domingo, 7 de outubro de 2018

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha





 
(1889) - MELÃO, Aurélio. // Espanhol. // Apareceu morto a 15/6/1889, no sítio chamado o Coto do Azedo, limites de Cristóval; fora abatido a tiro. // No dia seguinte foi sepultado junto à capela do Senhor dos Passos, na freguesia de Cristóval, concelho de Melgaço.
 
(1892) - MARQUES, Caetano. // Nasceu em Remoães, Melgaço. // «Foi assassinado, julga-se, por dois indivíduos que o assaltaram na estrada real, produzindo-lhe a morte por sufocação. A opinião pública aponta-os, e a justiça procede nas devidas averiguações», assim se pode ler no jornal “Valenciano” n.º 1226, de 21/2/1892. 
 
(1892) - António Fernandes era melgacense. Filho de Maria Ludovina Fernandes, moradora no lugar de Casal Maninho, freguesia de Penso. Neto materno de José Fernandes e de Rosa Maria Domingues, do dito lugar. Nasceu a 8/1/1863 e foi batizado a 10 desse mês e ano. Padrinhos: Manuel António da Lama, casado, rural, do lugar de Felgueiras, e Rosa Teresa Barbeitos, solteira, do lugar de Paradela. // Foi para Lisboa, ainda novo, onde conheceu uma moça, com quem viveu maritalmente. Tiveram dois filhos. // Teria perto de trinta anos de idade quando deixou o trabalho de cabouqueiro nas obras e entrou para uma quadrilha de ladrões, constituída por Santiago Rey y Lopez, António da Fonseca Pinto, Alfredo Gomes, João Esteves e Romão Louzada. Eram todos desordeiros e jogadores, frequentadores assíduos das tascas imundas, cheias de gente miserável e mesquinha. // Um dia, numa dessas tascas, o João Esteves diz aos outros: - «Como sabem, sou do concelho de Monção. Ontem escreveram-me dali, participando que minha tia, governante em casa do reitor da freguesia de Troviscoso, recebeu um conto de réis duma herança. Não acham que seria um “golpe real” apanharmos aquele dinheiro? Além disso, o reitor também possui pé-de-meia. De uma cajadada matam-se dois coelhos. Que dizem?» Alguns argumentaram com o preço da viagem, com a distância, o desconhecimento do sítio, enfim, não estavam dispostos a encetar aquela aventura tendo ali à mão de semear algumas casas bem recheadas. Apesar de tudo, o João Esteves lá os convenceu. Empenhavam alguns bens no prego e com esse dinheiro meter-se-iam a caminho. A 25/6/1892, em casa de Alfredo, encontraram-se de novo. Foi nessa altura que Romão apresentou aos companheiros Santiago Rey y Lopez, a fim de fazer parte da quadrilha. Decidiram então que o chefe nesse assalto seria Romão. Partiram para o Minho a 28 de Junho. Como só havia comboio até Valença tiveram de ir a pé a partir dessa vila alto-minhota. Chegados a Troviscoso, refugiaram-se na mata que havia ali perto. Entretanto um deles foi comprar alimentos a uma mercearia de aldeia. Os bandidos dirigiram-se de noite a casa do tal reitor. Os criados do sacerdote regavam as jeiras da terra, por isso os seis gatunos tiveram de regressar ao esconderijo; teriam de aguardar algum tempo, até que os serviçais fossem dormir. Por volta da meia-noite decidiram avançar. Tiveram pouca sorte. Um dos criados ainda não se fora deitar. Ao ver os bandidos correu à procura da espingarda que a seguir disparou. Os salteadores fugiram a sete pés para o bosque. O João então disse: «É melhor abandonar o primeiro plano e deixar em paz minha tia; aqui perto mora um lavrador, o “Rendeiro”, que aveza bons cabedais; vive com duas filhas, lindas como os amores. Vamos até lá?» Chegaram a casa do agricultor de madrugada. Na horta andavam dois jornaleiros com sacholas nas mãos. Ficaram desapontados. Iam ali para roubar, não para matar. É nessa ocasião que António Fernandes, por alcunha o “Guerra” (*), lembra aos companheiros que sua mãe trabalhara no lugar de Vilar, freguesia de Alvaredo, em casa do padre Manuel António de Sousa Lobato, o qual residia com seu irmão e sua irmã, esta casada. «O reverendo tem bons capitais, e não seria mau limpar-lhos», diz ele. Os outros acharam a ideia excelente, pois estavam a ver que voltavam para Lisboa de mãos a abanar. O Guerra e o Santiago foram comprar alimentos à loja de António Luís Pereira, do lugar dos Moinhos, Paderne. No regresso, e depois de comerem, o Guerra traçou a lápis num papel a configuração da casa do presbítero, pois conhecera-a muito bem. Até sabia onde os seus moradores dormiam. Os bandidos permaneceram na mata até às duas da madrugada de 2 de Julho. A partir dessa hora foram-se aproximando da casa do padre Lobato. Iam todos armados, com exceção do Alfredo, que dera ao Guerra a sua pistola. «Fonseca levava um punhal, Romão uma navalha de ponta e mola, Santiago um revólver e um cacete, e João outra pistola pertencente ao Guerra.» A entrada na vivenda seria fácil, pois numa estrumeira encontraram uma escada, a qual encostaram a uma janela. Como os moradores conheciam o Guerra, ficou decidido que ele não entrava – ficaria a vigiar. Santiago foi o primeiro a penetrar na habitação e fez um barulho dos diabos. Quando os cinco já se encontravam no interior, Romão acendeu a vela que fora adquirida na dita loja. Viram então, a um canto da sala, quatro espingardas carregadas. Deitaram-nas pela janela fora. Entraram no quarto do padre à procura de dinheiro. Este acordou. Soltou um grito, ao ver os larápios, e tentou defender-se. Romão apagou a luz, mas entretanto já o sacerdote se agarrara a Santiago. Os outros puxaram das navalhas e esfaquearam o padre, que caiu no chão inanimado. O seu irmão e cunhado apareceram e travou-se luta renhida; porém os bandidos levaram a melhor, mas os gritos dos feridos despertaram a vizinhança, pelo que os malandros tiveram de fugir sem levar nada. O Guerra, vendo aproximar-se pessoas, deu à sola, a fim de não ser apanhado. Os outros só mais tarde o encontraram. Chegados perto de Monção, um deles, o João, separou-se dos colegas, dizendo-lhes que ia para Cristelo, freguesia de Bela, para a casa da sua antiga ama, a fim de ser tratado, pois tinha um ferimento no pescoço. Os outros dirigiram-se para o Extremo, perto dos Arcos. Pelo caminho compraram pão e chouriço, pois já não se alimentavam há várias horas. Dali seguiram para Braga. Guerra e Fonseca continuaram a caminhada até ao Porto. Tudo feito a pé! Romão e Alfredo foram no dia seguinte de comboio. Santiago ficou em Braga durante dois dias a fim de vender o revólver, o que conseguiu por 1$000 réis. Da capital do Minho seguiu a pé para o Porto, e dali partiu para Lisboa, chegando a pedir esmola pelo caminho. Alfredo, Fonseca e “Guerra” empregaram-se nas obras da estrada da Circunvalação, no lugar de Pereiró, freguesia de Ramalde. Pelos jornais iam sabendo notícias; a polícia ainda nada descobrira acerca deles, mas já prendera uns quantos suspeitos. O “Guerra”, já farto do Porto, resolveu meter-se a caminho da capital do país. A namorada e os filhos aguardavam-no. Ao chegar a Sacavém acabou-se-lhe o dinheiro. Teve de pedir esmola. Foi comendo o que lhe ofereciam e lá chegou finalmente a Lisboa. Levara sete dias e meio na viagem. Lá chegado, arranjou trabalho numa pedreira, nos Prazeres.
   
