GENTES DO CONCELHO DE MELGAÇO
CHAVIÃES
Por Joaquim A. Rocha
Nota: a 1.ª parte deste texto é repetida.
PEREIRA,
Petronila (*). Filha de Maria Rita Pereira (ver na vila de
Melgaço), solteira, natural e paroquiana da
Vila, SMP, mas moradora no lugar do Escuredo, Chaviães. Neta materna de Maria
Bernarda Pereira (ver em Chaviães), a morar no dito lugar. Nasceu em Chaviães a 27/6/1860 e
foi batizada pelo padre JLBC a 2 de Julho desse ano. Padrinhos: António Joaquim
Rodrigues, solteiro, lavrador, residente no lugar da Igreja, e Maria Caetana da
Cunha, solteira, moradora no lugar do Outeiro, ambos da freguesia de Chaviães. //
Quando o militar do exército José Domingues Peres, nascido no Porto, chegou a
Melgaço, na década de oitenta do século XIX, comandando uns quantos soldados, a
fim de apaziguar os ânimos do povo de algumas freguesias melgacenses, que não
deixavam enterrar os mortos fora das igrejas, por acharem que a alma dos
defuntos só dentro da igreja, no lugar sagrado, se purificavam, engraçou com a
Petronila e levou-a com ele. Moraram em Aveiro e no Porto. Geraram alguns
filhos, entre eles o tenente Peres (ver, na vila de Melgaço, Manuel José
Peres), nascido no Porto, mas o qual casou
em segundas núpcias com a melgacense Esmália de Nazaré dos Santos Lima. // O
seu marido foi mobilizado em 1917 para combater em França, aquando da I Grande
Guerra. Devia ter uma patente elevada, talvez capitão, pois quando se reformou
já era general. // Ela faleceu em Junho de 1929. // Nota:
também foi mãe de Georgina Cândida Peres, casada com António Ernesto de
Almeida, tenente de infantaria 24, e avó de Maria José de Lima Peres de Almeida
(nascida
a 9/10/1914). /// (*) No assento de óbito de seu filho, Manuel José Peres, e
noutros documentos, diz-se que o seu nome era Petronila Cândida de Lima! Teria sido perfilhada?!
AS
MARIAS DA FONTE DE CHAVIÃES
António Bernardo da Costa Cabral (1803-1889), marquês de Tomar, foi
nomeado ministro do reino pela rainha D. Maria II. Empolgado com tal nomeação,
quis mostrar obra. Então, faz publicar o novo código administrativo (1842),
reorganiza a guarda nacional, e leva a cabo a reforma das Câmaras Municipais
(1842-1843). Embora o automóvel ainda não existisse, tenta rasgar novas
estradas, pois aquelas que havia, poucas, eram quase todas do tempo dos
romanos! O parlamento, também ele entusiasmado, aprova três leis que Costa
Cabral tenta pôr em prática: a lei da saúde (proibia os enterramentos dentro
das igrejas); a lei da contribuição de repartição (obrigava à declaração dos haveres
e dos rendimentos de cada pessoa); e a lei das estradas (impunha aos homens
válidos quatro dias de trabalho anuais gratuitos). Os adversários de Costa
Cabral, sobretudo os adeptos de D. Miguel, exilado desde 1834, entre os quais
muitos clérigos, que entretanto tinham perdido grande parte do poder, que
usaram despoticamente, aproveitaram estas três leis, impopulares, para
derrubarem o chefe do governo. Em Março de 1846, na freguesia de Monte Arcada,
Póvoa de Lanhoso, um cadáver ia ser enterrado fora da igreja. Contudo, as
mulheres, jovens e mais velhas, após centenas de homilias, anos a fio a ouvirem
dizer que o demo reencarnara no liberal, não permitiram que o corpo da defunta
fosse sepultado no adro. Deu-se então início à revolução chamada «Maria da Fonte»,
que só terminaria em Junho de 1847, pela Convenção de Gramido. Os anos foram
passando, o marquês deixou o governo, veio a regeneração, e com ela o fontismo.
O país progrediu, parece que estávamos no bom caminho. Porém… // A introdução
tem a ver com aquilo que eu vou escrever a seguir: Chaviães, junto ao rio
Minho, é uma das freguesias mais antigas de Melgaço. Com uma população média de
seiscentos a setecentos habitantes no século XIX, vivendo do seu trabalho
agrícola e da pesca no rio, além da pirotecnia, não dava azo a grandes
notícias. No entanto, aquela lei da saúde não agradou àquela gente humilde.
