ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
UMA QUESTÃO DE HONRA
A partir deste
momento vou tentar escrever sobre a história do nosso concelho no século XIX.
Os historiadores melgacenses não se debruçaram esmiuçadamente sobre este
período da nossa história, julgando talvez que nada existia de interessante
para dizer! No seu livro «Melgaço e as Invasões Francesas» Augusto César
Esteves deambula por vários séculos, deixando-nos a impressão de que não
possuía matéria suficiente para se fixar unicamente nos anos em estudo.
Não vou ser sistemático, visto que o artigo
de jornal tem de ser completamente diferente do livro: viajarei entre 1 de
Janeiro de 1801 a 31 de Dezembro de 1900, embora possa ir buscar referências e
apoios a outros séculos. Para começar vou falar de um acontecimento trágico
ocorrido em 1885. Em «O Meu Livro das Gerações Melgacenses», volume I, página
309, aparece-nos, em Castros do Pombal, um Diogo António de Sousa e Castro
Morais Sarmento, cuja ficha reza assim: «Nasceu
na Casa do Pombal em 23/3/1855 e foi baptizado em Remoães a 25, sendo seu
padrinho o tio Diogo (…). Seguiu a carreira militar, mas estando como tenente
de infantaria 20 em Guimarães foi transferido para infantaria 24, destacada em
Penamacor, devido a uma sindicância causada pelo rapto de uma mulher casada.
Nesta última vila casou com D. Maria Augusta de Novais, mas em 1885, sendo
tenente de caçadores e estando de serviço no cordão sanitário, desgostoso da
vida e vítima de um drama passional, suicidou-se para fugir à vergonha, não
faltando então quem dissesse estar na base deste suicídio uma mulher
desprezível e falha de sentimentos nobres.» A seguir Augusto César Esteves
diz que ele foi pai de três filhos: Luís, Angelina, e João, «todos falecidos em criança.»
O autor, não sei
se propositadamente, deixa-nos, com a sua laconicidade, a pensar no que teria
acontecido. Curioso como sou, procurei outras fontes. Uma delas é «O
Valenciano» n.º 596, de 10/12/1885, que diz: «O nosso ilustrado colega o «Jornal da Manhã» noticiava há dias, em
telegrama, o seguinte: [Suicidou-se no cordão sanitário próximo de Beja o
tenente de caçadores 1, Diogo de Castro Morais Sarmento; era casado há pouco
mais de um ano com uma senhora de Setúbal e deixa uma filhinha de um mês a que
nunca chegou a ver.] Conhecíamos de perto o ilustrado oficial a quem se alude.
Era natural de Melgaço, onde tem família, e a quem este tristíssimo acontecimento
há-de pungir gravemente, porque dela era muito estimado por suas excelentes
qualidades e nobreza de carácter, como de todos aqueles que de perto com ele
trataram e tiveram a ocasião de apreciar a lhaneza e a afabilidade de que era
dotado. Que Deus lhe perdoe a loucura com que privou uma inocente de seus
carinhos de pai extremoso e feriu tão rudemente o coração de esposa, parentes e
amigos (…).»
Outra fonte é
Artur Augusto da Silva, que escreve no dito jornal «O Valenciano» n.º 599, de
20/121885, o seguinte: «Senhor redactor:
por que você conhecia o malogrado e desditoso oficial, tenente de caçadores um,
Diogo António de Sousa Castro Moraes Sarmento, meu prezado amigo, lembrei-me de
o incomodar, pedindo-lhe a insigne fineza de publicar no seu ilustrado jornal a
declaração que inclusa remeto; últimos pensamentos que o infeliz camarada
deixou escritos! A desgraçada e fatal resolução que o meu amigo tomou tem por
tal forma perturbado a sua ilustre família e os seus particulares amigos, que
julgam cumprir um dever de gratidão, lançando à luz da publicidade aqueles derradeiros
pensamentos, concebidos às portas da Eternidade! A sua alma casta e nobre mal
deixa transparecer nessa declaração o motivo profundo e íntimo que o levou a
arrancar a vida em uma idade verdadeiramente risonha. Não serei eu, pois,
senhor redactor, o amigo do desventurado camarada, quem procure aclarar mistérios
que tão infeliz mancebo preferiu deixar no olvido do túmulo! Paz à sua alma!
