terça-feira, 29 de janeiro de 2019

GENTES DO CONCELHO DE MELGAÇO
(microbiografias)
 
VILA DE MELGAÇO (SMP)
 
Por Joaquim A. Rocha





melgacenses do século XIX


SOUSA, António (Dr.) Filho de Custódio Manuel de Sousa, de Labrujó, e de Rosa Pereira, de Vascões, Paredes de Coura, proprietários. Nasceu em Labrujó, Ponte de Lima, por volta de 1850. // Veio para Melgaço em 1877, ano em que terminara o curso de Medicina e Cirurgia na Universidade de Coimbra, a fim de assumir o cargo de facultativo municipal. // Em 1896 esteve em Castro Laboreiro e declarou que era urgente tomar providências com o objetivo de extinguir a doença chamada «influenza», que ali grassava. // Em 1897 tornou-se administrador efetivo do concelho de Melgaço, tendo como substituto o Dr. Durães (pai). // Em 1898 pediu a exoneração de cirurgião-ajudante do exército (Valenciano n.º 1835, de 27/2/1898). // Em Junho de 1907 era de novo administrador do concelho, mas logo pediu a demissão (JM 693, de 25/7/1907). // Em 1908 deslocou-se a Viana a fim de prestar juramento como administrador do concelho de Melgaço; era na altura Governador Civil do distrito o Dr. Luís Augusto de Amorim, cuja posse lhe tinha sido dada recentemente (JM 724). // Tomou posse de administrador a 10/3/1908. // Nesse ano de 1908 era ele o chefe do Partido Progressista em Melgaço e diretor clínico da Empresa das Águas Minerais do Peso (JM 732, de 7/5/1908). // A 19/4/1909 foi padrinho de António Rodrigues, nascido na Vila a 13 desse mês e ano; a madrinha era Maria Joaquina Pires, solteira, proprietária. // Depois de Outubro de 1910 o regime mudou, vieram os republicanos tomar conta do poder, foi demitido de médico municipal pelo presidente da Comissão Administrativa, João Pires Teixeira; ele interpôs recurso à Comissão Distrital, que o reintegrou, recebendo todos os vencimentos em atraso (Correio de Melgaço n.º 74, de 9/11/1913); a partir daí abandonou a política ativa. // No jornal citado, n.º 74, alguém lhe dedicou um poema. // A 1/12/1912 foi nomeado diretor clínico, interino, do hospital da SCMM. // Morreu na sua casa de Eiró de Baixo, Rouças, a 17/5/1914, domingo, no estado de solteiro, com sessenta e quatro anos de idade, e foi sepultado na terça-feira no cemitério público, no jazigo de Emília de Barros Durães (ver Correio de Melgaço n.º 101, de 24/5/1914). // O Dr. António Fânzeres, médico em Paredes de Coura, candidatou-se ao seu lugar, mas não foi escolhido (Correio de Melgaço n.º 106 e 108). O escolhido pela Câmara a 16/7/1914 foi o Dr. Miguel Pereira da Silva Fonseca, de Barcelos, mas penso que não chegou a vir para Melgaço. // Finalmente foi substituído, como facultativo, pelo Dr. Germano Augusto Fernandes, de Monção, tomando posse a 23/1/1915; mas, apesar de ter recebido dinheiro da Câmara Municipal, não apareceu ao serviço, deixando-se ficar por Famalicão. Veio depois o Dr. Manuel Pinto de Magalhães, médico em Lousada, o qual foi nomeado pela Câmara Municipal em reunião extraordinária de 24/5/1915. // A Casa e Quinta de Eiró foram por ele e seu irmão Francisco, contador do juízo, casado com Maria Pia Pereira de Castro, da Casa de Galvão, doados à Santa Casa da Misericórdia de Melgaço a fim dali ser instalado um Asilo para pobres, o que veio a acontecer depois de 20/9/1936. Daí chamar-se Lar Pereira de Sousa, em homenagem aos dois irmãos. // Além do Francisco, tinha outro irmão: José António Pereira de Sousa, casado, advogado, residente na Vila dos Arcos de Valdevez. // Nota: embora no seu assento de óbito se diga que morreu solteiro e sem filhos, consta que gerou em Maria Pires, sua empregada, uma criança do sexo masculino, à qual deram o nome de António, mais tarde comerciante na Vila, conhecido por “António Xinto”. Verdade? Mentira?

