O Meu Livro das Gerações Melgacenses”, volume II, página 119). // Uma filha de Domingos Joaquim Esteves Cordeiro e de Maria Caetana Alves, ou Álvares de Magalhães, de seu nome Maria Teresa Esteves Cordeiro, casou na igreja de Penso, a 14/7/1856, com Manuel Luís Gonçalves, filho de Manuel António Gonçalves e de Caetana Rodrigues Vilarinho, de Telhada Grande, Penso. // João Esteves Cordeiro, desta Casa, gerou em Rosa Lourenço, sua conterrânea, uma menina, Ernestina Esteves Cordeiro, que nasceu a 14/12/1881, que perfilhou, a qual veio a casar a 11/2/1899 com João Eugénio da Costa Lucena, natural da cidade de Lisboa; um dos filhos deste casal teve uma ourivesaria na Praça da República, vila de Melgaço. /// (*) Noutro lado aparece como Casa do Campo (ver).
 

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CASA PARIS
 

     Proprietário: Jaime Afonso. Abriu ao público em 1966, na Avenida da Fonte da Vila, ao lado do Café Luso-Brasileiro, junto ao Largo da Calçada, sendo benzida pelo padre Carlos Vaz. // Especializada em louças, cristais e artesanato (VM 1104, de 1/11/1998). // Em 2006 foi remodelada (VM 1267, de 15/4/2006). // Passou a ser dirigida pelo filho de Jaime Afonso, de seu nome Paulo.
 

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CASA DO PESO

      Em 1634 era seu proprietário António de Castro e Sousa, nesse ano vereador mais velho e juiz dos órfãos pela ordenação, voltando a ter esses cargos em 1639. // Diz-nos o “Mário de Prado”: «Em 15/10/1894, o Dr. António Augusto de Castro Sousa Menezes, da Casa do Peso, pai do 1.º visconde do mesmo nome, fidalgo da Casa Real, etc., foi agraciado com a comenda da Ordem da Conceição de Vila Viçosa…» (“Padre Júlio Vaz Apresenta Mário”, p.p. 146/7). // Esta Casa foi vendida, no início do século XX, à família Figueiroa, que a transformou num Hotel, cuja inauguração foi, salvo erro, em Junho de 1901. Logo nesse ano, em Agosto, esteve ali hospedado o ministro das Obras Públicas, conselheiro Manuel Francisco Vargas. // (Acerca da Casa e Quinta do Peso ver A Voz de Melgaço n.º 1226, de 1/6/2004). 
 
 



terça-feira, 23 de outubro de 2018

OS NOVOS LUSÍADAS
(tentativa de continuação de «Os Lusíadas», de Camões)
 
Por Joaquim A. Rocha





Primeira Parte (continuação)
 
 
6
 

Chamaram índios, pele vermelha,

 Àquela gente da livre selva;

Tendo palhotas de barro, sem telha,

Pisando terra grosseira, sem relva…

Comendo raízes duras como relha,

 Ignorando o bom vinho de Huelva.

E para correrem com a má sorte

Rezavam ao próprio deus da morte!

 
                                    7
 

Índio não aceita ser submetido,

Esconde-se nas árvores, no mato;

Prefere andar no matagal fugido,

Como coelho selvagem, ou rato;

Até ser morto, gravemente ferido,

Viver as sete vidas como o gato.

Do branco rejeita qualquer lição,

A cruz de Cristo, hóstia ou pão!


8


O europeu, mui astuto, esperto,

Atrai a si o indígena puro;

Diz-lhe que a fouce anda por perto,

Estar junto de si é mais seguro…

E o inocente, de peito aberto,

 Cérebro limpo, mas um pouco duro,

Aproxima-se do hábil gatuno

Vencendo o parvo por oportuno.


9

 Tudo rouba, o cínico estrangeiro:



           As terras, costumes, a liberdade;

Só não lhe furta joias e dinheiro,

Nem coches, palácios, ou herdade.

Apesar de ser tudo verdadeiro

Há quem diga que isto é falsidade.

É bom que a história se refaça

Para a gente se rir desta chalaça.


