POEMAS DO VENTO
Por Joaquim A. Rocha
desenho de Manuel Igrejas |
TEMPOS
DE GLÓRIA
Andava
a jovem Inês
Na
lavoura labutando
Quando
o filho da Mercês
Lhe
traz a nova brincando:
-
Sabes tu, minha aguerrida,
Quem
vem afoito a Melgaço?!
-
Que voz assaz atrevida,
És
tu tolo, ou madraço?!
-
Nem uma cousa, nem outra;
Só
te digo o que ouvi.
-
Vai gozar com a Picouta,
Essa
gosta mui de ti.
-
Não compreendes, mulher,
O
que te quero afirmar:
É
o rei, que deus o quer,
Que
está mesmo a chegar!
-
És mentiroso e vil,
Reles
bastardo embusteiro;
Não
estamos em Abril,
É
início de Janeiro.
-
Não me queres entender,
O
rei vem tomar Melgaço;
Não
acreditas, vais ver,
Eu
não sou nenhum palhaço.
-
Se vier, venha por bem,
Ao
berço de Portugal;
Irei
com ele também,
Para
o bem e para o mal.
Tomaremos
o castelo,
As
muralhas de granito;
-
Eu levarei camartelo,
Aqueles
muros eu brito!
-
Irá Paderne inteiro,
Também
Prado e Remoães…
-
Levarei o Zé Sineiro,
O
Manetas e seus cães.
-
Ao alcaide lembraremos:
«esta Vila é portuguesa»;
-
Contra seu poder marchemos
A
favor de Sua Alteza.
Ao
longe ouviram marchar
Os
mil cavalos reais;
À
frente el-rei a mandar…
Atrás
iam os demais!
-
Avante, gente guerreira,
Pelo
chão dos lusitanos;
Dêmos
lição verdadeira
Aos
vis perros castelhanos.
A infantaria avançava,
Eram
bem mais de mil lanças;
Álvaro
Pais nem sonhava:
Terminaram
as bonanças.
Vem
o rei, e logo Inês
Se
ajoelha (linda tela):
-
Este solo é português,
Não
é praça de Castela.
Ergue-te
daí, mulher,
E
com a hoste te irmana;
Em
breve, se deus quiser,
Esta
terra é lusitana.
-
Obrigada, meu Senhor,
Contra
o ladrão lutarei;
Cubra-se
o mundo de dor
Se
outra for diversa lei.
Já
perto da fortaleza
Ouvem-se
gritos de medo;
Sentiam,
como certeza,
A
derrota e o degredo.
Aquela
gente rezou…
O
alcaide esperava
Ajuda
que não chegou,
Milagre
que já tardava.
Uma mulher, das da Vila,
Armada
em forte e valente,
Moldada
em frágil argila,
Grita
com voz estridente:
-
Sei que no vosso arraial
Há
uma mulher decidida;
Melgaço
será Portugal
Se
me levar de vencida!
Referia-se
à brava Inês,
Símbolo
da força e bem;
Bonita,
morena tez,
Um
lindo olhar de desdém.
Aos
ouvidos do soberano
Chegou
a notícia arteira;
Sorriu,
com sorriso lhano,
Achou
graça à brincadeira.
Mas
Inês, que tal ouvira,
Correu
veloz prò seu rei:
-
Meu Senhor, não é mentira,
A
traidora enfrentarei.
Chamamos-lhe
a Arrenegada
Por
defender a Castela;
É
virago bem armada,
E
tem dentes de cadela.
Dom João, por precaução,
Cede
à insólita luta;
Sem
vincular a nação,
Sem
desistir da disputa.
Eram
da tarde três horas;
Um
sol breve refulgia…
Chegavam
as mães e noras,
As
comadres da Folia.
De
Fiães, veio a rainha,
Numa
égua ajaezada;
Dom
abade e a sobrinha,
A
fidalga e a criada.
De
Paços vem o “Faz-Tudo”,
E
sua vizinha Alzenda;
Julgavam
estar no entrudo,
Queriam
assistir à contenda;
Todo
o mundo queria ver
Aquela
absurda liça;
Entre
criaturas de crer,
Ouvintes
da mesma missa.
Forte
porta se abriu,
Dela
surge a guerreira.
Romana
deusa a pariu,
Não
parecia verdadeira!
A Inês, sem embaraço,
Ergueu
o braço e gritou:
-
Por Portugal e Melgaço,
Ao
bom deus meu corpo dou.
Lutaram
horas a fio,
Numa
ânsia de vencer;
Esqueceram
chuva e frio,
O
medo que faz tremer.
De
repente, mão gigante,
-
daquele chão lamacento –
Ergue
troféu arrogante:
Mil
cabelos e um cento!
Não
se sabia quem era
A
virago vencedora;
A
Inês, feita quimera,
Ou
a lacaia traidora.
Era
Inês, quem o diria!
De
olhos fixados no céu,
Pedindo
a deus preitesia,
Melgaço
para o rei seu.
O
Dom João, comovido,
Disse-lhe
com emoção:
-
«És um peito destemido,
Tens
alma de capitão.»
- Melgaço é minha terra,
Nobre
rincão deste Minho;
Cem
vales, agreste serra,
Verdes
searas, alvo linho.
Vá-se
embora o castelhano,
O
cruel usurpador;
Viva
Dom João soberano,
Um
rei justo e sabedor.
Assim
acaba a história,
Com
um final tão feliz;
Inês
Negra ganhou glória,
A
outra, ruim chicória,
A
fama de calhastriz.
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