 
SOUSA, Francisco. Filho de Custódio Manuel de Sousa, de Labrujó, Ponte de Lima, e de Rosa Pereira, de Vascões, Parede de Coura. Nasceu na dita freguesia de Labrujó por volta de 1854. // Veio para Melgaço como contador do juizo de direito. Como tinha aqui o seu irmão médico, Dr. António Pereira de Sousa, por aqui se deixou ficar. // Casou em 1916 (pelo civil na freguesia de Rouças, onde residia, e pelo religioso nos Arcos de Valdevez – ver Correio de Melgaço n.º 210, de 6/8/1916, e n.º 211, de 13/8/1916) com Maria Pia Pereira de Castro, da Casa de Galvão. // Morreu a 14/2/1919. // A sua viúva finou-se a 24/11/1935. // Sem geração. // Por ter doado a Casa e Quinta de Eiró de Baixo à SCMM esta, em sua homenagem, deu ao Asilo o nome de “Lar Pereira de Sousa”.    

domingo, 27 de janeiro de 2019

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha
 
 
 
 
 
 
AFOGAMENTOS
 
 
     Fica-nos sempre a dúvida se estas mortes poderiam ter sido evitadas. Segundo a lei da natureza, todos terão de morrer, mas ir-se embora desta vida assim, por desleixo, por loucura, por desespero, deixa-nos a pensar. Viver é bom, mesmo que as condições nos sejam adversas. No tempo do outro regime, que terminou com o 25 de Abril, a maioria da população portuguesa passava mal, chegando por vezes a sentir carências primárias, mas apesar disso o povo ultrapassava essas mil dificuldades: em todas as freguesias havia festas, bailes, etc. As vindimas, as desfolhadas, a matança do porco, transformavam-se em pequenas festas, brotava alegria pelos campos e pomares. Havia também tristeza, ninguém o pode negar, as doenças surgiam com alguma regularidade, morria-se por falta de medicamentos adequados...
 


// MELO, Atanásio. Nasceu em ---------, a 12/5/1863. // Morreu a 13/3/1888. Apareceu afogado no rio Trancoso. Este pequeno rio faz fronteira com a Galiza entre Castro Laboreiro e o lugar de Cevide, freguesia de Cristóval. Era solteiro, guarda da alfândega, e fora exposto na freguesia de Monserrate, Viana do castelo, não se sabendo, por conseguinte, quem eram seus pais; achava-se em serviço no ponto fiscal de São Gregório. // Foi sepultado na igreja de Cristóval, Melgaço. 
 

     // ESTEVES, José Miguel. Filho de Diogo Luís Esteves e de Maria Marcelina de Jesus Gomes de Araújo, residentes no lugar de Fonte. Neto paterno de Manuel António Esteves e de Maria Rosa Alves, de Aldeia; neto materno de Caetano Manuel Gomes de Araújo e de Vicência Rosa de Araújo Fernandes, do dito lugar de Fonte. Nasceu na freguesia de Chaviães, Melgaço, a 14/3/1845 e foi batizado pelo padre MJGB a 18 desse mês e ano. Padrinhos: José Miguel, filho de João da Cunha Araújo, e sua tia Maria, da Quinta de São Julião, SMP. // Lavrador. // Casou com Dolores Coutinho. // Morreu afogado, na tarde do dia 1/8/1889, no poço do Crasto, do lado de cima da pesqueira do Conle, ou Canle, nos limites da freguesia de Chaviães, por ter caído; já estava viúvo; não fizera testamento e foi sepultado na igreja paroquial no dia cinco desse mês e ano. // Pai de Manuel Maria. 


      // DOMINGUES, Maria. Filha de Manuel Domingues e de Joaquina Alves, moradores no lugar do Ribeiro, freguesia de Castro Laboreiro. Neta paterna de António Luís Domingues e de Josefa Proença; neta materna de Bento Manuel Alves e de Antónia Joaquina Gonçalves. Nasceu a 27/4/1869 e foi batizada na igreja a 2 de Maio desse ano. Padrinhos: Manuel Luís Bernardo e sua mulher, Maria Enes. // Lavradeira. // Faleceu a 24/1/1890, por afogamento (fica a dúvida se foi acidente ou suicídio, pois o pároco deixou registado no assento de óbito: «afogou-se no rio, ao passar no porto das Bacas»!). // Era solteira e foi sepultada no adro da igreja a 30/1/1890, o que significa que seu corpo ainda levou alguns dias a ser recuperado.   







quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha





 
CRIMES
 
(1913) - PINHO, Rosa. Filha de ----------- de Pinho e de --------------------------------------. Nasceu a --/--/18--. // Morou no lugar dos Casais, Paços. // A 13/1/1913 respondeu em processo correcional «porque tendo encontrado um lenço com duas notas de 20$00, pertencente a Ana Migueis, se recusou fraudulentamente a entregar-lhas.» Foi assim condenada em 60 dias de prisão correcional, 10 dias de multa, e custas e selos do processo. Foi seu defensor o Dr. Augusto Lima (Correio de Melgaço n.º 33, de 19/1/1913).  
 