10


E ainda que digam que sou cruel,

Que transporto o mal no meu fraco peito,

Que tenho nos olhos peçonha e fel,

E que às crónicas perco o respeito…

Eu pergunto: quem destruiu Babel,

Quem desviou aos rios o seu leito?

Porventura Moisés era menos mau

Por segurar nos braços santo pau?
 
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Nota: este livro pode ser enviado pelo correio. Preço: 10 euros mais custas de envio. Os pedidos devem ser feitos pelo seguinte e-mail: joaquim.a.rocha@sapo.pt

 

sábado, 20 de outubro de 2018

LINA - FILHA DE PÃ
 
romance
 
Por Joaquim A. Rocha 



desenho de Manuel Igrejas 



    Capítulo 7.º (continuação)…
 
     Entrou porta dentro e dirigiu-se à cozinha, onde costumava estar a sua Lina. Queria dar-lhe a novidade: «já cá canta!» Porém, quem surgiu aos seus cansados olhos, para seu espanto, foi uma rapariguinha franzina, de olhar tímido, acanhada.
 

- Que fazes aqui? – pergunta ele com alguma dureza.

- Estou a tratar da senhora Lina, que teve um bebé; está na cama.

- É verdade o que dizes?!  


     Antes que a mocita lhe respondesse saiu disparado da cozinha e dirigiu-se ao quarto. Viu a sua amada deitada, a fingir que dormia, e a seu lado o berço do catraio. Deu dois passos em sua direcção e pergunta-lhe:
 

- Então, como correu? É rapaz ou rapariga?

- Correu tudo bem. Eu estou forte, amanhã já me levanto. Olha para o berço. Não vês a cor? Azul. É um rapaz, um latagão. O nosso Leandro vai ser um homenzarrão.

- Posso pegar-lhe? É tão bonito!

- Ainda é cedo; deixa-o dormir. A Joaninha logo já o lava e põe-mo aqui para eu lhe dar a mama. Ah! Já me esquecia: passaste? Já tens a carta?

- Passei com distinção! O dinheiro compra tudo. Agora preciso de adquirir o automóvel, para isso terei de ir ao Porto. Não te importas que vá abaixo, à loja?

- Vai homem, vai. A mocinha está a preparar a ceia.

- Não precisará de ajuda? Vê lá!

- Eu daqui oriento-a. Não te preocupes – disse-lhe, sorrindo para ele.
 

     O senhor Manuel desceu até ao estabelecimento. Estava feliz. Um dia em cheio. Tinha uma mulher jeitosa, um filho, logo um rapaz, a vida corria-lhe bem. Graças ao contrabando, tudo se vendia e comprava. As pesetas e os escudos iam entrando nos seus bolsos como as abelhas entravam nas colmeias e a chuva penetrava nas terras aráveis. Os galegos eram bons clientes, pagavam a tempo e horas. Aumentara o número de lojas, já tinha empregados, o negócio prosperava a olhos vistos, chegava para todos. «Dinheiro chama dinheiro», diziam os mais antigos, e tinham razão.      

 

     À impostora, tudo corria às mil-maravilhas. A criança foi batizada na igreja de Castro da Serra, tendo por padrinhos um casal de castrejos, amigos do “pai” do menino, em casa dos quais se realizou uma grande festa. Até baile houve ao som de uma concertina.

     Costuma dizer-se que não há bela sem senão. Pois é: a tal prima do senhor Manuel não desistiu do caso. Estava em jogo muito dinheiro e bens. Investigou, mandou investigar, e por fim a pesquisa surtiu o efeito tão desejado: a criança não era da Lina. A astuta mulher comprara-a, como quem compra um peru ou um pato!

     Depois dessa descoberta, dirigiu-se à GNR e contou tudo que sabia. Não era por interesse, disse-lhes, mas sim para desmascarar a intrujona, a libertina. Já fizera aquela patifaria ao pobre do Mário, arruinara uns quantos lares, e agora aquilo. Aquela sacaninha era o diabo em pessoa.

