segunda-feira, 1 de outubro de 2018

POEMAS DO VENTO
 
Por Joaquim A. Rocha


 

desenho de Manuel Igrejas



TEMPOS DE GLÓRIA
 
 

Andava a jovem Inês

Na lavoura labutando

Quando o filho da Mercês

Lhe traz a nova brincando:

 

- Sabes tu, minha aguerrida,

Quem vem afoito a Melgaço?!

- Que voz assaz atrevida,

És tu tolo, ou madraço?!

 

- Nem uma cousa, nem outra;

Só te digo o que ouvi.

- Vai gozar com a Picouta,

Essa gosta mui de ti.

 

- Não compreendes, mulher,

O que te quero afirmar:

É o rei, que deus o quer,

Que está mesmo a chegar!

 

- És mentiroso e vil,

Reles bastardo embusteiro;

Não estamos em Abril,

É início de Janeiro. 

 

- Não me queres entender,

O rei vem tomar Melgaço;

Não acreditas, vais ver,

Eu não sou nenhum palhaço.

 

- Se vier, venha por bem,

Ao berço de Portugal;

Irei com ele também,

Para o bem e para o mal.

 

Tomaremos o castelo,

As muralhas de granito;

- Eu levarei camartelo,

Aqueles muros eu brito!

 

- Irá Paderne inteiro,

Também Prado e Remoães…

- Levarei o Zé Sineiro,

O Manetas e seus cães.

 

- Ao alcaide lembraremos:

«esta Vila é portuguesa»;

- Contra seu poder marchemos

A favor de Sua Alteza.

 

Ao longe ouviram marchar

Os mil cavalos reais;

À frente el-rei a mandar…

Atrás iam os demais!

 

- Avante, gente guerreira,

Pelo chão dos lusitanos;

Dêmos lição verdadeira

Aos vis perros castelhanos.

  
A infantaria avançava,

Eram bem mais de mil lanças;

Álvaro Pais nem sonhava:

Terminaram as bonanças.

 

Vem o rei, e logo Inês

Se ajoelha (linda tela):

- Este solo é português,

Não é praça de Castela.

 

Ergue-te daí, mulher,

E com a hoste te irmana;

Em breve, se deus quiser,

Esta terra é lusitana.

 

- Obrigada, meu Senhor,

Contra o ladrão lutarei;

Cubra-se o mundo de dor

Se outra for diversa lei.

 

Já perto da fortaleza

Ouvem-se gritos de medo;

Sentiam, como certeza,

A derrota e o degredo.

 

Aquela gente rezou…

O alcaide esperava

Ajuda que não chegou,

Milagre que já tardava.

  
Uma mulher, das da Vila,

Armada em forte e valente,

Moldada em frágil argila,

Grita com voz estridente:

 

- Sei que no vosso arraial

Há uma mulher decidida;

Melgaço será Portugal

Se me levar de vencida!

 

Referia-se à brava Inês,

Símbolo da força e bem;

Bonita, morena tez,

Um lindo olhar de desdém.

 

Aos ouvidos do soberano

Chegou a notícia arteira;

Sorriu, com sorriso lhano,

Achou graça à brincadeira.

 

Mas Inês, que tal ouvira,

Correu veloz prò seu rei:

- Meu Senhor, não é mentira,

A traidora enfrentarei.

 

Chamamos-lhe a Arrenegada

Por defender a Castela;

É virago bem armada,

E tem dentes de cadela.

  
Dom João, por precaução,

Cede à insólita luta;

Sem vincular a nação,

Sem desistir da disputa.

 

Eram da tarde três horas;

Um sol breve refulgia…

Chegavam as mães e noras,

As comadres da Folia.

 

De Fiães, veio a rainha,

Numa égua ajaezada;

Dom abade e a sobrinha,

A fidalga e a criada.

 

De Paços vem o “Faz-Tudo”,

E sua vizinha Alzenda;

Julgavam estar no entrudo,

Queriam assistir à contenda;

 

Todo o mundo queria ver

Aquela absurda liça;

Entre criaturas de crer,

Ouvintes da mesma missa.

 

Forte porta se abriu,

Dela surge a guerreira.

Romana deusa a pariu,

Não parecia verdadeira! 

 
 A Inês, sem embaraço,

Ergueu o braço e gritou:

- Por Portugal e Melgaço,

Ao bom deus meu corpo dou.

 

Lutaram horas a fio,

Numa ânsia de vencer;

Esqueceram chuva e frio,

O medo que faz tremer.

 

De repente, mão gigante,

- daquele chão lamacento –

Ergue troféu arrogante:

Mil cabelos e um cento!

 

Não se sabia quem era

A virago vencedora;

A Inês, feita quimera,

Ou a lacaia traidora.

 

Era Inês, quem o diria!

De olhos fixados no céu,

Pedindo a deus preitesia,

Melgaço para o rei seu.

 

O Dom João, comovido,

Disse-lhe com emoção:

- «És um peito destemido,

Tens alma de capitão

  
- Melgaço é minha terra,

Nobre rincão deste Minho;

Cem vales, agreste serra,

Verdes searas, alvo linho.

 

Vá-se embora o castelhano,

O cruel usurpador;

Viva Dom João soberano,

Um rei justo e sabedor.

 

Assim acaba a história,

Com um final tão feliz;

Inês Negra ganhou glória,

A outra, ruim chicória,

A fama de calhastriz.

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