TOMÁS DAS QUINGOSTAS
...continuação
Escreveu Augusto César Esteves: «Francisco António Rodrigues era um franco-atirador e exercia o latrocínio isoladamente e sem ligações com o grupo do Tomás das Quingostas.» E a seguir: «Não era partidário desta minha opinião, e lá teria as suas razões justificativas do modo diferente de pensar, o comandante das patrulhas de São Gens, na Galiza, porquanto afirmou (…) pertencer o castrejo à guerrilha do Tomás e ir-se-lhe escapando descalço quando estava postado com a sua gente para o prender – porque ele foi preso na Galiza e até ficou na memória duma testemunha presencial estas palavras pronunciadas pelo ferreiro no acto da captura: “e você me prende em Galiza por andar a favor de Dom Carlos”.» (“Melgaço e as Lutas Civis”, p. 144/5).
Da Galiza veio para a cadeia de Melgaço e
desta foi enviado para a de Monção, sede da comarca. No ofício, assinado pelo
administrador Cunha Araújo, escreveram: «… o
dito preso é um desses monstros de nova raça, que infelizmente tanto perturba a
boa ordem e sossego (…), sendo na
realidade um ladrão público, salteador de estradas e reinos e como tal deve ser
punido com todo o rigor da justiça, porque o ficar impune para vir perpetrar
novos crimes, como fez logo que foi solto das cadeias desse julgado, para onde
tinha ido preso em Julho de 1836, em tal caso melhor seria não se capturarem e
menos estar o Governo a mandar prostrar tropa neste local e os povos a sofrer
tantos vexames e sacrifícios. // Melgaço,
6/4/1837.» (obra citada, p. 145).
Francisco António Rodrigues, que teve
farda mas não se atreveu a usá-la, «foi
julgado nas audiências gerais (…) e condenado a degredo perpétuo para os rios de Sena,
com pena de morte se voltar a estes reinos.» (obra citada, p. 146).
Deve ter ido trabalhar para as pedreiras,
junto ao Sena. Este tipo de acordos entre países dava jeito, pois tinham assim
muita mão-de-obra por uma tigela de caldo e uns feijões guisados.
No seu processo ficou registado que «foi condenado por os jurados darem como
provados, por unanimidade, o facto de não ser ele temente às leis divinas e
humanas e, por simples maioria, o roubo de umas vacas de nove moedas a António
Bernardes, o de roupas, centeio, potes, mantas, e o de um boi no valor de
60$000 réis a Manuel Rodrigues, de Formarigo, e ainda o facto de com a sua
prisão haverem cessado os roubos em Castro Laboreiro.» (obra citada, p. 146).
Em 14 de Abril de 1837 o coronel
comandante da 4.ª divisão militar, em ofício, participa que a quadrilha do
salteador e rebelde – Tomás das
Quingostas – fora inteiramente dispersa pela força do comando do major
Frazão, sendo presos alguns deles e entregues às autoridades judiciais, e
outros mortos, e os poucos restantes tinham fugido para a Galiza com o chefe,
constando que tinham ido unir-se a uma guerrilha carlista nas imediações de
Lugo.
Em Maio de 1837 já o Quingostas se
encontrava em Portugal. Vinha com dois criados, os quais foram detidos: um
galego e um africano! (11). Depois de habilmente interrogados, as autoridades
conseguiram obter deles informações sobre a rede de protetores e cúmplices em
Melgaço, Valadares e Castro Laboreiro.
Em Junho de 1837 os comandantes dos
regimentos em operações na região informavam o Governador da Província de que
cerca de quarenta guerrilheiros tinham sido presos ou mortos nos últimos quatro
meses, e que o bando do Tomás se encontrava, na prática, extinto.
Apesar dessas baixas, não conseguiam
apanhá-lo! Tiveram que mudar de tática. Resolveram, pura e simplesmente,
assassiná-lo! Para tal fim serviram-se do “Cotinho”,
que se prestou a trair o chefe, mas o Tomás apercebeu-se do golpe e refugiou-se
na Galiza, onde se entregou às autoridades, pedindo que lhe fosse concedido um
perdão. O Comando Geral da Galiza, por incrível que isso nos pareça, aceitou,
mas com a condição do Tomás não abandonar a província de Ourense. Claro que ele
não respeitou o combinado, e em breve o viram na freguesia de Paderne.
Poder-se-á especular sobre o caso, dizendo, por exemplo, que ele tinha grandes
amigos na outra margem do rio Minho, de contrário seria entregue de imediato à
tropa portuguesa. Tomás jogava com um pau de dois bicos, era um perfeito
malabarista. Estou convencido de que muitos “trabalhinhos” sujos lhe eram entregues, mediante futuros favores. Mas
como nada é eterno, certamente que iria cair na teia que ele próprio tecera.
