quarta-feira, 6 de maio de 2015

POEMAS AO VENTO

                                                                 Por Joaquim A. Rocha

desenho de Rui Nunes

UM CASAMENTO FALHADO

Uma história verdadeira,
para ficar na lembrança,
em modos de brincadeira,
aconteceu lá pra França.

A Maria e o António,
entre beijos e sorrisos,
prometeram matrimónio,
cravos, rosas e narcisos.

Ele, jovem inexperiente,
ela, bem madurecida,
disseram a toda a gente:
«isto vai durar a vida

Marcou-se o dia da boda,
escolheu-se o Santuário,
convidou-se a gente toda,
 falou-se com o vigário.

Começam a chover prendas,
em dinheiro e objetos;
tantas e tantas oferendas,
chegariam ‘té aos netos!

Mas certo dia nevoento
o António ouviu dizer
que algo no casamento
está por esclarecer!

Ele pensava, coitado!
«Tudo que ela tem
quando eu estiver casado
é dela… e meu também

Mas a Maria, esperta,
não pensa dessa maneira;
e fazendo-lhe uma festa
diz, audaz e prazenteira:

«Ó amor, que tão bem mima,
a vida é como a nora:
quando a julgamos em cima
vai pra baixo sem demora!

Por isso, minha ternura,
caso com separação;
junto a mim terás fartura,
longe de mim ganha o pão

O rapaz foi para casa
no assunto meditando:
«se ela fosse uma brasa,
meu coração empolgando!

Mas não! É velha e relha,
com pele de elefante;
estreita como uma quelha,
enorme como um gigante!

Uma mulher tão vivida
(até já foi ao Brasil)
não terá aqui guarida,
ou eu não me chame Anil.

Dava minha juventude
em troca de bem-estar;
que afrontosa atitude:
- vai, Maria, bugiar

A noiva não sabe nada
e de orgulho ufana;
pede caleche alugada,
com parelha lusitana!

O vestido cor da selva
(próprio duma princesa)
deslizará pela relva,
num delírio de beleza.

Os convidados chegando,
padrinhos aperaltados;
os sinos já repicando,
os agouros sepultados.

Todo o mundo impaciente,
esperando António Anil;
«rapaz novo e inocente»,
cheirando inda a Abril.

Os minutos vão passando,
o noivo não aparece;
o dia vai desmaiando,
a noiva reza uma prece.

O padrinho, brincalhão,
(personagem duma farsa),
diz, com grande vozeirão,
mas com gestos duma garça:

«Apesar do acontecido,
não percamos a vontade;
não podes ter um marido?
Sê irmã de caridade

Compraram um lindo bolo,
champanhe correu a rodos;
a noiva cantou a solo,
mas alegrou-os a todos.

E tanta gente do norte:
«que sejas feliz um dia;
não arranjaste consorte,
qu’importa, ficas pra tia

As prendas que recebeu
não pôde ficar com elas;
e tanto que ela perdeu:
dinheiro, tachos, panelas…

Tudo isto foi verdade,
eis a cópia dum convite;
não o conto por maldade,
mas sim a modo de chiste.


Outubro de 1993

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