terça-feira, 31 de julho de 2018


Valter Alves

Joaquim A. Rocha

 

MELGACENSES NA I GRANDE GUERRA

 


desenho de Rui Nunes 
 

 

 

 

 

 

Prefácio

 

 

    Lê-se na contracapa do livro «Portugal, Grande Guerra (1914-1918)», publicado pelo Diário de Notícias: «A Grande Guerra, depois conhecida como Primeira Guerra Mundial, deflagrou na Europa nos primeiros dias de Agosto de 1914 e só terminou com a assinatura do Armistício, em 11 de Novembro de 1918. Iniciada com a invasão da Bélgica pelas tropas da Alemanha, na convicção de uma campanha curta, a guerra só viria a parar 52 meses depois, com 65 milhões de homens mobilizados, oito milhões e meio de mortos, 20 milhões de feridos, milhares e milhares de prisioneiros e desaparecidos. Só parou com o esgotamento de recursos, a destruição das cidades, a desolação dos campos e um imenso sofrimento. Estendeu-se dos campos da Flandres a todo o mundo. Da Europa ao Médio Oriente; da África ao Extremo Oriente; da América a todos os espaços marítimos. Todos os povos sofreram, beligerantes ou não, para que um mundo, supostamente novo, fosse edificado em cima de uma imensa dimensão de dor. Portugal participou em três frentes de combate (Angola, Moçambique e Flandres), mobilizou mais de 100 mil homens e deixou nos campos de batalha mais de oito mil mortos. A Grande Guerra demonstrou como era frágil a ordem internacional, baseada no equilíbrio de poderes e na rede de alianças tecida por uma complexa e intrincada matriz de relações entre as nações. O campo de batalha modificou-se. O mundo percebeu a sua nova dimensão. Passámos todos a ser vizinhos        

     Depois desta leitura, deste impressionante resumo, pouco mais haveria a dizer sobre o gigantesco conflito. De um lado lutou a França, Inglaterra, Bélgica, Estados Unidos da América, Japão, Rússia, Itália, Portugal e Roménia. Do outro lado estava a Alemanha, a Áustria, a Bulgária e a Turquia, além de outros países menos interventivos. A bem dizer, todos os povos do planeta Terra se viram, de uma forma ou de outra, envolvidos nessa imensa teia, tecida por cérebros doentios, prenhes de raiva, ansiosos por tudo destruir. O ódio, a ganância, a ausência de bom senso e lucidez, levaram ao caos, à fronteira do nada, imensos países, alguns deles já com histórias ricas e milenares. Foi nesta terrível guerra que o cabo Adolfo Hitler aprendeu a arte de bem guerrear. No fim da matança foi viver para a Alemanha, embora fosse natural da Áustria, semeando o ódio, o espírito de vingança, que infelizmente conduziria à monstruosa segunda Grande Guerra.

     Mais de setenta melgacenses sentiram na pele o que é lutar por causas alheias. Que interessava a estes bisonhos rapazes, quase todos trabalhadores agrícolas ou oficinais, operários, empregados no pequeno comércio, ir combater contra alemães e outros, gente que não conheciam de lado nenhum, os quais tinham uma cultura, uma maneira de ser diferente da sua, outros interesses, que nunca lhes tinham causado quaisquer prejuízos? Alguns desses jovens ainda reagiram, criticando, tentando fugir, mas foram caçados como lebres e atirados para dentro de um navio com destino a França, teatro das grandes operações guerreiras.

     Eram carne para canhão! Não morreram todos, é certo, mas o que padeceram, o que os seus olhos viram, a fome, a sede, frio, o terror, a morte de companheiros, causaram-lhes mazelas que jamais, enquanto viveram, eliminaram do seu corpo. Um ou outro regressou com o cérebro patologicamente afetado, a pedir internamento, mas todos sem excepção sentiram os malefícios de um conflito mundial, provocado por mentes satânicas. Até os deuses, que no passado intervieram a favor ou contra, desta vez estiveram ausentes, com medo talvez de também eles serem mortos ou feridos pelos ferozes humanos. E mais: os alemães, ingleses, etc., estavam minimamente preparados para a guerra: treinaram-se, tinham equipamento adequado, aviação, navios… Os portugueses nada possuíam: mal vestidos, mal calçados, mal alimentados, mais pobres do que Job, foram apenas à guerra para fazer número.