A 14/7/1837 deu-se a «revolta dos marechais», terminando a 20/9/1837, com a assinatura da
Convenção de Chaves. Dum lado, o marechal Saldanha, Duque da Terceira, apoiados
por Mousinho da Silveira; do outro, o conde de Bonfim, Barão de Almargem, Sá da
Bandeira, e Visconde das Antas. Os primeiros defendiam a Carta; os segundos a
Constituição. Foi uma mini guerra civil e venceram os constitucionalistas.
Tomás aproveitou essa ocasião, a sorte que o destino lhe entregava de bandeja,
para se infiltrar no “setembrismo”. Nos
últimos dias da campanha, apercebendo-se que as armas favoreciam os adversários
da Carta, sai de Melgaço e põe-se em contacto com o Visconde das Antas (General
Comandante da Divisão de Observação nas Províncias do Norte), e dele consegue um talismã, datado de 22/12/1837,
que lhe abriu a porta da casa dos políticos: «uma simples e reles guia».
Ainda hoje se coloca a questão da validade
dessa guia. Não teria sido forjada? Além dele foram indultados outros elementos
da quadrilha: Manuel Joaquim Dias, etc.
A verdade é que em 1838 «as portas das casas dos grandes estavam
abertas para ele, que sem receio andava em plena liberdade por todos os sítios…»
(obra citada, p. 171).
Melgaço inteiro quase esqueceu os crimes que ele cometera. Agora
encontrava-se do lado da lei! Referindo-se a esta época, escreveu mais tarde o
Dr. Lira: «… naquele tempo o Tomás das Quingostas estava em
correspondência com o comandante da linha, tenente-coronel Manuel António
Pereira, cuja casa frequentava, oficiando a ele e às mais autoridades e
prestando-lhe, estas, tropas e gente para diligência (isto é, para perseguição); finalmente figurava de um
general pequeno do Alto Minho, andando fardado, mandando e passando ordens, a
que todos obedeciam.» (obra citada, páginas
171 e 172).
Contudo, os ladrões continuavam ativos.
No mês de Abril de 1838 alguém denunciou uns quantos ao Governador interino da
Praça de Melgaço. Este escreveu ao juiz ordinário: «Tendo-me sido denunciado que uma quadrilha de ladrões e salteadores de
estradas e reinos se tinham dirigido na noite de sete do corrente para a
freguesia de Castro Laboreiro, a fim de perpetrar ali vários roubos, fiz
marchar naquela mesma noite parte do destacamento aqui estacionado a fim de se
postarem nos sítios que me foram indicados e por onde deviam passar os
referidos ladrões quando regressassem dos roubos e, com efeito, seriam oito
para nove horas da manhã do dia 8/4/1838 foram encontrados Francisco Nóvoa,
espanhol, e um João, denominado “Coxo”, de Prado, com vários objetos roubados,
os quais, no ato da prisão, aqueles ladrões confessaram terem roubado na dita
freguesia de Castro, confessando terem deixado mais objetos roubados
escondidos no sítio do monte do Queijeiro, São Paio, pelo que o comandante da
força mandou uma escolta levar os (…) presos até ao dito monte a fim de
mostrarem os (…) objetos ali escondidos e conduzirem os (…) ladrões
para esta Vila, e chegada que foi a escolta com os (…) presos ao
dito sítio e achado o (…) roubo, apareceram à mesma escolta dois indivíduos, os
quais julgo serem sócios daqueles ladrões, em cujo ato o (…) preso, João
Coxo, lançou a fugir e a escolta lhe fez fogo, do qual morreu, conduzindo ela o
outro preso e todos os objetos que lhe encontraram e sendo-me declarado pelo
preso Francisco Nóvoa o nome de todos os ladrões que tinham ido àquele roubo de
Castro (…), bem como outros vários, passei as ordens necessárias
para serem capturados…» (obra citada, p. 177/8).
A um dos larápios, António José Rodrigues,
de São João de Longos Vales, a morar no Barral, São Paio, do roubo de Castro só
lhe tocara «uma manta de lã»! No
entanto, o tribunal condenou-o à morte por enforcamento! O Nóvoa, por ter
somente dezassete anos de idade, foi entregue às autoridades espanholas para
estas decidirem sobre a pena a aplicar-lhe. O Manuel Bento, alfaiate, de
Paderne, foi condenado a trabalhos forçados.
