AUGUSTO
CÉSAR ESTEVES
MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS
1807-1814
APRESENTAÇÃO
1
«Não há
bela sem senão», diz o povo, e de certo modo tem algum fundamento este
provérbio. No fundo, lá bem no fundo, significa que não há perfeição absoluta
naquilo que o ser humano faz. A bela é a coisa e o senão é o defeito.
A “bela” aqui é esta obra
do Dr. Augusto César Esteves; impressa em 1952 e recheada de preciosa
informação, de história melgacense e até nacional. É quase uma enciclopédia
abreviada deste nosso amado concelho do Alto Minho. É também um hino ao orgulho
concelhio, tão frágil e arredio em muitas mentes autóctones, mais propensas à
indiferença e à crítica superficial e mordaz do que à realização.
O tema principal, aliás consignado logo
no título Melgaço e as Invasões
Francesas: 1807-1814, serviu ao autor de pretexto para divagar sobre esse
controverso e agitado período (1807-1811)
da nossa História e da História da Europa, e divulgar ideias e documentos que
foi adquirindo ao longo dos anos.
O
autor pretendeu, de facto, exteriorizar esses saberes acumulados, chamar a
atenção para o seu querido torrão natal, tão carente de protagonismo desde a
Idade Média, tão desprezado por sucessivos governos, quer fossem da Monarquia
ou da República!
Para cúmulo, em muitos mapas nem sequer
aparecia o nome Melgaço! Portugal “começava” em Valença, quando muito em
Monção! A prová-lo existia o facto de o comboio ter parado no concelho vizinho
– Melgaço não existia! E isto – quer se queira ou
não admitir –, causou complexos de inferioridade aos melgacenses.
Acresce
ainda o facto de não terem surgido ao longo dos tempos muitas pessoas que se
destacassem nos diversos ramos do saber: ciências, artes, etc. Que nós saibamos,
somente três melgacenses, ou pouco mais, andam nas enciclopédias nacionais.
Um
deles, o franciscano frei António de Santa Maria dos Anjos Melgaço, nasceu aqui
em 17/6/1718 e faleceu em Vila do Conde a 14/8/1780. Doutorou-se em 1743 em
Teologia, na Universidade de Coimbra. Foi professor de Filosofia e Teologia nos
Estudos do Convento de Mafra, fundados por D. João V. E também foi escritor.
Outro,
o frei Francisco «religioso da Ordem de São Bernardo, nascido em Melgaço (quando?). Escreveu diferentes obras
religiosas, que não se imprimiram, e os manuscritos conservam-se na livraria do
Convento de Alcobaça.» (ver Dicionário Histórico, Biográfico, Bibliográfico, Heráldico,
Corográfico, Numismático e Artístico. João Romano Torres – Editor. 1903, p. 960).
Ainda
outro, o padre Aníbal Bernardo Vasconcelos Mourão Rodrigues Passos, filho do
médico Passos, natural de Paços (daí o
apelido), nasceu na Vila a 23/12/1866 e faleceu no Campo Grande,
Lisboa, a 8/1/1934. Jaz no cemitério do Lumiar. Como notável orador sagrado
ganhou fama o sermão «A Cruz», por
ele composto e pregado em Matosinhos a 7/5/1899. Foi redator de O Melgacense, propriedade de José Cândido
Gomes de Abreu, de O Século e de A Pátria. Colaborou no Jornal de Notícias, Jornal de Viagens, Zé Povinho,
Revista das Escolas, etc. Exerceu
funções de Chefe de Gabinete do Dr. Alfredo de Magalhães, Ministro nos dois
Governos do Presidente Sidónio Pais (1917-1918).
Escreveu Tragédia de Lisboa – A Política
Portuguesa, logo após o regicídio de 1/2/1908. Foi nomeado sócio ordinário
da Sociedade de Geografia de Lisboa.
Não sendo historiador, na
verdadeira acepção da palavra, apenas um curioso, divulgador e amante da
história local, o Dr. Augusto César Esteves legou-nos um acervo valioso nessa
área, e acima de tudo estimulou outros a prosseguirem o caminho por ele
iniciado. Foi pioneiro destas coisas em Melgaço e, por isso, só modelos alheios
lhe poderiam servir de guia. Não sabemos se os utilizou, mas sabemos que buscou
(sem se deslocar do seu local de
residência e de trabalho) documentos em vários Arquivos
nacionais e espanhóis, que incluiu em seus livros sem adoptar, por desconhecimento
compreensível, as regras da crítica histórica (apelográfica
e diplomática). Antes dele ninguém, pelo menos que nós saibamos, se
interessara pela nossa história como um todo. Somente fragmentos, salpicados de
lendas, caso da Inês Negra e Frei Tecla, atabalhoados e/ou incoerentes, saíam
em jornais da região, quase todos mais vocacionados para a política.
O “senão”, porque ele existe,
pode ser identificado com a pouca harmonia do texto. Praticamente não há um fio
condutor, um plano rigoroso. Salta-se de um século para outro, violando todas
as regras elementares da ciência histórica, misturam-se temas e lemas com um
à-vontade espantoso. Um exemplo apenas: por que inserir a vida e feitos do
Tomás das Quingostas no livro, se este bandoleiro nasceu em 1808, por conseguinte
a sua atividade criminosa só se efetuará muitos anos mais tarde, quando já
estavam quase esquecidas as invasões francesas? Serviu para encher páginas e
certamente para ensaiar uma biografia, que nunca escreveu, sobre esse famoso
bandoleiro miguelista e não só!
Por outro lado, esta obra
baseia-se num facto que não se verificou – Melgaço nunca foi invadido pelas
tropas francesas! O próprio autor o confessa. No entanto, e apesar do seu
isolamento crónico, não nos devemos esquecer que Melgaço também faz parte do
país, logo o que acontece na parte acontece no todo. Além disso, vários
melgacenses lutaram contra os soldados de Napoleão e alguns deles deram, nessa
altura, a vida pela Pátria. Outro inconveniente é o facto de o texto ter várias
passagens em latim, língua que hoje praticamente ninguém domina, apenas alguns
eruditos, ou religiosos que a aprenderam nos seminários. Essa dificuldade
afasta potenciais leitores, contrariando assim o objetivo principal, que era
levar a história do concelho a casa de todos os melgacenses. Também o emprego
do português arcaico e inúmeras abreviaturas impediam uma leitura fácil e
agradável. E mais: o tipo de letra, raquítica e muito junta, não convidava
ninguém a ler o livro. Armando Malheiro da Silva/Joaquim Rocha
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