Valter Alves
Joaquim A. Rocha
MELGACENSES
NA I GRANDE GUERRA
desenho de Rui Nunes |
Prefácio
Lê-se
na contracapa do livro «Portugal, Grande Guerra (1914-1918)», publicado pelo
Diário de Notícias: «A Grande Guerra,
depois conhecida como Primeira Guerra Mundial, deflagrou na Europa nos
primeiros dias de Agosto de 1914 e só terminou com a assinatura do Armistício,
em 11 de Novembro de 1918. Iniciada com a invasão da Bélgica pelas tropas da
Alemanha, na convicção de uma campanha curta, a guerra só viria a parar 52
meses depois, com 65 milhões de homens mobilizados, oito milhões e meio de
mortos, 20 milhões de feridos, milhares e milhares de prisioneiros e
desaparecidos. Só parou com o esgotamento de recursos, a destruição das
cidades, a desolação dos campos e um imenso sofrimento. Estendeu-se dos campos
da Flandres a todo o mundo. Da Europa ao Médio Oriente; da África ao Extremo
Oriente; da América a todos os espaços marítimos. Todos os povos sofreram,
beligerantes ou não, para que um mundo, supostamente novo, fosse edificado em
cima de uma imensa dimensão de dor. Portugal participou em três frentes de combate
(Angola, Moçambique e Flandres), mobilizou mais de 100 mil homens e deixou nos
campos de batalha mais de oito mil mortos. A Grande Guerra demonstrou como era
frágil a ordem internacional, baseada no equilíbrio de poderes e na rede de
alianças tecida por uma complexa e intrincada matriz de relações entre as
nações. O campo de batalha modificou-se. O mundo percebeu a sua nova dimensão.
Passámos todos a ser vizinhos.»
Depois desta leitura, deste
impressionante resumo, pouco mais haveria a dizer sobre o gigantesco conflito.
De um lado lutou a França, Inglaterra, Bélgica, Estados Unidos da América,
Japão, Rússia, Itália, Portugal e Roménia. Do outro lado estava a Alemanha, a
Áustria, a Bulgária e a Turquia, além de outros países menos interventivos. A
bem dizer, todos os povos do planeta Terra se viram, de uma forma ou de outra,
envolvidos nessa imensa teia, tecida por cérebros doentios, prenhes de raiva, ansiosos
por tudo destruir. O ódio, a ganância, a ausência de bom senso e lucidez,
levaram ao caos, à fronteira do nada, imensos países, alguns deles já com
histórias ricas e milenares. Foi nesta terrível guerra que o cabo Adolfo Hitler
aprendeu a arte de bem guerrear. No fim da matança foi viver para a Alemanha, embora
fosse natural da Áustria, semeando o ódio, o espírito de vingança, que
infelizmente conduziria à monstruosa segunda Grande Guerra.
Mais de setenta melgacenses sentiram na pele o que é lutar por causas
alheias. Que interessava a estes bisonhos rapazes, quase todos trabalhadores
agrícolas ou oficinais, operários, empregados no pequeno comércio, ir combater
contra alemães e outros, gente que não conheciam de lado nenhum, os quais
tinham uma cultura, uma maneira de ser diferente da sua, outros interesses, que
nunca lhes tinham causado quaisquer prejuízos? Alguns desses jovens ainda
reagiram, criticando, tentando fugir, mas foram caçados como lebres e atirados
para dentro de um navio com destino a França, teatro das grandes operações
guerreiras.
Eram carne para canhão! Não morreram todos, é certo, mas o que
padeceram, o que os seus olhos viram, a fome, a sede, frio, o terror, a morte
de companheiros, causaram-lhes mazelas que jamais, enquanto viveram, eliminaram
do seu corpo. Um ou outro regressou com o cérebro patologicamente afetado, a
pedir internamento, mas todos sem excepção sentiram os malefícios de um
conflito mundial, provocado por mentes satânicas. Até os deuses, que no passado
intervieram a favor ou contra, desta vez estiveram ausentes, com medo talvez de
também eles serem mortos ou feridos pelos ferozes humanos. E mais: os alemães,
ingleses, etc., estavam minimamente preparados para a guerra: treinaram-se,
tinham equipamento adequado, aviação, navios… Os portugueses nada possuíam: mal
vestidos, mal calçados, mal alimentados, mais pobres do que Job, foram apenas à
guerra para fazer número.