Melgaço, 17/12/1885 – Arthur Augusto da Silva.
Declaração
Comando da 4.ª divisão militar
[«Declaro que me suicido por conhecer que não
tenho sabido viver, e a felicidade me ter fugido há mais de um ano! Levo a
consciência tranquila de ter praticado actos só em bem da humanidade. Mas
deixaria de pertencer aos Castros da Casa e Quinta do Pombal se não terminasse
com a vida, depois de meus inimigos conseguirem a minha infâmia! Deixo vinte e
oito libras, ou vinte e sete, estando uma na mão do senhor capitão Magalhães,
as quais estão com um anel de brilhantes, em um cinto que tenho à cintura. Os
vencimentos, do mês de novembro, ainda não os recebi. Cem mil réis, desejo que
sejam entregues a meu irmão António, que eu calculo termos emprestado; além de
mil favores que lhe devia. O anel, desejo que seja entregue à minha filha (1),
que fica em poder da mãe, minha esposa. Desejo que esta criança seja educada na
santa religião de Cristo, e que esta e do coração lha ministrem, acompanhada de
bons e castos exemplos e moralidade: pois só assim temendo a Deus, sem
superstições, se poderá formar o belo coração de mulher, de boa esposa e
exemplar mãe! Sem o temor de Deus, o receio à sociedade não basta para conter a
mulher no bom caminho porque o sentimento do prazer e a ideia de gozar afastam
o pensamento do receio à sociedade e esta mesma se encarrega de rasgar o véu da
vergonha! Deus permita que essa criancinha tenha mais felicidade que teve o pai
que lhe deixa mil saudades! Despeço-me, em especial, de meu caro pai, que
espero me perdoará o mal que lhe tenho feito e farei, assim como de meus irmãos
e Maria. Ao António deixo mil saudades, assim como aos meus grandes protectores,
o senhor general Henrique José Alves, conselheiro Jeronymo Pimentel, e padre
José Salgado e seu excelentíssimo pai. Também me despeço de todas as pessoas
amigas e inimigas das quais não levo rancor e lhes peço perdão de qualquer
ofensa. Ao meu impedido, António Raposo, deixo três libras pelo bem que me
serviu.» = Casêta d’Asinha, vinte e nove para trinta de Novembro de mil
oitocentos e oitenta e cinco. a) Diogo António de Souza e Castro Moraes
Sarmento, tenente de caçadores número um. – Está conforme. Quartel-General em
Évora, dez de Dezembro de mil oitocentos e oitenta e cinco – a) Sebastião
Mendes da Rocha, oficial da secretaria. Está conforme. Quartel em Setúbal, aos
doze de Dezembro de mil oitocentos e oitenta e cinco. = a) Januário António da
Silva Valente, tenente-coronel de caçadores número um.]
1)
O
Dr. Augusto César Esteves não menciona esta filha!
2)
Para
cúmulo da desgraça, seu irmão António nascido em 1848, que já labutara durante
alguns anos em terras do Brasil, solteiro, após receber a terrível notícia,
adoece e acaba por morrer numa casa de saúde do Porto! Leia-se a notícia: «Faleceu há dias no Porto, na Casa de Saúde
do médico Almeida, o senhor António Augusto de Sousa Castro (…). Entre os legados
que deixou no seu testamento encontram-se 1.000$00 réis ao hospital de Melgaço e
300$00 réis à confraria do santíssimo sacramento da freguesia de Remoães (…),
ambos com a obrigação de uma missa anual e perpétua.» (O Valenciano n.º
743, de de 29/5/1887). // Enfim só tristezas!
Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1054, de 1/7/1996.
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