(1913) - RODRIGUES, António. Filho de -------- Rodrigues e de -----------------------------. Nasceu em Queirão, Paderne, a --/--/18--. // A 15/8/1912 recebeu de Eduardo das Neves & Irmão, de Aveiro, milhares de sardinhas, tendo o Dr. Vitoriano de Castro, subdelegado de saúde, mandado queimar 7.500 delas; isto no Peso (Correio de Melgaço n.º 11). // No Correio de Melgaço n.º 64, de 31/8/1913, pode ler-se: «na tarde de sexta-feira, nas proximidades do Peso, deu-se um crime que reclama imediato castigo. António Rodrigues, o Tostas, peixeiro de Paderne, foi vítima de um tal Luís, o Paradinha, músico, da Granja, Alvaredo, que lhe desfechou diversas pancadas com uma gancha de ferro, prostrando quase sem vida o infeliz Tostas, pelo facto presumível de ter a cavalgadura deste, num dos dias da última semana, comido uns pendões numa propriedade próxima ao hotel Ranhada, pelo que pagara de multa um escudo. O paciente recolheu, gravemente ferido, ao hospital da Misericórdia e julga-se que seja fatal o desenlace. O malvado fugiu, ignorando-se o seu paradeiro      


 

(1913) - GONÇALVES, Maria Rosa. Filha de Rosa Gonçalves, solteira, de Portelinha, Castro Laboreiro. Neta materna de Joaquim Gonçalves e de Luísa Rodrigues. Nasceu a 17/4/1883 e foi batizada a 22 desse mês e ano. Madrinha: Maria Gonçalves, viúva, tia materna. // Lê-se no “Correio de Melgaço” n.º 85, de 1/2/1914: «Pela autoridade administrativa de Castro Laboreiro foi capturada a 28/1/1914 MRG, casada, do Rodeiro, que a 29/8/1913, por questões de ciúme, deu diversas punhaladas na sua prima Guilhermina Gonçalves, solteira, do mesmo lugar, a qual sucumbiu aos ferimentos recebidos a 20/9/1913. Conduzida para esta Vila (SMP) foi entregue às autoridades judiciais, dando entrada na cadeia.» // No Correio de Melgaço n.º 109, de 28/7/1914, lê-se: «No tribunal desta comarca respondeu hoje, em audiência geral, Maria Rosa Gonçalves e João Rodrigues Belchior, de Castro Laboreiro, acusados do crime de que foi vítima Guilhermina Gonçalves, também de Castro.» // No Correio de Melgaço n.º 110, de 4/8/1914, a notícia é dada com mais desenvolvimento: «Realizou-se nos dias 28 e 29 de Julho o julgamento em audiência geral de MRG e de JRB, acusados de a 29/8/1913, no Ribeiro de Cima, terem-se envolvido em desordem com Guilhermina Gonçalves, vibrando-lhe diversas punhaladas, de cujos ferimentos veio a falecer a 20/9/1913. A Maria Rosa foi condenada em dois anos de prisão correcional, custas e selos do processo, levando-se-lhe em conta o tempo já sofrido, sendo absolvido o J.R.B.» // Faleceu a 29/3/1945.
 
 

 

 



 
 

 

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

POEMAS DO VENTO
 
Por Joaquim A. Rocha

 

 
 "ESGANARELO"

Andava o Esganarelo

Pelas ruas da cidade,

Vendendo fel e farelo,

E tretas da mocidade.

 

Oferecia-nos mentiras

Em troca de um sorriso;

Eram “pérolas”, “safiras”,

Para gente sem juízo.

 

Eu fingia acreditar,

Para vê-lo satisfeito;

Ei-lo então a inventar,

Sem pejo, menor respeito.

 

Eu ria-me, sem vontade,

Só para o ver divertido;

A mentira, falsidade,

Não entra no meu ouvido.