Consta que os ingleses ainda aconselharam o governo português a não
participar ativamente no conflito, mas o 1.º ministro, Afonso Costa, e seus
camaradas de partido, além de outros, bem colocados na vida, acharam por bem
entrar na guerra a fim de manterem as colónias em poder de Portugal. Era um
pretexto ridículo, irrelevante, pois sabe-se que o nosso país nunca tirou
proveito das enormes riquezas existentes em Angola, Moçambique, etc. Um modesto
exemplo: na Guiné-Bissau, no ano de 1966, nem um por cento da população
guineense falava português! Não se viam escolas primárias em nenhuma parte
dessa ex-colónia; apenas em Bissau havia estudos até ao chamado quinto ano do
liceu. Não havia indústria; não havia estradas dignas desse nome… Oitenta por
cento dos habitantes residia em pequenas cubatas. Por aqui se vê o interesse
que as colónias suscitavam a Portugal. É óbvio que a Alemanha e a Inglaterra,
além de outros países europeus, olhavam com interesse, com cobiça, avidez, para
esses territórios, tão mal protegidos pelos portugueses. Sabiam que ali havia
petróleo, ouro, diamantes, madeiras, etc., e quão fácil era apoderarem-se
desses tesouros. Portugal não tinha forças armadas bem apetrechadas, possuíam
armas obsoletas, meia dúzia de navios, seria fácil vencê-las, provavelmente nem
seria necessário usar a violência. Se a Alemanha ganha a guerra apoderar-se-iam
com certeza desses territórios africanos. Como não ganhou em 1914-1918 nem em
1939-1945, os lusos continuaram a ser donos e senhores dessas riquíssimas
terras. Foi necessário haver uma guerra colonial, acontecer o 25 de Abril de 1974,
para essas colónias passarem a ser países independentes. Em Angola ainda é
possível que a língua portuguesa vingue, mas em Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo
Verde, duvido que isso aconteça. Cabo Verde, por exemplo, já tem uma língua
própria, o crioulo. Na Guiné-Bissau, embora a sua área seja relativamente
pequena, falam-se cerca de dez idiomas diferentes: balanta, fula, bijagó,
manjaco, papel, mandinga, etc.
Lembrando novamente os melgacenses que foram mobilizados para I Grande Guerra:
quanto a mim poder-se-ão considerar heróis, apesar de todos eles, em princípio,
terem sido forçados a ir combater. Fizeram-no com coragem, ao ponto de meia
dúzia deles deixarem lá a própria vida, sobretudo aquando da célebre batalha de
La Lys, a 9/4/1918, onde os alemães destroçaram, aniquilaram, as nossas forças,
praticamente todo o Corpo Expedicionário Português. Aqueles que não morreram, ou
ficaram feridos, ou foram feitos prisioneiros pelos alemães, tornaram-se a bem
dizer escravos dos ingleses, usando-os somente para abrir valas, ou
trincheiras; não os queriam a lutar, devido ao seu desalento, à sua visível
fragilidade.
Não é fácil resistir muito tempo em cenário de guerra: o corpo fraqueja,
o espírito esmorece, a mente cede. Daí as punições. No início, nos primeiros
meses de 1917, os soldados não tiveram grandes castigos; porém, à medida que o
tempo foi passando, começaram a “sujar” a caderneta. Por dá cá aquela palha lá
vem o castigo: dez dias de detenção, cadeia militar, etc. Salvo rara excepção,
todos sofreram punições. Por vezes, até os próprios oficiais eram punidos! A
disciplina era tão importante em tempos mavórticos, belicosos, como a
alimentação. As ordens eram para serem cumpridas: desobedecer poria em causa
toda a estratégia, toda a organização.