Tomás prendia e matava, mas agora em nome da
lei. A morte do “João Branco” (João
Manuel Domingues, casado com Maria Rosa, moradores na Peneda) é quase
inexplicável. O filho da vítima, Joaquim, contou que «… fora preso por Tomás das Quingostas (…), no Largo do Templo de Nossa Senhora da
Peneda, depois do toque das trindades, na noite de 31/8/1838, em companhia de
seu irmão, António José, em cujo ato, e sem haver a mínima questão, o dito
Tomás deu um tiro no pai dele (que era presidente da Câmara Municipal do
Soajo), do qual se finara poucos
momentos depois; e que ainda hoje ignora o motivo que deu causa não só à prisão
dele e irmão, como à morte de seu pai.» (“Melgaço
e as Lutas Civis”, p. 174).
O motivo fora, segundo o Tomás, a prisão,
a 29 de Agosto, na Bouça dos Homens, de cinco soldados de infantaria 18 pela
guerrilha de Guillade, e alguém os denunciara. A isso respondeu o tal Joaquim:
«… andando ele guardando gado lanígero e
cabrum naquele dito dia e no sítio da Bouça dos Homens, ali chegara o dito
Tomás em companhia de uma pouca de tropa portuguesa e espanhola e lhe
perguntara se sabia para onde tinha passado Guillade com sua gavilha, ao que
ele respondera que os vira passar com direção para a Peneda; e tendo ele
ficado naquela noite naquele lugar da Bouça dos Homens, assim como outros
vários pastores, soube na manhã do dia 30 que aqueles ditos cinco soldados
tinham pernoitado em uma choupana, que é de António Fernandes, aonde dormiu um
criado deste, por nome Manuel Domingues, e que por este foram denunciados os
ditos soldados, em razão destes o terem espancado.» (obra citada, p. 175).
A história estava mal contada, pois segundo
João Batista Soares, soldado n.º 34 da 1.ª Companhia, comandada por Luís de Sousa
Gama, o tal Joaquim chegou com mais de vinte guerrilhas do Guillade, os quais
os prenderam e os conduziram à presença do cabecilha, indo com eles o dito
Joaquim Domingues. Comenta o Dr. Augusto César Esteves: «é o crime nitidamente político de um miguelista infiltrado no partido setembrista…»
(obra citada, p. 176). E sugere que Tomás cumpria ordens superiores.
Mas as coisas começaram a correr mal ao
bandoleiro. Em finais de 1838 José António de Castro, administrador substituto
de Melgaço, recebe um ofício do Administrador-Geral do Distrito, no qual lhe
coloca as seguintes questões:
1.ª
- Quem nomeou Tomás das Quingostas
comandante da Guarda Volante do Alto Minho?
2.ª
- Que qualidade de indivíduos militares,
ou paisanos, a compõem?
3.ª
- Que lei, ou ordem, a autoriza para ser
tolerada?
4.ª
- Em que serviço se tem empregado
atualmente semelhante guarda?
A resposta à quarta pergunta deu-a o quadrilheiro quando na noite de 26 para
27/11/1838 o bando procurou o secretário da administração do concelho, indo «chamá-lo a casa que viesse à administração
para (…) serviço e
vindo aí encontrou presos, no meio da quadrilha, o padre António e João Pires,
de Tangil, dizendo-lhe o Tomás que trazia aqueles homens presos em consequência
de lhes achar sabão galego em casa.» (“Melgaço
e as Lutas Civis”, p. 188/9).
É óbvio que o Tomás andava à caça de
carlistas e miguelistas, e de armas, mas desta vez só encontrou sabão! O «Periódico dos Pobres», jornal editado no
Porto, afeto aos defensores da Carta, atira-se ao governo: «é assim que o Alto Minho goza os frutos do
Governo Constitucional, é desta maneira que são tratados dois cidadãos
portugueses num tempo em que se diz haver liberdade! Santa liberdade como és
linda debaixo do influxo do Sr. Tomás das
Quingostas!» (“Ler História”, p.
144). Para os do “Periódico”, o Tomás era o «bei»
da região.
Escreveu Augusto César Esteves (“Melgaço e as Lutas Civis”, p. 189): [Foi a última
proeza do Tomás na senda vergonhosa do crime a prisão do padre António José
Alves, que tentaram roubar, e a de João Pires Faria, de Modelos, Tangil, que
nesse mesmo ato ao secretário da administração «pediu se lhe chamava um cirurgião, que vinha muito mal tratado de
pancadas, que aqueles da quadrilha lhe deram…» E tão maltratado chegou que no dia seguinte apareceu morto onde se
deitara – numa pobre cama da estalagem de Maria Helena Pereira
Novais, da Rua da Calçada.]
O governo ainda o defendia, alegando que
ele, Tomás, prestara relevantes serviços, como guia nas ásperas montanhas de
Castro Laboreiro, em busca de espanhóis afetos a Carlos, e de desertores do
exército português, a maior parte dos quais se colocava, depois, ao serviço dos
carlistas.
continua...
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