 

Dizia-lhe que eram horas

Da gente se retirar;

Enterrava-lhe as esporas

Para ele relinchar.

 

Mas o louco palrador

Queria era dar à língua;

Não ligava à minha dor,

À pobre da minha íngua.

 

Eu disse-lhe bruscamente:

Vá-se embora, não fale mais;

Intruja mil, toda a gente,

Até melros e pardais!

 

Vá pregar pra São Martinho,

Para Paços, Lamaçães;

Beba-lhe uns copos de vinho,

Com presunto de Fiães.

 

E não volte mais aqui,

Eu não o quero ver mais;

Minta à Rosa, à Lili,

À barcaça do arrais.

 

Minta a cem esgrouviados,

A mendigos, chimpanzés;

Percorra feiras de gados,

Mil bares e cabarés…

 

Minta ao velho Tringuelheta,

Que fez rir Juca e Gú;

À Maria Pandeireta,

Ao sogro de Belzebu;

 
 

Mas não me minta a mim,

Que não acredito em nada;

Já em bebé era assim:

Fugia da palhaçada.

 

Quando seus olhos de rato

Me virem ali na rua;

Não finja que é forte gato

Que eu sou refeição sua.

 

Por favor, deixe-me em paz,

Busque presas noutro lado;

Uma menina, rapaz,

Um palerma, estouvado. 

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

ESCRITORES MELGACENSES
 
Por Joaquim A. Rocha




António Joaquim de Castro Feijó

 
     Foi por pouco que não nasceu em Melgaço, terra do seu pai. Apesar de não ter nascido em terras melgacenses sentimos muito orgulho nele e na sua obra.
 

     Filho de José Agostinho Bulhão de Figueiroa Correia Feijó, nascido na Quinta da Cordeira, Rouças, Melgaço, e de Joana do Nascimento Malheiro Pereira de Lima Sampaio, nascida em Ponte de Lima, onde fixaram residência. O futuro poeta António Feijó nasceu em Ponte de Lima a 1/6/1859. Lê-se no Pequeno Dicionário de Autores de Língua Portuguesa: «Diplomata e poeta. Fez os estudos preparatórios em Braga e cursou Direito em Coimbra, ingressando tempos depois na carreira diplomática: serviu no Brasil (Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco), e na Suécia como enviado extraordinário e ministro plenipotenciário. (…) Parnasiano, quiçá o mais autêntico dos poetas portugueses parnasianos da geração de oitenta, aproxima-se todavia de um simbolismo que prenuncia o modernismo na poesia portuguesa. Muito versátil, maneja com grande mestria uma enorme diversidade de metros, a que se acomoda com extrema facilidade, dando largas a uma sensibilidade delicada e mórbida em poemas onde se sentem influências que vão de Leopardi (pessimismo), Hugo e Baudelaire (aquisições estéticas) a Junqueiro e João Penha. Com o pequeno poema “Sacerdos Magnus” participou em 1881 na comemoração do Centenário de Camões e com “Transfiguração” (1882) estreou-se em livro. A partir das “Líricas e Bucólicas” um lirismo cálido e suave, onde predominam os temas da morte, do outono, das ruínas, instala-se na sua poesia. A tradução que Judite Gauthier fez do “Livro de Jade” inspirou-lhe o “Cancioneiro Chinês” (1890), livro composto de adaptações dos grandes poetas do século VIII, da dinastia dos Tang. Deixou colaboração na Revista de Coimbra, Correspondência de Coimbra, Evolução, no Diário da Manhã, na Folha Nova, no Novidades, e ainda em A Arte, revista coimbrã, orientada por Eugénio de Castro e Manuel da Silva Gaio, que desempenhou um importante papel na afirmação do Simbolismo em Portugal. Morreu em Estocolmo em 21 de Junho 1917.» Além das obras acima mencionadas, tem ainda: Janela do Ocidente, Ilha dos Amores, Sol de Inverno, Novas Bailatas, etc.
 