     A Guarda pôs-se em campo. Em primeiro lugar foi a Cartagães e deu ordem de prisão à mãe da criança. Nem sequer foi necessário levá-la presa – ao primeiro safanão confessou tudo:


- Senhores guardas, eu e o meu homem temos tantos filhos, passamos tanta fome, e aquele ao menos está bem, em casa de gente rica. Por favor: não lhe estraguem o seu futuro.

- Mas, senhora Umbelina – diz o cabo com comiseração – não vê que vender uma criança é crime grave? A senhora não se vai livrar de cumprir uma pena, embora leve, julgo eu, tendo em conta a sua extrema pobreza, mas não volte a fazer o mesmo. A Lina desta vez vai para a prisão durante algum tempo, a fim de pagar por todas as patifarias que tem feito.       

- Eu não tenho nenhuma queixa dela, tem-me ajudado muito. Que Deus a proteja.

- Está bem, está bem, apresente-se amanhã no posto; não falte, se não vimos buscá-la e é pior para si.


**
 

     A Lina não suspeitava de nada. Vivia alegre e descontraída: o Leandro crescia a olhos vistos, já gatinhava, e ao sorrir mostrava uns dentinhos muito bonitos.

     O “pai” sentia-se orgulhoso do seu menino. O senhor Manuel nunca pensara vir a ter descendência. Se soubesse que era assim tão importante para o seu equilíbrio emocional, ter-se-ia casado quando era novo, mas também nessa altura não tinha recursos financeiros para manter um lar com a dignidade desejada. «Veio quando tinha de vir» - condescendeu.  

     Estava a atender uns clientes quando chegou a GNR. «Mau!» - disse o senhor Manuel – «fico sempre nervoso quando vejo a autoridade por perto; nada tenho a temer, mas não gosto muito de fardas
 

     Um dos clientes observa com perspicácia o que se passa e tenta acalmá-lo:
 

- Ó senhor Manuel, até pode ser que lhe venham comprar qualquer coisa!

- Não me parece; quando precisam de algo mandam as mulheres ou os filhos, não gostam de fazer mercancias quando estão fardados.


     De facto os soldados da GNR não vinham ali para comprar, mas sim para outros fins. Traziam um mandato de prisão, passado pelo Senhor Doutor Juiz, mas mesmo na posse desse documento não desejavam provocar conflitos com o comerciante, por quem tinham alguma consideração.   

 - Senhor Manuel: podia-nos fazer um favor?



- Dois ou três, senhores guardas. Em que posso ser-lhes útil?

- Podia chamar a sua empregada, a senhora Lina? Precisamos urgentemente de falar com ela.

- Aconteceu alguma coisa de grave? Algo que eu desconheça?!

- Não sabemos ainda, ela é que nos vai esclarecer.
    

     O senhor Manuel ficou intrigado, mas correu a chamar a sua cara-metade, como a tratava, embora ainda não fossem casados, o que estava por um fio.
 
- Lina: estão aqui umas pessoas que querem falar contigo. Desce.

- Já vou; pede-lhes para esperarem um bocadinho. 
          Dali a uns minutos surge ela com a criança ao colo. Quem olhasse para aquele quadro humano nem sequer lhes passaria pela cabeça a crua verdade: aquela mulher servia-se do pequeno ser para conseguir os seus malvados fins; mas se a criança estivesse a viver com os verdadeiros pais estaria agora escanzelada, mal nutrida, cheia de pêlo.
 

- É a senhora Lina? – perguntou um dos guardas, quase em posição de sentido.



- Sim, sou eu! Não me conhecem?! Que desejam de mim?

- Em nome da Lei considere-se presa. Se resistir será pior para si.


     Ali perto aguardava a mãe do pimpolho. Chamaram-na. Estava triste, chorosa, um farrapo. Aquilo nunca lhe devia ter acontecido. Levaria a criança, que remédio, para juntar aos outros, mais uma boca para comer. Uma sardinha já era repartida por três, agora seria por quatro! A autoridade falava na Lei; mas ela, Umbelina, não tinha nada de seu, trabalhava a terra dos outros, no São Miguel tinha de dar aos proprietários da Quinta quase tudo o que produzia; para ela, marido e filhos ficavam os restos, as migalhas, umas centenas de espigas de milho para cozer a broa. As leis deviam ser para os ricos, para os poderosos; os pobres não precisavam dessas imposições, nem sequer sabiam ler!