     Consta que os ingleses ainda aconselharam o governo português a não participar ativamente no conflito, mas o 1.º ministro, Afonso Costa, e seus camaradas de partido, além de outros, bem colocados na vida, acharam por bem entrar na guerra a fim de manterem as colónias em poder de Portugal. Era um pretexto ridículo, irrelevante, pois sabe-se que o nosso país nunca tirou proveito das enormes riquezas existentes em Angola, Moçambique, etc. Um modesto exemplo: na Guiné-Bissau, no ano de 1966, nem um por cento da população guineense falava português! Não se viam escolas primárias em nenhuma parte dessa ex-colónia; apenas em Bissau havia estudos até ao chamado quinto ano do liceu. Não havia indústria; não havia estradas dignas desse nome… Oitenta por cento dos habitantes residia em pequenas cubatas. Por aqui se vê o interesse que as colónias suscitavam a Portugal. É óbvio que a Alemanha e a Inglaterra, além de outros países europeus, olhavam com interesse, com cobiça, avidez, para esses territórios, tão mal protegidos pelos portugueses. Sabiam que ali havia petróleo, ouro, diamantes, madeiras, etc., e quão fácil era apoderarem-se desses tesouros. Portugal não tinha forças armadas bem apetrechadas, possuíam armas obsoletas, meia dúzia de navios, seria fácil vencê-las, provavelmente nem seria necessário usar a violência. Se a Alemanha ganha a guerra apoderar-se-iam com certeza desses territórios africanos. Como não ganhou em 1914-1918 nem em 1939-1945, os lusos continuaram a ser donos e senhores dessas riquíssimas terras. Foi necessário haver uma guerra colonial, acontecer o 25 de Abril de 1974, para essas colónias passarem a ser países independentes. Em Angola ainda é possível que a língua portuguesa vingue, mas em Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, duvido que isso aconteça. Cabo Verde, por exemplo, já tem uma língua própria, o crioulo. Na Guiné-Bissau, embora a sua área seja relativamente pequena, falam-se cerca de dez idiomas diferentes: balanta, fula, bijagó, manjaco, papel, mandinga, etc.                   

       Lembrando novamente os melgacenses que foram mobilizados para I Grande Guerra: quanto a mim poder-se-ão considerar heróis, apesar de todos eles, em princípio, terem sido forçados a ir combater. Fizeram-no com coragem, ao ponto de meia dúzia deles deixarem lá a própria vida, sobretudo aquando da célebre batalha de La Lys, a 9/4/1918, onde os alemães destroçaram, aniquilaram, as nossas forças, praticamente todo o Corpo Expedicionário Português. Aqueles que não morreram, ou ficaram feridos, ou foram feitos prisioneiros pelos alemães, tornaram-se a bem dizer escravos dos ingleses, usando-os somente para abrir valas, ou trincheiras; não os queriam a lutar, devido ao seu desalento, à sua visível fragilidade.

     Não é fácil resistir muito tempo em cenário de guerra: o corpo fraqueja, o espírito esmorece, a mente cede. Daí as punições. No início, nos primeiros meses de 1917, os soldados não tiveram grandes castigos; porém, à medida que o tempo foi passando, começaram a “sujar” a caderneta. Por dá cá aquela palha lá vem o castigo: dez dias de detenção, cadeia militar, etc. Salvo rara excepção, todos sofreram punições. Por vezes, até os próprios oficiais eram punidos! A disciplina era tão importante em tempos mavórticos, belicosos, como a alimentação. As ordens eram para serem cumpridas: desobedecer poria em causa toda a estratégia, toda a organização.       

     Inserimos neste livro os nomes do general José Domingues Peres e de seu filho tenente Manuel José Domingues Peres, nascidos na cidade do Porto, devido a terem casado com senhoras melgacenses. Além disso, o tenente Peres - filho e marido de melgacenses - residiu muitos anos no concelho de Melgaço, nasceram-lhe aqui os filhos, e aqui morreu e foi sepultado.     

     Fazemos votos para que a Câmara Municipal de Melgaço preste homenagem a estes valentes homens, embora na sua maioria agindo contrariados, mais não seja atribuindo-lhe o nome de uma rua, ou mandando erguer um pequeno monumento com os seus nomes, como normalmente fazem em outras terras, para que a sua memória perdure.
                              
                                     Joaquim A. Rocha




NOTA: o que o caro leitor acaba de ver e ler é o esboço para um futuro livro, escrito a duas mãos. Trata-se de um livro que já devia ter sido escrito há muitos anos atrás, mas a única pessoa em Melgaço que o podia ter feito, Dr. Augusto César Esteves, não o quis fazer ou não pôde faze-lo. Agora, passados cem anos sobre o fim dessa horrível guerra, apareci eu, natural de Cristóval, e o meu amigo Valter Alves, professor do Ensino Secundário, natural da freguesia de São Paio de Melgaço, e ambos metemos mão à obra, e o resultado está à vista. O livro está quase pronto. A edição será patrocinada pela Câmara Municipal de Melgaço, se assim o desejarem; caso contrário serão os dois autores a suportar as despesas da edição. É óbvio que Melgaço deve prestar uma homenagem àqueles humildes moços que tanto sofreram em nome da pátria. Erguem-se estátuas a uma Inês Negra, nascida de uma lenda, e esquecem-se as pessoas reais? Dá-se o nome de um capitalista a uma praça da sede do concelho e olvidam-se todos aqueles que combateram em França e na África! Dá-se o nome de um pároco a uma rua, o qual serviu o regime fascista de alma e coração. E o que diz aos melgacenses o nome de Afonso Costa, o tal ministro que enviou mais de setenta rapazes de Melgaço para a guerra? Eu não pedirei nada à Câmara, não está na minha maneira de ser pedir, mas espero que reaja favoravelmente a este acontecimento. Melgaço não pode atirar para o limbo os seus filhos.