A CIDADE
Para mim, que vivi imensos anos na província, a cidade foi como que o
descobrir do mundo! As palavras liberdade, civilização, cultura, estavam
ausentes do meu parco vocabulário. Eu era livre e não me apercebia; eu era
civilizado e esse estatuto foi-me, mais tarde, retirado.
Por quê? Porque a cidade tem a sua
civilização! Tem as suas regras, as suas refinadas etiquetas. E eu, no meio
desse labirinto de preconceitos, para mim estranhos, vi-me, de repente,
mergulhado nas trevas do saber.
Chamei-lhe nomes – feios, alguns – mas,
com o decorrer dos anos, fui sendo cativado pelo sabor dos seus mil e um
encantos: pelas luzes, pelas maravilhosas montras, pelas gentes apressadas.
Senti-me alguém no meio dessa multidão compacta. Senti-me protegido.
Agora a minha liberdade, pressentia-o, era
total – eu passava despercebido!
Não me chocava o buzinar forte dos
automóveis; não me poluía os pulmões esse ar expelido por sujas chaminés de
fábricas; não me enojava o quente cheiro dos óleos queimados.
Estava ali na cidade, onde a natureza não
é chamada a participar. O Homem tinha vencido: construíra a cidade! A sua
cidade. Irreal? Fantasmagórica? Talvez. Mas, a cidade total. A cidade
auto-suficiente.
E, quando lembro o outro eu, é apenas para
confrontar as duas vidas: uma dependente da natureza; a outra, dependente do
humano, das suas realizações.
Joaquim Rocha
Joaquim Rocha
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