ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
O TAGARELA
Por Joaquim A. Rocha
O TAGARELA
Palradores sempre existiram: contudo, nem
sempre tiveram a suprema felicidade de haver alguém com pachorra para os escutar.
Por isso, é que essa espécie de indivíduos inventou os partidos políticos, e aí
sim, falam, falam, até esgotarem a sua lábia ou cansarem o auditório. Quem
ainda não viu deputados a dormir na Assembleia?! Não há efeitos sem causa. Conta-se
que um grego que viveu há mais de dois mil anos ia pregar junto ao mar, a fim
de treinar a sua dicção!
Pois bem, em 1882 um curioso que passou
por terras melgacenses registou para a posteridade estes apontamentos: «Os vereadores da Câmara de Melgaço têm-se
visto e vêem-se embaraçadíssimos para poderem falar. Há ali um vereador que não
deixa usar da palavra a nenhum dos colegas; entende que só ele deve falar. O
falador não se cala, corta a palavra a todos, e até a presidência tem muitas
vezes de meter a viola no saco! O bom do presidente chama à ordem; mas qual
história!... é pregar no deserto. Muitas vezes as sessões chegaram a tal ponto
que ninguém se entende: falam todos ao mesmo tempo. Isto assim será muito
bonito, muito desfrutável, mas muita gente junta a falar, e ao mesmo tempo, só
por música. No meio de semelhante babel o público que assiste às sessões sai
dali sem saber de que se tratou. As opiniões confundem-se, as ideias
baralham-se, e o secretário vê-se embaraçado para redigir as actas. Já cansado
de tanto lhe matar o bicho do ouvido, um dos vereadores, veio aconselhar-se com
um advogado daqui para ver se lhe dava remédio para tanta tagarelice. Levou uma
minuta, mas não produziu, segundo me consta, o efeito desejado. Vinha a
propósito contar a história do algarvio, mas para quê? – se todos a sabem! O
melhor será que a Câmara crie uma postura, impondo uma multa àquele que falasse
demais ou interrompesse demasiadamente os outros. É provável que o falador
antes quisesse pagar a multa do que calar-se, com que o cofre do município
engrossaria e já se não perdia tudo. Entretanto aconselho os senhores
vereadores que quando forem para as sessões levem os bolsos cheios de bolinhos e
amêndoas e que as vão dando ao falador para se calar. Haverá um mês, foi o
falador a Lisboa e o deputado do círculo ficou espantado com aquela máquina
falante. É uma azenha de palavras, é um moinho falante. Ninguém mais competente
do que ele para corresponder às maçadas parlamentares do senhor Adriano
Machado. À vista daquele, varreu feira. Aquilo é que é. Fale amigo, fale, é bom
que mostre que nem todos são patos mudos. Deixe lá dizer quem diz, que quem
fala muito alguma há-de acertar; também o grasnar dos gansos salvou o
Capitólio, reza a história romana. Amigo, releve-me esta tirada e venha de lá
um abraço, enquanto não tenha ocasião de o fazer pessoalmente.»
Imagino que muitos dos leitores já estão a
fazer comparações com os atuais vereadores, mas os tempos são outros, houve
evolução, hoje é diferente – fala um de cada vez! A boa educação, a disciplina
partidária, assim o recomendam. «O bom do
presidente» era António Cândido de Sousa e Castro Moraes Sarmento, que
faleceu em 1901, da Casa do Pombal, sita em Remoães, alguns anos mais tarde um
dos proprietários das águas minerais do Peso, fidalgo cavaleiro da Casa Real «com 1$600 réis de moradia por mês e um alqueire
de cevada por dia».
Quanto aos vereadores, não sei quem eram;
mas os nomes de José Cândido Gomes de Abreu, Lourenço José Ribeiro de
Figueiredo e Castro, Carlos João Ribeiro Lima, Francisco José da Rocha, Caetano
José de Abreu Cunha Araújo, Luís Vicente Gomes Pinheiro, Luís Camilo Gomes de
Abreu, Joaquim José Nunes de Almeida, entre outros, andavam sempre nas listas
para vereadores e juízes de direito substitutos, vindo alguns deles a assumir a
presidência da Câmara Municipal (vigorava
então o Código Administrativo de Rodrigues Sampaio, publicado em 1878). Porém, o professor Armando Malheiro da Silva, no Caderno
n.º 3, editado pela Câmara Municipal de Melgaço, com o título «A Fortaleza de
Melgaço: Pedras e Património», a páginas 19, informa os seus leitores de que em
1883 eram vereadores efetivos António Joaquim Alves Ramos, Carlos Fernandes e
Manuel António Alves Sanches, e substitutos Francisco Rodrigues Barreiros,
Manuel José Rodrigues e António Caetano de Castro. O edifício dos Paços do
Concelho, onde decorriam as sessões, situava-se na Rua Direita, o qual servia
também de cadeia.
Em 1882 reinava, mas não governava, Luís
I, que recebera o trono em 1861 por morte de seu infeliz irmão Pedro V, o qual
morrera de doença com apenas 24 anos de idade, sendo já viúvo da rainha D.
Estefânia. Quem governava o país eram os partidos políticos pró-monárquicos:
partido progressista, fundado por históricos e reformistas no Pacto da Granja a
7/9/1876, que tinha um líder carismático, José Luciano de Castro, e que mais
tarde dele seria militante o nosso conterrâneo Hermengildo José Solheiro (1868-1931), presidente da
Câmara Municipal de Melgaço de 1926 a 1931, e o partido regenerador, cujo
chefe, Fontes Pereira de Melo, era nesse ano de 1882 presidente do conselho de
ministros. Estes partidos alternaram no poder durante décadas (rotativismo).
Além daqueles, existiam o partido republicano, que iria crescer após o
ultimatum da Inglaterra a Portugal em 1890, cujo «projecto de organização definitiva» tinha sido escrito por Manuel
de Arriaga, e o partido socialista, de José Fontana e de Antero de Quental.
Mas voltando ao palrador: enquanto na
Câmara Municipal se discutiam assuntos de lana-caprina, o povo ia morrendo à
fome, à doença, ou emigrando para o Brasil e outras partes do mundo, em
condições muitas vezes dificílimas; as crianças eram expostas na Casa da Roda a
um ritmo assustador, das quais sobreviviam cerca de um terço, porque as amas
contratadas, mal remuneradas, não lhes prestavam a assistência devida! Sobre
estes crimes horrendos, acontecidos em Melgaço e em todo o país, um dia falarei
com mais detalhe.
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