     O padre Lobato faleceu vinte e um dias depois do crime, ou seja, a 23/7/1892. Dias antes recebeu-se na casa de Vilar uma carta anónima, informando que os assassinos residiam em Lisboa. O cunhado do eclesiástico foi entregar essa carta ao delegado da comarca. Uma cópia da mesma foi enviada ao Dr. José Manuel da Veiga, comissário da 3.ª Divisão, em Lisboa. Descobriu-se que o seu autor fora o calceteiro da Câmara, José Manuel Rodrigues. Escreveu a missiva, segundo ele, porque não queria que os suspeitos pagassem pelos verdadeiros criminosos. Indicou os operários que se ausentaram sem qualquer explicação e graças a isso os bandidos foram descobertos. O melgacense foi capturado na dita pedreira a 2/8/1892. O “Guerra” «que era, na verdade, o melhor dos bandidos», perante o interrogatório baixou a cabeça e disse: - «Pois bem! Já vejo que estou perdido. Vou contar como se passou essa brincadeira.» O Alfredo confirmou mais tarde a confissão do companheiro. O Fonseca não quis admitir a sua participação no crime, mas o António Fernandes convenceu-o a confessar com estas palavras: - «Ó homem! Fomos seis a comprar a melancia, temos todos seis que comê-la. É melhor falar a verdade e não estar para aí a maçar mais.» Na noite de 9 de Agosto os quatro criminosos (faltava ainda capturar Romão Louzada e João Esteves) foram encaminhados para Melgaço, a fim de serem julgados. Seguiram de comboio até Valença, algemados, numa carruagem de 3.ª classe, e escoltados por vários polícias. O “Guerra”, antes de se meter no comboio, pediu para falar ao Dr. Veiga: «Sr. Comissário, só uma coisa lhe suplico – é que tome conta e proteja a minha filhinha que tem apenas cinco anos.» O Comissário prometeu-lhe que iria tratar disso. // Nessa altura publicava-se em Melgaço o jornal «Espada do Norte», que sucedera ao «Melgacense», dirigido por António Avelino Douteiro. // Da cadeia de Melgaço, pouco segura, foram transferidos para o Porto. Entretanto João Esteves também foi preso e seguiu para junto dos outros. Apenas o Romão se safou. // O julgamento, feito no Tribunal de Melgaço, verificou-se a 3/8/1893. // António Fernandes, o “Guerra”, foi condenado em oito anos de prisão maior celular, seguido de doze de degredo, ou na alternativa de vinte anos de degredo. Os outros quatro apanharam oito anos de prisão maior celular, seguida de vinte anos de degredo, ou na alternativa de vinte e oito anos de degredo. A 7/11/1893 confirmou-se a sentença, e a 24/1/1894 os cinco criminosos recolheram à Penitenciária. // Em 1897 António Fernandes ainda se encontrava na Penitenciária de Lisboa. Dele, nada mais sei. /// (*) No «Correio de Melgaço» n.º 236, de 11/2/1917, fala-se no António Fernandes, chamando-lhe «celerado “Bera”», em lugar de “Guerra”.       

 

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