quarta-feira, 13 de maio de 2015

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO

                          Por Joaquim A. Rocha



A NOSSA QUERIDA VILA DE MELGAÇO

   Agosto de 1990. Melgaço. Poucos dias de férias. O suficiente porém para rever amigos: os «ladrões» de fruta e os outros, os meninos bem comportados! O Armando “Piretes”, que já não via há vinte e tal anos, o Zé Araújo – sempre belicoso, com os seus famosos murros, mais portentosos que os terríveis pontapés de Charlie Brown. Também os filhos do senhor Augusto Igrejas: o “Pirata”, o Tónio, que foi meu colega no antigo Grémio da Lavoura (como passaram depressa estes trinta anos!).
     A nossa querida Vila de Melgaço em Agosto. Tão linda… e tão porquinha! Senhor Presidente da Câmara: então essa limpeza? As ruas em Agosto cheiram mal que tresandam. E a água? Existe sim, mas no rio. Não é longe da Vila, mas não dá jeito lá ir. Embelezar a avenida principal…tudo bem, mas a água! Ela é um bem fundamental e quem vai passar férias à sua terra não pode, nem deve, ficar dela privado, estar sujeito a carências primárias. Dizem-nos que para o ano teremos o precioso líquido em abundância. Promessas são fáceis de fazer, o seu cumprimento é, porém, mais difícil. É verdade que os anteriores presidentes da Câmara Municipal pouco fizeram nesse sentido; – infelizmente para todo o concelho nada, ou pouco fizeram, seja no que for! A desculpá-los, apenas a falta crónica de dinheiro; sem o vil metal não há obras. A imaginação por si só não chega. Contudo, o aprumo, a honestidade, o amor à terra natal, podem conseguir milagres. Os melgacenses têm que estar atentos ao que se vai passando e devem criticar tudo aquilo que está a ser mal feito. Não há verdadeiro progresso sem uma crítica saudável.
     Apesar de tudo trouxe, este ano, ótimas recordações do torrão natal. Em primeiro lugar o ter estado com os meus familiares e amigos. Em segundo lugar, o ter assistido à festa da cultura: o artesanato, o folclore, o desfile de carros alegóricos, as exposições de pintura... Penso que essa manifestação cultural deve prosseguir, cada ano com mais entusiasmo. De Melgaço trouxe igualmente, além das recordações, alguns livros: «O Mosteiro de Fiães», do senhor padre Doutor José Marques (livro extraordinário, sobre o qual me debruçarei com mais tempo e ciência oportunamente); «Heráldica Melgacense – Associativa, de Domínio e Eclesiástica», dos senhores Doutores Maria de Jesus Domingues e Armando Barreiros Malheiro da Silva (obra inserida nos cadernos da Câmara Municipal de Melgaço – é o 5.º a ser publicado). Iniciativa deveras louvável, visto que tenta recuperar tesouros culturais que, de outro modo, se perderiam para sempre ou seriam simplesmente ignorados. Em fotocópias consegui «Melgaço e as Invasões Francesas», do senhor Dr. Augusto César Esteves (era o único livro da sua obra que me faltava). O senhor padre Lourenço, há pouco tempo falecido, disse-me certa vez que tinha alguma bibliografia sobre Melgaço. Bom seria que alguém providenciasse no sentido de preservar esses livros e documentos, pois já são raros e para o concelho de Melgaço, para a sua história, têm imenso valor. Outro livro que adquiri com muito gosto foi «Poesia Popular», de Francisco Augusto Igrejas. Com alguns poemas datados, é certo, mas cheios de graça e humor. Ter-se-ia inspirado nos Cancioneiros Medievais, sobretudo nas cantigas de escárnio e maldizer? É verdade que a obscenidade aqui não tem lugar, apenas pinceladas de ironia. Além dos poemas de “maldizer” existem no livro poemas sérios. Por exemplo:

Conheço há muito tempo um velho jardineiro
Que tinha em seu jardim uma flor tão rara
De tão lindo matiz e de tal cheiro
Que no mundo jamais alguém sonhara.

Uma flor assim de tal graça e beleza
Devia ter contente o velho jardineiro
Mas coisa incompreensível um rito de tristeza
Subia-lhe amiúde ao rosto prazenteiro.

Tão mimosa, tão rara, tão gentil e bela,
Fugiu um dia a triste maravilha!
Essa flor tão linda… essa flor singela…
Que era do jardineiro a própria filha!...

O golpe foi cruel e tão certeiro
Que o bom do velhote ficou a acreditar
Que essa rosa fugaz do seu canteiro
A levou Deus para pôr nalgum altar.

Passaram muitos anos e ao sol-posto
Ainda o velho percorre o seu jardim
Parecendo-lhe da filha ver o rosto
Nos crisântemos, nas rosas e no jasmim…



Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 927, de 1/11/1990.

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