sábado, 16 de maio de 2015

MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS

Por Augusto César Esteves


(continuação)...

     O processo correu no Juízo da Ouvidoria de Barcelos e foi motivo do pleito a deselegância do abade recusar à Câmara um jantar em dia de Fiéis de Deus, processo que, em recurso, subiu à Relação do Porto e, afinal, veio a ser transaccionado em 1708, reconhecendo o sacerdote a obrigação de honrar a Câmara com o referido jantar enquanto gozasse o benefício paroquial.
          Ora foi só nos princípios de Junho daquele ano de 1707, que o capitão Frei Domingos Gomes de Abreu deu os primeiros passos para cumprir o seu voto, pedindo licença eclesiástica para construir a referida capela no sítio do Coto da Pedreira, fora das muralhas, na antiquíssima freguesia de Santa Maria do Campo, naquele lugar aonde costumavam ir os clamores da sua paróquia e onde havia apenas uma cruz; faria a obra à sua custa, pôr-lhe-ia os ornatos necessários e nomear-lhe-ia bens livres, dízimos a Deus, que, segundo avaliação de louvados, valessem o melhor de dois mil cruzados. Tinha escolhido bem o sítio: alto, de largos horizontes, dele abrangendo a vista um panorama alegre; mas como era público e baldio, precisou o capitão Domingos Gomes de Abreu, já então meirinho proprietário da vila de Monção e seu termo, de pedir à Câmara Municipal lhe desse o necessário consentimento e licença «por ser para veneração do culto divino», como elucidou, licença que lhe foi concedida em 21/1/1713.
          Passaram-se anos. Em 19/3/1725, em Melgaço e nas suas casas de morada, perante o tabelião António Gomes de Abreu e as testemunhas Jerónimo Gomes de Magalhães, Padre Francisco de Abreu Magalhães e António de Magalhães e Abreu, todos dos arrabaldes, Frei Domingos Gomes de Abreu e sua mulher, D. Isabel de Faria, mandaram lavrar a escritura da fábrica da capela de Nossa Senhora da Pastoriza, nomeando-lhe e hipotecando-lhe a sua quinta chamada «O Louridal» - vinte campos e lameiros e soutos, dízima a Deus, sem foro nem pensão, que levaria de semeadura cem alqueires de centeio; a vinha da Pigarra – quatro cavaduras; a Horta de Marrocos, a metade das suas casas de morada nesta Vila de Melgaço e em 8 de Agosto do mesmo ano, por provisão escrita em Braga, D. Rodrigo de Moura Telles, Primaz das Espanhas, concedeu-lhe licença para edificar e erigir a capela e em 31/7/1727 a licença para o abade de Rouças a benzer. // Estava já construída de pedra e madeira, forrada e rebocada, com o seu altar de talha ao moderno, a imagem da Senhora da Pastoriza no centro e vários santos em nichos e peanhas, pelo que, em 17/8/1727, o Padre Manuel da Cunha Lira, abade da referida freguesia de Rouças, a benzeu e nela cantou missa.
          Assim fora o pai. Combatera e rezara. E quem tinha exemplos destes em casa e timbrava em nortear por eles a sua vida de cidadão podia bem dispensar-se de seguir as lições dos outros. O cunhado principiara a contar os feitos do Porto, mas ao mesmo tempo dava as últimas notícias do movimento espanhol, como bom e exaltado patriota, que era. Mas se o galego era patriota, nas veias do melgacense girava sangue daqueles dois militares briosos e heróis nas lutas pela integridade e independência do torrão natal. Mourentão bem o sabia. Tinha-o presenciado em 1706 e, como entre tantos sobressaíra o avô do seu cunhado, Frei Domingos Gomes de Abreu. Vale a pena rememorar o histórico feito de então, como homenagem às antigas virtudes melgacenses e como um nobre exemplo a apontar às gerações de hoje. Do Nobiliário Melgacense ([1]), um trabalho em preparação, destinado tanto a provar parentescos como a salvaguardar documentos, transcrevemos por isso as linhas seguintes:

          «E logo a seguir, em 25 de Maio, porque o Governador da Praça de Melgaço, António de Abreu Novais, mandou ao mesmo capitão-mor guarnecer o posto do Salto e este aí soubesse, por aviso recebido, que o inimigo vinha atravessar o Minho no sítio do Ponto de S. João de Remoães, logo ordenou ao capitão Frei Domingos o seguisse com a sua companhia.
          A ordem cumpriu-a logo o fidalgo, guarnecendo todos os pontos com boa disposição, rondando-os pessoalmente toda a noite e dando parte ao seu superior dos movimentos do inimigo. Na madrugada do dia seguinte, sentindo a força adversa trabalhar perto da água para assentar baterias, aquartelou os seus soldados nos melhores lugares por ali espalhados e com o intuito de lhe dificultar os movimentos, impedir-lhe o passo e ofendê-la, causando-lhe baixas, começou a dar-lhe muitas cargas de mosquetaria. Como o inimigo ripostasse fortemente, o Capitão Domingos Gomes de Abreu mandou dar parte do sucedido ao seu Capitão-mor, Pedro de Sousa Gama, ao Mestre de Campo Jácome de Brito e Rocha e ao Governador da Praça de Melgaço e pedir-lhes munições e reforços. // O capitão-mor foi o primeiro a chegar ao local e admirou então o seu considerável valor, atacando o inimigo que lhe apresentava seis bandeiras de guerra! – uns mil e duzentos homens! Durou este combate desde 26 de Maio a 8 de Julho, dia em que os galegos retiraram, levando consigo muitos feridos e, deixando no campo, muitos mortos. Frei Domingos Gomes de Abreu tinha-se coberto de glória em muitos dias desse grande e demorado combate

                                                                (continua)...

[1]  Viria a receber posteriormente o título, dado ainda pelo Autor, de O Meu Livro das Gerações Melgacenses. / Obra editada postumamente em dois volumes como edição de sua nora. 

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