sexta-feira, 29 de maio de 2015

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO

                                                                        Por Joaquim A. Rocha


Cartas de um castrejo

5.ª - «Sr. Redactor: escrevo-lhe cá do fundo das inverneiras (…). De verão, vivemos nas brandas, nos lugares situados nos declives e altos das nossas belas serranias, onde a urze e a giesta, a carrameja e o lírio bravo nos embalsamam o ar e um sol rútilo e consolador no-lo purifica para, respirando-o a longos haustos, tonificarmos os pulmões das graves enxaquecas que as inverneiras, em períodos invernais desta impiedade, nos provocam; no inverno cá estamos encravados, a quilómetros da nossa vila, e entre montões de rochas e cerros escalvados – longe, muito longe de tudo o que é vida, civilização e progresso; mas os nossos antepassados, previdentes sem dúvida, e conhecedores do terreno que pisavam e habitavam, destinaram-no-lo. Nós, respeitando-lhes as memórias, aceitámo-lo. Mas, como queria contar-lhe: aqui, onde poucos mantos de neve já dificultam o trânsito, onde a rês já sai a retouçar nas pontas dos giestais, aqui, mesmo à beira do riacho que, se nos não dá a saborosa lampreia e o espinhento sável, nos oferece a preciosa truta – colhida ao anzol, aqui, Sr. Redactor, e daqui estou a pensar no meio de fazer uma viagem à Vila de Melgaço, para tratar de negócios urgentes e particulares, que não olvidariam o dever de agradecer a V. a publicação das minhas despretensiosas cartas e, ao mesmo tempo, abraçá-lo estreitamente. Mas como, se um vizinho vindo de Portelinha, me diz que ali a neve tem de espessura cinco palmos?! Na Chão terá cinco metros e na vila fazem-se derrotas a fim de facilitar o trânsito. «Não saia homem, não saia»; e não saí mais do que para conseguir que esta seja entregue a horas de entrar no prelo, para que se saiba que eu estou engarrafado e que as condições climatéricas e topográficas não permitem que veja o mundo… se não pelo ginelo! Castro Laboreiro, 2/3/1916.»        

Sem comentários:

Enviar um comentário