 




Nas Obras Completas de Augusto César Esteves, edição da Câmara Municipal de Melgaço, diz-se que ele casou com Maria Luísa Carmen Mercedes Joana Lewin, a qual faleceu em 1915, deixando dois filhos: António Nicolau e Joana Mercedes. // Aquando da morte da esposa, escreveu: «E eu nunca mais pude esquecê-la, nunca!» // «Chorando intimamente as suas grandes mágoas,/Sem Deus se comover na vastidão cerúlea.» // «… bem claro os íntimos pesares,/A tristeza profunda, o lúgubre desgosto, /Que murcharam a flor vermelha do seu rosto/E apagaram o brilho etéreo dos seus olhos         
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

terça-feira, 15 de janeiro de 2019


ESCRITOS SOBRE MELGAÇO

Por Joaquim A. Rocha



O TAGARELA



 

 

     Palradores sempre existiram: contudo, nem sempre tiveram a suprema felicidade de haver alguém com pachorra para os escutar. Por isso, é que essa espécie de indivíduos inventou os partidos políticos, e aí sim, falam, falam, até esgotarem a sua lábia ou cansarem o auditório. Quem ainda não viu deputados a dormir na Assembleia?! Não há efeitos sem causa. Conta-se que um grego que viveu há mais de dois mil anos ia pregar junto ao mar, a fim de treinar a sua dicção!

     Pois bem, em 1882 um curioso que passou por terras melgacenses registou para a posteridade estes apontamentos: «Os vereadores da Câmara de Melgaço têm-se visto e vêem-se embaraçadíssimos para poderem falar. Há ali um vereador que não deixa usar da palavra a nenhum dos colegas; entende que só ele deve falar. O falador não se cala, corta a palavra a todos, e até a presidência tem muitas vezes de meter a viola no saco! O bom do presidente chama à ordem; mas qual história!... é pregar no deserto. Muitas vezes as sessões chegaram a tal ponto que ninguém se entende: falam todos ao mesmo tempo. Isto assim será muito bonito, muito desfrutável, mas muita gente junta a falar, e ao mesmo tempo, só por música. No meio de semelhante babel o público que assiste às sessões sai dali sem saber de que se tratou. As opiniões confundem-se, as ideias baralham-se, e o secretário vê-se embaraçado para redigir as actas. Já cansado de tanto lhe matar o bicho do ouvido, um dos vereadores, veio aconselhar-se com um advogado daqui para ver se lhe dava remédio para tanta tagarelice. Levou uma minuta, mas não produziu, segundo me consta, o efeito desejado. Vinha a propósito contar a história do algarvio, mas para quê? – se todos a sabem! O melhor será que a Câmara crie uma postura, impondo uma multa àquele que falasse demais ou interrompesse demasiadamente os outros. É provável que o falador antes quisesse pagar a multa do que calar-se, com que o cofre do município engrossaria e já se não perdia tudo. Entretanto aconselho os senhores vereadores que quando forem para as sessões levem os bolsos cheios de bolinhos e amêndoas e que as vão dando ao falador para se calar. Haverá um mês, foi o falador a Lisboa e o deputado do círculo ficou espantado com aquela máquina falante. É uma azenha de palavras, é um moinho falante. Ninguém mais competente do que ele para corresponder às maçadas parlamentares do senhor Adriano Machado. À vista daquele, varreu feira. Aquilo é que é. Fale amigo, fale, é bom que mostre que nem todos são patos mudos. Deixe lá dizer quem diz, que quem fala muito alguma há-de acertar; também o grasnar dos gansos salvou o Capitólio, reza a história romana. Amigo, releve-me esta tirada e venha de lá um abraço, enquanto não tenha ocasião de o fazer pessoalmente

     Imagino que muitos dos leitores já estão a fazer comparações com os atuais vereadores, mas os tempos são outros, houve evolução, hoje é diferente – fala um de cada vez! A boa educação, a disciplina partidária, assim o recomendam. «O bom do presidente» era António Cândido de Sousa e Castro Moraes Sarmento, que faleceu em 1901, da Casa do Pombal, sita em Remoães, alguns anos mais tarde um dos proprietários das águas minerais do Peso, fidalgo cavaleiro da Casa Real «com 1$600 réis de moradia por mês e um alqueire de cevada por dia».

