DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
Cartas de um castrejo
5.ª -
«Sr. Redactor: escrevo-lhe cá do
fundo das inverneiras (…). De verão, vivemos nas brandas, nos lugares situados
nos declives e altos das nossas belas serranias, onde a urze e a giesta, a
carrameja e o lírio bravo nos embalsamam o ar e um sol rútilo e consolador
no-lo purifica para, respirando-o a longos haustos, tonificarmos os pulmões das
graves enxaquecas que as inverneiras, em períodos invernais desta impiedade,
nos provocam; no inverno cá estamos encravados, a quilómetros da nossa vila, e
entre montões de rochas e cerros escalvados – longe, muito longe de tudo o que
é vida, civilização e progresso; mas os nossos antepassados, previdentes sem
dúvida, e conhecedores do terreno que pisavam e habitavam, destinaram-no-lo. Nós, respeitando-lhes as memórias, aceitámo-lo. Mas, como queria contar-lhe:
aqui, onde poucos mantos de neve já dificultam o trânsito, onde a rês já sai a
retouçar nas pontas dos giestais, aqui, mesmo à beira do riacho que, se nos não
dá a saborosa lampreia e o espinhento sável, nos oferece a preciosa truta –
colhida ao anzol, aqui, Sr. Redactor, e daqui estou a pensar no meio de fazer
uma viagem à Vila de Melgaço, para tratar de negócios urgentes e particulares,
que não olvidariam o dever de agradecer a V. a publicação das minhas
despretensiosas cartas e, ao mesmo tempo, abraçá-lo estreitamente. Mas como, se
um vizinho vindo de Portelinha, me diz que ali a neve tem de espessura cinco
palmos?! Na Chão terá cinco metros e na vila fazem-se derrotas a fim de
facilitar o trânsito. «Não saia homem, não saia»; e não saí mais do que para conseguir
que esta seja entregue a horas de entrar no prelo, para que se saiba que eu
estou engarrafado e que as condições climatéricas e topográficas não permitem
que veja o mundo… se não pelo ginelo! Castro Laboreiro, 2/3/1916.»
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