quinta-feira, 4 de outubro de 2018

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO

Por Joaquim A. Rocha







UMA QUESTÃO DE HONRA

 

     A partir deste momento vou tentar escrever sobre a história do nosso concelho no século XIX. Os historiadores melgacenses não se debruçaram esmiuçadamente sobre este período da nossa história, julgando talvez que nada existia de interessante para dizer! No seu livro «Melgaço e as Invasões Francesas» Augusto César Esteves deambula por vários séculos, deixando-nos a impressão de que não possuía matéria suficiente para se fixar unicamente nos anos em estudo.

     Não vou ser sistemático, visto que o artigo de jornal tem de ser completamente diferente do livro: viajarei entre 1 de Janeiro de 1801 a 31 de Dezembro de 1900, embora possa ir buscar referências e apoios a outros séculos. Para começar vou falar de um acontecimento trágico ocorrido em 1885. Em «O Meu Livro das Gerações Melgacenses», volume I, página 309, aparece-nos, em Castros do Pombal, um Diogo António de Sousa e Castro Morais Sarmento, cuja ficha reza assim: «Nasceu na Casa do Pombal em 23/3/1855 e foi baptizado em Remoães a 25, sendo seu padrinho o tio Diogo (…). Seguiu a carreira militar, mas estando como tenente de infantaria 20 em Guimarães foi transferido para infantaria 24, destacada em Penamacor, devido a uma sindicância causada pelo rapto de uma mulher casada. Nesta última vila casou com D. Maria Augusta de Novais, mas em 1885, sendo tenente de caçadores e estando de serviço no cordão sanitário, desgostoso da vida e vítima de um drama passional, suicidou-se para fugir à vergonha, não faltando então quem dissesse estar na base deste suicídio uma mulher desprezível e falha de sentimentos nobres.» A seguir Augusto César Esteves diz que ele foi pai de três filhos: Luís, Angelina, e João, «todos falecidos em criança

     O autor, não sei se propositadamente, deixa-nos, com a sua laconicidade, a pensar no que teria acontecido. Curioso como sou, procurei outras fontes. Uma delas é «O Valenciano» n.º 596, de 10/12/1885, que diz: «O nosso ilustrado colega o «Jornal da Manhã» noticiava há dias, em telegrama, o seguinte: [Suicidou-se no cordão sanitário próximo de Beja o tenente de caçadores 1, Diogo de Castro Morais Sarmento; era casado há pouco mais de um ano com uma senhora de Setúbal e deixa uma filhinha de um mês a que nunca chegou a ver.] Conhecíamos de perto o ilustrado oficial a quem se alude. Era natural de Melgaço, onde tem família, e a quem este tristíssimo acontecimento há-de pungir gravemente, porque dela era muito estimado por suas excelentes qualidades e nobreza de carácter, como de todos aqueles que de perto com ele trataram e tiveram a ocasião de apreciar a lhaneza e a afabilidade de que era dotado. Que Deus lhe perdoe a loucura com que privou uma inocente de seus carinhos de pai extremoso e feriu tão rudemente o coração de esposa, parentes e amigos (…).»      

     Outra fonte é Artur Augusto da Silva, que escreve no dito jornal «O Valenciano» n.º 599, de 20/121885, o seguinte: «Senhor redactor: por que você conhecia o malogrado e desditoso oficial, tenente de caçadores um, Diogo António de Sousa Castro Moraes Sarmento, meu prezado amigo, lembrei-me de o incomodar, pedindo-lhe a insigne fineza de publicar no seu ilustrado jornal a declaração que inclusa remeto; últimos pensamentos que o infeliz camarada deixou escritos! A desgraçada e fatal resolução que o meu amigo tomou tem por tal forma perturbado a sua ilustre família e os seus particulares amigos, que julgam cumprir um dever de gratidão, lançando à luz da publicidade aqueles derradeiros pensamentos, concebidos às portas da Eternidade! A sua alma casta e nobre mal deixa transparecer nessa declaração o motivo profundo e íntimo que o levou a arrancar a vida em uma idade verdadeiramente risonha. Não serei eu, pois, senhor redactor, o amigo do desventurado camarada, quem procure aclarar mistérios que tão infeliz mancebo preferiu deixar no olvido do túmulo! Paz à sua alma! Melgaço, 17/12/1885 – Arthur Augusto da Silva.