     Quanto aos vereadores, não sei quem eram; mas os nomes de José Cândido Gomes de Abreu, Lourenço José Ribeiro de Figueiredo e Castro, Carlos João Ribeiro Lima, Francisco José da Rocha, Caetano José de Abreu Cunha Araújo, Luís Vicente Gomes Pinheiro, Luís Camilo Gomes de Abreu, Joaquim José Nunes de Almeida, entre outros, andavam sempre nas listas para vereadores e juízes de direito substitutos, vindo alguns deles a assumir a presidência da Câmara Municipal (vigorava então o Código Administrativo de Rodrigues Sampaio, publicado em 1878). Porém, o professor Armando Malheiro da Silva, no Caderno n.º 3, editado pela Câmara Municipal de Melgaço, com o título «A Fortaleza de Melgaço: Pedras e Património», a páginas 19, informa os seus leitores de que em 1883 eram vereadores efetivos António Joaquim Alves Ramos, Carlos Fernandes e Manuel António Alves Sanches, e substitutos Francisco Rodrigues Barreiros, Manuel José Rodrigues e António Caetano de Castro. O edifício dos Paços do Concelho, onde decorriam as sessões, situava-se na Rua Direita, o qual servia também de cadeia.              

     Em 1882 reinava, mas não governava, Luís I, que recebera o trono em 1861 por morte de seu infeliz irmão Pedro V, o qual morrera de doença com apenas 24 anos de idade, sendo já viúvo da rainha D. Estefânia. Quem governava o país eram os partidos políticos pró-monárquicos: partido progressista, fundado por históricos e reformistas no Pacto da Granja a 7/9/1876, que tinha um líder carismático, José Luciano de Castro, e que mais tarde dele seria militante o nosso conterrâneo Hermengildo José Solheiro (1868-1931), presidente da Câmara Municipal de Melgaço de 1926 a 1931, e o partido regenerador, cujo chefe, Fontes Pereira de Melo, era nesse ano de 1882 presidente do conselho de ministros. Estes partidos alternaram no poder durante décadas (rotativismo). Além daqueles, existiam o partido republicano, que iria crescer após o ultimatum da Inglaterra a Portugal em 1890, cujo «projecto de organização definitiva» tinha sido escrito por Manuel de Arriaga, e o partido socialista, de José Fontana e de Antero de Quental.
 
     Mas voltando ao palrador: enquanto na Câmara Municipal se discutiam assuntos de lana-caprina, o povo ia morrendo à fome, à doença, ou emigrando para o Brasil e outras partes do mundo, em condições muitas vezes dificílimas; as crianças eram expostas na Casa da Roda a um ritmo assustador, das quais sobreviviam cerca de um terço, porque as amas contratadas, mal remuneradas, não lhes prestavam a assistência devida! Sobre estes crimes horrendos, acontecidos em Melgaço e em todo o país, um dia falarei com mais detalhe.



 

Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1059, de 15/10/1996.









sábado, 12 de janeiro de 2019


Joaquim A. Rocha

 
MELGAÇO:

PADRES, MONGES E FRADES

 


 
 
 
*
 
 
Edição de autor

 

Ficha técnica

 

Título: Melgaço: Padres, Monges e Frades

 

Autor – Joaquim Agostinho da Rocha

 

Capa – desenho de Luís Filipe Gonzaga Pinto Rodrigues

 

Desenhos – Luís Filipe Gonzaga Pinto Rodrigues

 

Execução gráfica –

 

Tiragem –

 

Depósito legal –

 

ISBN –

 

Data de edição – Janeiro de 2019

 
Correio eletrónico: joaquim.a.rocha@sapo.pt

Blogue: Melgaço, Minha Terra

 Telemóvel: 965815648

 

Obras do autor


Obras a publicar




 

Poemas do Vento

Sonetos do Sol e da Lua

Quadras ao deus dará

Escritos Sobre Melgaço

Entre Mortos e Feridos (romance)

Lembranças Amargas (romance)

Gentes de Melgaço: A a Z (biografias)

Dicionário Enciclopédico de Melgaço

A Minha Vida em Imagens

A minha religião e outros escritos

Auto da Palina

(Frágeis Elos (2.ª edição) 

 

Obras publicadas

 

Livros

 
Frágeis Elos (uma história familiar)

Dicionário Enciclopédico de Melgaço (I e II volumes)

Lina – Filha de Pã (romance)

Os Meus Sonetos e os do frade

(Os Novos Lusíadas  - 2018)

Melgacenses na I Grande Guerra

(em parceria com Walter Alves)

 

Separatas

 

A Origem de Algumas Famílias Melgacenses

A Febre Tifoide e os seus Protagonistas

Tomás das Quingostas (200 anos do seu nascimento)

A Provável Origem de Melgaço e Paderne

 

Prefácios nos seguintes livros de José A. Cerdeira e do Dr. Augusto César Esteves:

 

Tomaz das Quingostas (JAC)

O Buraco da Serpe (JAC)

A Adversidade por Madrasta (JAC)

O Sonhador dos Montes da Aguieira (JAC)

               Nas Páginas do Notícias de Melgaço (ACE)

 

Colaborações

 

No Boletim dos Serviços Sociais da CGD

No Boletim Cultural da Câmara Municipal de Melgaço

No jornal «A Voz de Melgaço»

No jornal «Fronteira Notícias»

Artigo sobre o santuário da Peneda no livro Lugares Sagrados

 de Portugal I, editado pelo Círculo de Leitores em 2016.

