MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS
Por Augusto César Esteves
(continuação)...
O
processo correu no Juízo da Ouvidoria de Barcelos e foi motivo do pleito a
deselegância do abade recusar à Câmara um jantar em dia de Fiéis de Deus,
processo que, em recurso, subiu à Relação do Porto e, afinal, veio a ser
transaccionado em 1708, reconhecendo o sacerdote a obrigação de honrar a Câmara
com o referido jantar enquanto gozasse o benefício paroquial.
Ora foi só nos princípios de Junho
daquele ano de 1707, que o capitão Frei Domingos Gomes de Abreu deu os
primeiros passos para cumprir o seu voto, pedindo licença eclesiástica para
construir a referida capela no sítio do Coto da Pedreira, fora das muralhas, na
antiquíssima freguesia de Santa Maria do Campo, naquele lugar aonde costumavam
ir os clamores da sua paróquia e onde havia apenas uma cruz; faria a obra à sua
custa, pôr-lhe-ia os ornatos necessários e nomear-lhe-ia bens livres, dízimos a
Deus, que, segundo avaliação de louvados, valessem o melhor de dois mil cruzados.
Tinha escolhido bem o sítio: alto, de largos horizontes, dele abrangendo a
vista um panorama alegre; mas como era público e baldio, precisou o capitão
Domingos Gomes de Abreu, já então meirinho proprietário da vila de Monção e seu
termo, de pedir à Câmara Municipal lhe desse o necessário consentimento e
licença «por ser para veneração do culto divino», como elucidou, licença que
lhe foi concedida em 21/1/1713.
Passaram-se anos. Em 19/3/1725, em Melgaço
e nas suas casas de morada, perante o tabelião António Gomes de Abreu e as testemunhas
Jerónimo Gomes de Magalhães, Padre Francisco de Abreu Magalhães e António de
Magalhães e Abreu, todos dos arrabaldes, Frei Domingos Gomes de Abreu e sua
mulher, D. Isabel de Faria, mandaram lavrar a escritura da fábrica da capela de
Nossa Senhora da Pastoriza, nomeando-lhe e hipotecando-lhe a sua quinta chamada
«O
Louridal» - vinte campos e lameiros e soutos, dízima a Deus, sem
foro nem pensão, que levaria de semeadura cem alqueires de centeio; a vinha da
Pigarra – quatro cavaduras; a Horta de Marrocos, a metade das suas casas de
morada nesta Vila de Melgaço e em 8 de Agosto do mesmo ano, por provisão
escrita em Braga, D. Rodrigo de Moura Telles, Primaz das Espanhas, concedeu-lhe
licença para edificar e erigir a capela e em 31/7/1727 a licença para o abade
de Rouças a benzer. // Estava já construída de pedra e madeira, forrada e rebocada,
com o seu altar de talha ao moderno, a imagem da Senhora da Pastoriza no centro
e vários santos em nichos e peanhas, pelo que, em 17/8/1727, o Padre Manuel da
Cunha Lira, abade da referida freguesia de Rouças, a benzeu e nela cantou missa.
Assim fora o pai. Combatera e rezara. E
quem tinha exemplos destes em casa e timbrava em nortear por eles a sua vida de
cidadão podia bem dispensar-se de seguir as lições dos outros. O cunhado
principiara a contar os feitos do Porto, mas ao mesmo tempo dava as últimas
notícias do movimento espanhol, como bom e exaltado patriota, que era. Mas se o
galego era patriota, nas veias do melgacense girava sangue daqueles dois militares
briosos e heróis nas lutas pela integridade e independência do torrão natal. Mourentão
bem o sabia. Tinha-o presenciado em 1706 e, como entre tantos sobressaíra o avô
do seu cunhado, Frei Domingos Gomes de Abreu. Vale a pena rememorar o histórico
feito de então, como homenagem às antigas virtudes melgacenses e como um nobre
exemplo a apontar às gerações de hoje. Do Nobiliário
Melgacense ([1]), um trabalho em preparação, destinado
tanto a provar parentescos como a salvaguardar documentos, transcrevemos por
isso as linhas seguintes:
«E logo a seguir, em 25 de Maio, porque
o Governador da Praça de Melgaço, António de Abreu Novais, mandou ao mesmo
capitão-mor guarnecer o posto do Salto e este aí soubesse, por aviso recebido,
que o inimigo vinha atravessar o Minho no sítio do Ponto de S. João de Remoães,
logo ordenou ao capitão Frei Domingos o seguisse com a sua companhia.
A ordem cumpriu-a logo o fidalgo,
guarnecendo todos os pontos com boa disposição, rondando-os pessoalmente toda a
noite e dando parte ao seu superior dos movimentos do inimigo. Na madrugada do
dia seguinte, sentindo a força adversa trabalhar perto da água para assentar
baterias, aquartelou os seus soldados nos melhores lugares por ali espalhados e
com o intuito de lhe dificultar os movimentos, impedir-lhe o passo e ofendê-la,
causando-lhe baixas, começou a dar-lhe muitas cargas de mosquetaria. Como o
inimigo ripostasse fortemente, o Capitão
Domingos Gomes de Abreu mandou dar parte do sucedido ao seu Capitão-mor, Pedro de Sousa Gama, ao Mestre de Campo
Jácome de Brito e Rocha e ao Governador da Praça de Melgaço e pedir-lhes munições
e reforços. // O capitão-mor foi o primeiro a chegar ao local e admirou então o
seu considerável valor, atacando o inimigo que lhe apresentava seis bandeiras
de guerra! – uns mil e duzentos homens! Durou este combate desde 26 de Maio a 8
de Julho, dia em que os galegos retiraram, levando consigo muitos feridos e,
deixando no campo, muitos mortos. Frei Domingos Gomes de Abreu tinha-se coberto
de glória em muitos dias desse grande e demorado combate.»
(continua)...
[1] Viria a receber posteriormente o título, dado
ainda pelo Autor, de O Meu Livro das
Gerações Melgacenses. / Obra editada postumamente em dois volumes como
edição de sua nora.
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