     O guarda dá uma ordem à falsa progenitora:


- Entregue a criança à sua verdadeira mãe e acompanhe-nos. De contrário teremos de usar a força.

- Usar a violência para uma mulher, senhores guardas?! – interveio o comerciante, sem perceber absolutamente nada daquilo que se estava a passar.

- O senhor Manuel vá ao posto, se não se importa, que o nosso comandante põe-no ao corrente de tudo. Agora temos de levar presa a sua empregada. Como deve ter notado a criança não é dela, nem sua, mas sim desta mulher e do marido.


     O senhor Manuel ficou banzado, cambaleante. Virou-se para a amante e perguntou-lhe:
 

- O que fizeste? É verdade que o Leandro não é meu filho?


     Não esperando pela resposta, continua:


 - És uma desgraçada! Como pude acreditar em ti?

      A Lina, descontraída, fria como a pedra sepulcral, como era seu timbre, já não tendo nada a perder, descoberto o seu ardil, riposta:


- Ó palerma, julgavas que eu te tinha amor? Eu só amei um homem, ouviste? De ti… só queria era o teu dinheiro.




     Depois dirigiu-se à mãe da criança, entregou-lhe o bebé, e disse-lhe com azedume:


- Toma! Nem para o teu filho foste boa. Sois gente fraca, servos da gleba, sem coragem. Arranja-lhe uma enxada e põe-no a cavar os campos, é para isso que vós prestais, para mais nada. Gente inútil.


     E virou-lhe as costas, com desprezo e altivez.


     Os guardas agarraram-na por um braço e arrancaram com ela para o calabouço, que ficava no posto da GNR, por baixo dos Paços do Concelho. Dali seria transferida para a prisão, que ficava a um ou dois quilómetros de distância. Tratava-se de um edifício recentemente inaugurado, construído propositadamente para esse fim. Antes a cadeia era no centro da Vila, na zona histórica, num prédio seiscentista, com algum interesse arquitetónico, mas insuficiente para as necessidades do concelho. Ali já funcionara o tribunal e outras repartições públicas. Os presos fugiam de lá quando bem lhes apetecesse, roubavam e eram novamente presos, e voltavam novamente a fugir!      
  

**
 
     A prima do castrejo ficou radiante. Conseguira matar dois coelhos com uma cajadada: meteu a aldrabona na cadeia e abalou a saúde do primo. Agora era só esperar: – o parente não aguentaria a perda da amante e da criança. O seu amor por Lina e pelo miúdo era sincero, enorme, autêntico, genuíno. A grandeza desse amor só se compararia com aquele que tivera pelos pais e irmãos, mas este era diferente, de outra espécie, eram os seus dois grandes amores, sem eles não sobreviveria.

     «E agora? Que vai ser de mim? De que me vale o dinheiro sem eles?!» - perguntava aos amigos, desiludido da vida, exausto de tanto sofrer.     

     Ninguém sabia responder-lhe. Remetiam-se ao silêncio, baixavam a cabeça. O que sucedera era algo que ultrapassava toda a lógica. Nos meios pequenos era raro acontecer alguma coisa de interesse, de excecional. A rotina dominava completamente: o que se passava hoje, ir-se-ia passar todos os dias. Mas aquele evento fora bombástico – todo o concelho, e não só, o comentou, a Lina ficara tristemente célebre de um dia para o outro.  
 
Continua...