  

 

 

 

Introdução

 

    A igreja católica já tem muitos séculos de vida, mas no sítio chamado Melgaço deve-se ter instalado, salvo erro, na segunda metade da Idade Média. Como o país designado Portugal surgiu no século XII, e Melgaço já dele faz parte, será a partir desse século XII que eu incluirei os padres que aí exerceram a sua atividade. No entanto, temos de ter em conta que primeiro surgiram os mosteiros, antes da nacionalidade, mas até esses, o de Fiães e o de Paderne, foram construídos em terrenos pertencentes ao condado portucalense e mais tarde (em finais do século XII, salvo erro) ao termo de Valadares, com o estatuto de coutos, estes com os seus imensos privilégios. Diz-se que os seus abades eram senhores poderosos, com muita autoridade, seja na área da justiça, seja no espiritual. Somente no século XIX, devido a uma grande reforma administrativa, é que essas duas freguesias (Paderne e Fiães) passaram a pertencer ao termo de Melgaço, aumentando o pequeno concelho, de apenas oito freguesias, para dezoito: Alvaredo, Castro Laboreiro, Chaviães, Cousso, Cristóval, Cubalhão, Fiães, Gave, Lamas de Mouro, Paderne, Paços, Parada do Monte, Penso, Prado, Remoães, Rouças, São Paio, Vila (SMP). Quanto ao convento dos franciscanos, dedicado à Senhora da Conceição, sito no lugar das Carvalhiças, SMP, esse foi fundado já no século XVIII, a pedido de alguns melgacenses. Todos eles foram encerrados a 30/5/1834, por um decreto de Joaquim António de Aguiar (o Mata Frades), assinado pela rainha D. Maria II.

     As freguesias, ao longo dos anos, tiveram de se ir organizando, construíram-se igrejas e capelas, alojamento para os sacerdotes, enfim, criou-se o mínimo de condições para que os religiosos conseguissem sobreviver e trabalhar no seu múnus com alguma dignidade. A côngrua (imposto que, por meio de contribuição ou derrama paroquial, se dava a curas e párocos para viverem, nas freguesias onde não havia os dízimos eclesiásticos) ia dando para o dia-a-dia, mas nas freguesias mais pobres os párocos passavam algumas necessidades, valendo-se quantas vezes do recurso a uma horta, que cultivavam, ou alguém por eles, para compensarem a falta de dinheiro a fim de comprarem certos produtos, como arroz, azeite, carne de vaca, ou vitela, etc. É certo que os paroquianos davam aquilo que podiam, mas sendo gente pobre não lhes era possível ajudar mais.

     A maior parte dos sacerdotes até meados do século XX provinham dos meios rurais. Os seus pais desejavam que alguns dos seus rapazes fugissem ao trabalho duro e ingrato da agricultura; com algum esforço, vendendo, se fosse necessário, um campito, lá conseguiam que eles ingressassem no seminário. Ali teriam alimentação, estudavam, e se conseguissem terminar o curso, eram normalmente colocados em uma freguesia como párocos. Aqueles que abandonavam a carreira eclesiástica sempre teriam hipótese de arranjar um emprego em um qualquer ministério do Estado, na banca, nos seguros, etc…