Comentavam: «Que raio, depois de mortos
sermos enterrados fora da igreja, do local sagrado, é demais! Nós não somos
cães, nem gatos, temos alma.» Os padres estavam receosos: por um lado
queriam cumprir a lei, mas por outro lado bem gostariam de contrariar aquela
“gentalha” do liberalismo que tanto mal lhes causara. E o povo era maleável,
era preciso lançar a semente da revolta; eles sabiam que os cadáveres
sepultados na igreja poderiam provocar graves doenças, mas não desejavam
colaborar com os políticos saídos da revolução de 1820 – isso nunca! Os anos
foram passando, o conflito entre o governo de Lisboa e o poder local, sobretudo
com alguns concelhos conservadores do norte do país, estava latente, mas a
distância e a dificuldade nos transportes e comunicações da altura iam adiando
a execução das leis nacionais. O cura de Chaviães, Bernardo António Rodrigues
Passos, irmão do médico Passos, ia gerindo as suas contradições conforme podia.
No dia 31/1/1885 convenceu a família de Maria Caetana a enterrá-la no adro da
igreja. A população não gostou, mas as coisas ficaram por ali. Em Março do
mesmo ano Ludovina Rosa também foi sepultada no adro. O povo bufava! No dia
1/5/1885 também foi sepultado no adro Vitorino José Esteves. Foi a gota de água
que fez transbordar o copo. No dia 16 desse mês e ano ia a enterrar António
Jacinto Gonçalves; porém, as mulheres, munidas de enxadas, forquilhas, ferros,
ancinhos, e outras alfaias agrícolas, invadiram o templo sagrado, abriram uma
cova no chão da igreja e ali enterraram o cadáver. O padre Bernardo limitou-se
a ser um mero espectador. No assento de óbito escreveu: «… dando eu disto parte à autoridade administrativa em meu ofício de 19 do
mesmo mês de Maio.» A revolta das chavianenses surpreendeu algumas pessoas,
mas não todas. Sabia-se que essa lei nunca fora bem aceite na província.
Enterrar os mortos fora da igreja, em espaços livres, onde os cães e porcos, e
galinhas, e outros animais, andavam à vontade, passeando-se por cima das campas,
levantava sérios problemas de consciência. A religião era assunto sério. A
autoridade administrativa, ciente do seu dever, interveio duramente: as
revoltosas teriam de se resignar; a saúde das populações, num tempo em que a
higiene pessoal e coletiva deixavam muito a desejar, estava acima das crenças.
Os próximos três enterramentos foram de facto feitos no adro da igreja – 14 de
Junho, 23 de Agosto e 13 de Setembro de 1885; mas no dia 21 de Outubro faleceu
Maria das Dores Simões, com apenas 35 anos de idade, esposa de Luís António
Alves e mãe de uma menina. As “amazonas” de Chaviães, e provavelmente de outras
freguesias vizinhas, armadas com tudo aquilo que apanharam a jeito, acompanharam
o funeral e obrigaram o pároco a enterrar o corpo na igreja! Escreveu ele: «e foi sepultada dentro da igreja de Chaviães
por causa do mulherio revoltado que obstou ao enterramento fora dela.» Nos
próximos enterramentos o vigário escreveria: «… e foi sepultada dentro da igreja desta freguesia por causa retro
mencionada»; «e foi sepultada dentro
da igreja (…) pelo motivo retro indicado»; «… e foi sepultada dentro da igreja por causa do obstáculo já indicado»;
«… por força maior obstar a ser fora.»
Cansado de repetir a mesma lengalenga o abade escreveu, depois de 25/10/1886: «e foi sepultada na igreja na falta de
cemitério público.» Era uma desculpa. Naquele tempo os cemitérios ficavam
baratíssimos: a mão-de-obra era abundante e mal paga, os terrenos praticamente
oferecidos, e as campas eram rasas; o coveiro exercia simultaneamente outra
profissão. O problema residia na fé: os cristãos estavam convencidos de que a
alma do defunto ficaria desprotegida, não iria para o purgatório ou para o céu
caso o corpo não fosse sepultado na igreja! Com o tempo, e o avanço da ciência,
as coisas alteraram-se, para melhor, os cemitérios foram murados, e no seu
interior erigida uma capela, mas - apesar de tudo - o obscurantismo, a
superstição, ainda andam por aí! (Artigo publicado no jornal “Fronteira Notícias”, n.º 10, de
8/4/2005.)
Sem comentários:
Enviar um comentário