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

GENTES DE MELGAÇO
 
CRISTÓVAL
 
 
Por Joaquim A. Rocha






SALGADO, Ana. Filha de Manuel Domingues Salgado e de Francisca Bernardes Rodrigues, moradores no lugar do Sobreiro. Neta paterna de José Bento Salgado e de Maria Inocência Ribeiro, do dito lugar; neta materna de Manuel Joaquim Rodrigues e de Maria Rosa Bernardes, do lugar do Outeiro, Paços. Nasceu em Cristóval a 14/6/1854 e foi batizada a 16 desse mês e ano. Padrinho: Francisco José Rodrigues, tio materno da neófita, residente na Vila de Monção (substituído por José Luís Ribeiro, do lugar da Porta, solteiro). // Camponesa. // Casou na igreja de Fiães a 23/5/1891 com Joaquim Guerreiro, de 29 anos de idade, solteiro, lavrador, natural do lugar de Balsada, freguesia de Fiães, filho de Manuel Guerreiro e de Maria Joaquina Esteves; neto paterno de Diogo Guerreiro e de Manuela Alonso, galegos; neto materno de Domingos Esteves e de Maria Teresa Cortes, do lugar de Balsada, Fiães, Melgaço.  

 SALGADO, Daniel José. Filho de Manuel Domingues Salgado e de Francisca Bernardes Rodrigues, moradores no lugar do Sobreiro, Cristóval. Neto paterno de José Bento Salgado e de Maria Inocência Ribeiro, do dito lugar; neto materno de Manuel Joaquim Rodrigues e de Maria Rosa Bernardes, do lugar do Outeiro, Paços. Nasceu em Cristóval a 20/8/1846 e foi batizado a 22 desse mês e ano. Padrinho: frei Manuel de Jesus Maria, do lugar do Outeiro, Paços (com procuração de Francisco José Rodrigues, tio materno do batizando, residente em Monção). // Em 1879 estava casado com Maria Elisa da Cunha, proprietária, natural de Moreira do Castelo, Celorico de Basto, distrito de Braga, filha de José António da Cunha Marinho, de Amarante, e de Margarida Alves de Mesquita Leite, de Celorico de Basto, negociantes. Nesse ano de 1879, a 26 de Julho, nasceu em Celorico de Basto o seu filho Rodrigo José Rodrigues [Salgado], que viria a ser pessoa importante na 1.ª República: foi médico militar, governador de Macau, ministro do Interior em 1913-1914, no governo de Afonso Costa, o qual ajudou a elaborar um estudo profundo, juntamente com o Dr. Júlio de Matos e outros, sobre as prisões portuguesas; este filho de Daniel José casou a 18/3/1904 com Rita Margarida Machado, de dezoito anos de idade, natural de São Francisco Xavier do Engenho Velho, Rio de Janeiro, Brasil; e morreu em Oliveira de Azeméis, distrito de Aveiro, a 18 ou 19/1/1963. // Além do filho acima mencionado, teve mais os seguintes filhos: Avelino, Daniel, António e Abílio. // Daniel José morou durante muitos anos em Celorico de Basto e morreu a 22/9/1896.




 
SALGADO, José. Filho de Manuel Domingues Salgado e de Francisca Bernardes Rodrigues, moradores no lugar do Sobreiro. Neto paterno de José Bento Salgado e de Maria Inocência Ribeiro, do dito lugar; neto materno de Manuel Joaquim Rodrigues e de Maria Rosa Bernardes, do lugar do Outeiro, Paços. Nasceu em Cristóval a 28/7/1836 e foi batizado a 31 desse mês e ano. Padrinhos: Zeferino Domingues, de São Gregório, e Luísa Domingues, do lugar de Portocarreiro, Fiães. 

SALGADO, Lina. Filha de Manuel Domingues Salgado e de Francisca Bernardes Rodrigues, moradores no lugar do Sobreiro. Neta paterna de José Bento Salgado e de Maria Inocência Ribeira, do dito lugar; neta materna de Manuel Joaquim Rodrigues e de Maria Rosa Bernardes, do lugar do Outeiro, Paços. Nasceu em Cristóval a 13/5/1849 e foi batizada a 16 desse mês e ano. Padrinho: o seu tio materno, Francisco José Rodrigues, solteiro (substuído por frei Manuel de Jesus Maria, natural do lugar do Outeiro, Paços).