     A questão dos padres que se apaixonaram por raparigas e nelas geraram filhos, isso, quanto a mim, não é nada que cause espanto, pois um padre é um homem, com desejos, com necessidades, com paixões. É certo que juraram perante os livros sagrados, o seu Deus, os seus superiores, a lei canónica, que se manteriam castos. Na altura, com vinte e poucos anos de idade, sem experiências mundanas, na idade da ilusão, tudo se promete; o pior é quando um moço, bem-falante, bem vestido, comparado com a maior parte dos habitantes locais, que só mudava de roupa ao domingo, se apresenta perante um conjunto de  pessoas, entre elas raparigas bonitas e casadoiras, desejosas de serem beijadas, abraçadas por um jovem da idade delas. A maioria dos padres resiste a essa tentação, agarra-se à sua fé, teme o castigo divino, pede a todos os santos que o protejam, mas há sempre uma minoria que se deixa levar pelo desejo. A consequência surge-nos à vista: a rapariga fica grávida, vai ser mamã… Os vizinhos logo perguntam: - quem é o pai? As reações variam: uns acham normal, é mais um miúdo, ou miúda, filho, ou filha, de pai incógnito; outros, os mais beatos, ficam irritados, para eles esta situação é intolerável, pois os padres são ministros de Cristo, têm de ser exemplares, não devem cometer pecados dessa gravidade. O grande argumento do Papa e seus conselheiros para não deixarem casar os sacerdotes é o seguinte: os religiosos, sendo solteiros, com autonomia, sem responsabilidades familiares, podem dedicar aos crentes vinte e quatro horas por dia; se fossem casados, com filhos, esse tempo seria inevitavelmente dividido, repartido entre crentes e família, logo a eficácia, a prontidão, seria por vezes nula. Decidir sempre foi difícil. Neste caso concreto, o que se ganharia de um lado, perder-se-ia por outro. Quanto a mim, embora leigo nestas matérias da religiosidade, a solução, ou parte dela, seria encontrada através da abertura de Seminários para raparigas, e o casamento de todos aqueles religiosos que o quisessem realizar. Se algumas mulheres estudassem para “madres” (padres do sexo feminino), o número de religiosos aumentaria exponencialmente, e as crianças que nascessem de “madres” ou padres, seriam legitimadas, teriam um lar, seriam como outras quaisquer crianças. Desapareceria o ferrete: «és filho de um padre», como se isso seja algum crime hediondo.
     Enfim, as coisas vistas por este prisma parecem relativamente fáceis, mas a Igreja Católica, como acima se disse, tem muitos séculos de existência, tem as suas leis, elaboradas por grandes pensadores, os seus princípios, e não vai ser fácil introduzir novos conceitos, novos rumos, a uma instituição conservadora por natureza. O risco é sempre relativo, mas existe. As mudanças são quase sempre dolorosas.

     Neste livro não constarão todos os padres, frades, monges, que exerceram a sua atividade em Melgaço, fossem ou não naturais do concelho. Não foi uma deliberação fácil de tomar: o motivo principal é eu não ter tempo para encontrá-los a todos. Investigo há cerca de quarenta anos, tenho editado alguns trabalhos, uns mais elaborados, outros mais ligeiros, mas a investigação é morosa e cara. Os monges de Fiães e de Paderne que me perdoem, mas não vão aqui figurar. Outros investigadores poderão prosseguir neste caminho agora iniciado.
     Algumas pessoas poderão interrogar-se: - que raio de interesse tem o assunto deste livro? Bem, o livro é composto por pequenas biografias de padres e de frades, homens religiosos que batizavam, casavam, confessavam os crentes, acompanhavam funerais, doutrinavam crianças, jovens e adultos, a fim de se tornarem bons cristãos, intervinham, e intervêm, na vida quotidiana da comunidade. Nem todos foram, ou são, exemplos de virtude, alguns erraram, como todos nós; mas o seu papel na sociedade não é de somenos. Ajudaram a criar um modelo de sociedade, para o bem e para o mal. Quase que a ninguém, nem mesmo aos incréus, passará pela cabeça um dia ver uma freguesia, sobretudo no norte e centro de Portugal, sem um pároco. É certo, que hoje em dia existem milhares de religiões espalhadas por todo o planeta, a oferta religiosa é enorme, mas o catolicismo ganhou raízes, adaptou-se à maneira de viver e sentir das populações, já faz parte do tecido social, construindo pontes entre o humano e o divino, embora este, para alguns, emane do primeiro.      

     Gostaria de ver as biografias mais desenvolvidas, mas não foi possível; os documentos são escassos, e aqueles que existem são pouco abundantes em dados biográficos. A imprensa em Melgaço só surgiu no século XIX, e a maior parte dos jornais dessa altura foram destruídos ou, pela sua fragilidade, não podem ser consultados. Os arquivos municipais são recentes, o espaço dos antigos edifícios camarários era por norma exíguo, por isso, milhares e milhares de documentos foram destruídos pela incúria dos homens. Enfim, temos de aproveitar o que restou, e conservar os que se vão produzindo, para que no futuro se possa conhecer o passado.       


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