Inserimos neste livro os nomes do general José Domingues Peres e de seu
filho tenente Manuel José Domingues Peres, nascidos na cidade do Porto, devido
a terem casado com senhoras melgacenses. Além disso, o tenente Peres - filho e
marido de melgacenses - residiu muitos anos no concelho de Melgaço, nasceram-lhe
aqui os filhos, e aqui morreu e foi sepultado.
Fazemos votos para que a Câmara Municipal de Melgaço preste homenagem a
estes valentes homens, embora na sua maioria agindo contrariados, mais não seja
atribuindo-lhe o nome de uma rua, ou mandando erguer um pequeno monumento com
os seus nomes, como normalmente fazem em outras terras, para que a sua memória
perdure.
Joaquim A. Rocha
NOTA: o que o caro leitor acaba de ver e ler é o esboço para um futuro livro, escrito a duas mãos. Trata-se de um livro que já devia ter sido escrito há muitos anos atrás, mas a única pessoa em Melgaço que o podia ter feito, Dr. Augusto César Esteves, não o quis fazer ou não pôde faze-lo. Agora, passados cem anos sobre o fim dessa horrível guerra, apareci eu, natural de Cristóval, e o meu amigo Valter Alves, professor do Ensino Secundário, natural da freguesia de São Paio de Melgaço, e ambos metemos mão à obra, e o resultado está à vista. O livro está quase pronto. A edição será patrocinada pela Câmara Municipal de Melgaço, se assim o desejarem; caso contrário serão os dois autores a suportar as despesas da edição. É óbvio que Melgaço deve prestar uma homenagem àqueles humildes moços que tanto sofreram em nome da pátria. Erguem-se estátuas a uma Inês Negra, nascida de uma lenda, e esquecem-se as pessoas reais? Dá-se o nome de um capitalista a uma praça da sede do concelho e olvidam-se todos aqueles que combateram em França e na África! Dá-se o nome de um pároco a uma rua, o qual serviu o regime fascista de alma e coração. E o que diz aos melgacenses o nome de Afonso Costa, o tal ministro que enviou mais de setenta rapazes de Melgaço para a guerra? Eu não pedirei nada à Câmara, não está na minha maneira de ser pedir, mas espero que reaja favoravelmente a este acontecimento. Melgaço não pode atirar para o limbo os seus filhos.
NOTA: o que o caro leitor acaba de ver e ler é o esboço para um futuro livro, escrito a duas mãos. Trata-se de um livro que já devia ter sido escrito há muitos anos atrás, mas a única pessoa em Melgaço que o podia ter feito, Dr. Augusto César Esteves, não o quis fazer ou não pôde faze-lo. Agora, passados cem anos sobre o fim dessa horrível guerra, apareci eu, natural de Cristóval, e o meu amigo Valter Alves, professor do Ensino Secundário, natural da freguesia de São Paio de Melgaço, e ambos metemos mão à obra, e o resultado está à vista. O livro está quase pronto. A edição será patrocinada pela Câmara Municipal de Melgaço, se assim o desejarem; caso contrário serão os dois autores a suportar as despesas da edição. É óbvio que Melgaço deve prestar uma homenagem àqueles humildes moços que tanto sofreram em nome da pátria. Erguem-se estátuas a uma Inês Negra, nascida de uma lenda, e esquecem-se as pessoas reais? Dá-se o nome de um capitalista a uma praça da sede do concelho e olvidam-se todos aqueles que combateram em França e na África! Dá-se o nome de um pároco a uma rua, o qual serviu o regime fascista de alma e coração. E o que diz aos melgacenses o nome de Afonso Costa, o tal ministro que enviou mais de setenta rapazes de Melgaço para a guerra? Eu não pedirei nada à Câmara, não está na minha maneira de ser pedir, mas espero que reaja favoravelmente a este acontecimento. Melgaço não pode atirar para o limbo os seus filhos.
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