CARTAS DE CASTRO LABOREIRO
4.ª -
«Sr. Redactor: plenamente de
acordo com a nota do “Correio” desde que fossem do domínio público as louváveis
medidas da Autoridade Administrativa deste concelho; mas nós não tínhamos o
menor conhecimento delas; e por a maioria do nosso povo ainda ser analfabeto –
responsabilidade que só cabe aos governos, que tão descaroavelmente nos hão
olhado e por o conteúdo de tais medidas não ser publicado – de forma a ser
também do domínio de toda a gente, nas cláusulas indispensáveis, revoltou-nos ainda o procedimento da Guarda-Fiscal. No
que respeita a cereais e legumes, não precisa a autoridade legislar para nós,
por contrabandear. Pois, salvo que a Natureza venha amerciar-se deste pobre
povo, para lhe permitir o cultivo do milho e do feijão (daquele podemos colher
uma espiga animada como filhos de fidalgos; e deste, uma ou outra vagem, muito
raquítica, muita imperfeita); logo, como fazê-los conduzir, ao nosso lar, para
contrabandear? Não, senhor. Em cada castrejo há um “polícia” para contrabandos
desta natureza, conquanto lhe falhe o instinto para tal. Odeia a dilação, mas
tem necessidades que o forçam a ser o que tem de ser, para que aos filhos, que
idolatra, lhes não falte o pão. Para quê, pois, essas medidas só para nós?!
Não nos repugnam, desde que conheçamos
como haver-nos, e somos respeitadores, em absoluto, das leis. Porém, bom seria
que os olhos de lince das autoridades se voltassem para o rio Trancoso e o
interrogassem, que ele, no seu murmurar doce e brando, lhes diria: “o
contrabando de cereais e legumes é feito sobre as minhas águas, de Alcobaça à
foz. Não são castrejos que o fazem, não. Esses, donde venho, precisam de tudo
aquilo para seu consumo. Amaldiçoam-me por, em torrente impetuosa, não
mergulhar os malditos açambarcadores e passadores. Olhai, ali perto, no
planaltozinho que depois da Ponte Várzeas, contém a freguesia de Crespos, há
depósitos de milho que não vão lá levar os castrejos. Olhai, olhai e deixai-os
em paz. Crede que merecem uma lei de excepção, para transporte do necessário à
vida”. Falou o Trancoso e calou-se… um castrejo.» (1916).
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