 


                             Declaração

 

Comando da 4.ª divisão militar
 

     Declaro que me suicido por conhecer que não tenho sabido viver, e a felicidade me ter fugido há mais de um ano! Levo a consciência tranquila de ter praticado actos só em bem da humanidade. Mas deixaria de pertencer aos Castros da Casa e Quinta do Pombal se não terminasse com a vida, depois de meus inimigos conseguirem a minha infâmia! Deixo vinte e oito libras, ou vinte e sete, estando uma na mão do senhor capitão Magalhães, as quais estão com um anel de brilhantes, em um cinto que tenho à cintura. Os vencimentos, do mês de novembro, ainda não os recebi. Cem mil réis, desejo que sejam entregues a meu irmão António, que eu calculo termos emprestado; além de mil favores que lhe devia. O anel, desejo que seja entregue à minha filha (1), que fica em poder da mãe, minha esposa. Desejo que esta criança seja educada na santa religião de Cristo, e que esta e do coração lha ministrem, acompanhada de bons e castos exemplos e moralidade: pois só assim temendo a Deus, sem superstições, se poderá formar o belo coração de mulher, de boa esposa e exemplar mãe! Sem o temor de Deus, o receio à sociedade não basta para conter a mulher no bom caminho porque o sentimento do prazer e a ideia de gozar afastam o pensamento do receio à sociedade e esta mesma se encarrega de rasgar o véu da vergonha! Deus permita que essa criancinha tenha mais felicidade que teve o pai que lhe deixa mil saudades! Despeço-me, em especial, de meu caro pai, que espero me perdoará o mal que lhe tenho feito e farei, assim como de meus irmãos e Maria. Ao António deixo mil saudades, assim como aos meus grandes protectores, o senhor general Henrique José Alves, conselheiro Jeronymo Pimentel, e padre José Salgado e seu excelentíssimo pai. Também me despeço de todas as pessoas amigas e inimigas das quais não levo rancor e lhes peço perdão de qualquer ofensa. Ao meu impedido, António Raposo, deixo três libras pelo bem que me serviu.» = Casêta d’Asinha, vinte e nove para trinta de Novembro de mil oitocentos e oitenta e cinco. a) Diogo António de Souza e Castro Moraes Sarmento, tenente de caçadores número um. – Está conforme. Quartel-General em Évora, dez de Dezembro de mil oitocentos e oitenta e cinco – a) Sebastião Mendes da Rocha, oficial da secretaria. Está conforme. Quartel em Setúbal, aos doze de Dezembro de mil oitocentos e oitenta e cinco. = a) Januário António da Silva Valente, tenente-coronel de caçadores número um.]


1)    O Dr. Augusto César Esteves não menciona esta filha!

2)    Para cúmulo da desgraça, seu irmão António nascido em 1848, que já labutara durante alguns anos em terras do Brasil, solteiro, após receber a terrível notícia, adoece e acaba por morrer numa casa de saúde do Porto! Leia-se a notícia: «Faleceu há dias no Porto, na Casa de Saúde do médico Almeida, o senhor António Augusto de Sousa Castro (…). Entre os legados que deixou no seu testamento encontram-se 1.000$00 réis ao hospital de Melgaço e 300$00 réis à confraria do santíssimo sacramento da freguesia de Remoães (…), ambos com a obrigação de uma missa anual e perpétua.» (O Valenciano n.º 743, de de 29/5/1887). // Enfim só tristezas!

 

Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1054, de 1/7/1996.

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