SALGADO, Lina. Filha de Manuel Domingues Salgado e de Francisca Bernardes Rodrigues, moradores no lugar do Sobreiro. Neta paterna de José Bento Salgado e de Maria Inocência Ribeira, do dito lugar; neta materna de Manuel Joaquim Rodrigues e de Maria Rosa Bernardes, do lugar do Outeiro, Paços. Nasceu em Cristóval a 8/4/1851 e foi batizada a 10 desse mês e ano. Padrinho: o seu tio materno, Francisco José Rodrigues, residente em Monção (substituído por frei Manuel de Jesus Maria, do Outeiro, Paços).

 

SALGADO, Manuel [Domingues]. Filho de José Bento Salgado e de Maria Inocência Ribeiro, moradores no lugar do Sobreiro. Nasceu por volta de 1806. // Lavrador. // Casou na igreja de Cristóval a 26/2/1835, com Francisca Bernardes Rodrigues, filha de Manuel Joaquim Rodrigues e de Maria Rosa Bernardes, do lugar do Outeiro, Paços. Testemunhas: António Esteves, do lugar da Porta, Cristóval, e João da Silva, do lugar do Outeiro, Paços. // Faleceu no lugar da Sobreira a 26/1/1894, com 88 anos de idade, no estado de viúvo da dita Francisca, só com a extrema-unção, sem testamento, e foi sepultado na igreja. // Com geração. // É avô do Dr. Rodrigo José Rodrigues (1879-1963), médico militar, político, ministro do Interior no V governo da 1.ª República.    


SALGADO, Maria Josefa. Filha de Manuel Domingues Salgado e de Francisca Bernardes Rodrigues, moradores no lugar do Sobreiro. N.p. de José Bento Salgado e de Maria Inocência Ribeiro, do dito lugar; n.m. de Manuel Joaquim Rodrigues e de Maria Rosa Bernardes, do Outeiro, Paços. Nasceu em Cristóval a 1/12/1838 e foi batizada no dia seguinte. Padrinhos: José Ramos e sua mulher, Maria Durães, do Outeiro, Paços. // Lê-se no Correio de Melgaço n.º 37, de 16/2/1913: «Está gravemente doente a Sr.ª Rosa Rodrigues, e com uma ferida gangrenosa na face sua irmã Maria, ambas tias paternas do Sr. Dr. Rodrigo Rodrigues, actual ministro do Interior

 


SALGADO, Rosa. Filha de Manuel Domingues Salgado e de Francisca Bernardes Rodrigues, moradores no lugar do Sobreiro. Neta paterna de José Bento Salgado e de Maria Inocência Ribeiro, do dito lugar; neta materna de Manuel Joaquim Rodrigues e de Maria Rosa Bernardes, do Outeiro, Paços. Nasceu em Cristóval a 7/9/1842 e foi batizada a 11 desse mês e ano. Padrinhos: o seu avô materno (com procuração de seu filho, Francisco José Rodrigues) e Belina Domingues, solteira, do lugar do Coto, Paços. // Lê-se no Correio de Melgaço n.º 37, de 16/2/1913: «Está gravemente doente a Sr.ª Rosa Rodrigues, e com uma ferida gangrenosa na face sua irmã Maria, ambas tias paternas do Sr. Dr. Rodrigo Rodrigues, actual ministro do Interior
 
 
NOTA: a microbiografia de Daniel José Rodrigues Salgado já tinha sido publicada neste blogue; no entanto, um seu bisneto, João Machado, chamou-me a atenção para o facto de eu estar a confundir o seu bisavô com outro senhor de Cristóval, chamado Daniel José Rodrigues, emigrante no Brasil.


domingo, 14 de outubro de 2018

SONETOS DO SOL E DA LUA
 
Por Joaquim A. Rocha





SERAFIM
 

desenho de Rui Nunes


Um dia que porventura eu morra,

Ninguém – suponho - vai chorar por mim.

Dirão: «lá vai o pobre Serafim,

Engraçado, brincalhão, uma porra

 

Tinha por mãe uma pequena zorra,

Por pai tinha um pobre arlequim…

No penteado imitava o Tim-Tim

Na cabeça usava linda gorra.

 

Dizia-se amigo da pequena lua,

O seu deus era o valente Thor;

Falava como uma catatua…

 

O escuro era seu grande horror.

Ninguém o via à noite na rua,

O sol era o seu querido amor.