MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS
Por Augusto César Esteves
Os Conjurados (continuação)
Quando, em meados de Julho de 1666, D. Baltazar de Roxas Pantoja, Governador das Armas de Espanha, com os melhores soldados do exército de Flandres, passou junto a Lapela por uma ponte de barcas para ocupar o Entre-Douro e Minho, aquartelou as suas tropas em Cortes, entre Monção e aquele castelo.
Quase no fim do mês, deixando para trás
a freguesia de Moreira, foi acampar junto dum afluente do Vez, nos montes de
Pereira, e depois em Aboim das Choças, donde foi natural Frei João de Nossa
Senhora da Peneda, no século João António de Brito Pereira. E das Choças para
Giela, junto à vila dos Arcos de Valdevez, e daqui para a terra do Guardião do
Convento das Carvalhiças, encontrando sempre barrados pelo nosso exército os
caminhos para Valença, Ponte de Lima ou Braga, acabou por, em meados de Outubro
daquele ano, se aproximar do rio Minho e ocupar os montes de Lordelo, terras de
Monção, donde ameaçava Melgaço. O conde de Prado, atento sempre aos menores
movimentos de Pantoja, mandou logo segurar a nossa terra, enviando-lhe um
comboio de munições e abastecimentos, que tendo sido atacado no caminho por forças
do Governador das Armas de Espanha, foi completamente livre e posto a salvo
pelo destacamento do nosso compatriota Matias de Sousa e Castro, fundador do
vínculo do Pombal, depois de renhidas pelejas, das quais este saiu ferido numa
das mãos. Pouco depois baixou do Lordelo à ribeira o grande exército espanhol e
foi aquartelar-se, para passar o inverno, na freguesia de Barbeita, entre
Monção e o forte levantado na foz do rio Mouro.
O Governador das Armas espanholas,
Pantoja, nos princípios de Novembro pensou em ocupar Melgaço e, por isso,
mandou fazer o seu reconhecimento por uma forte unidade de exploração. A
guarnição teve conhecimento disso e sob a direcção e comando de Diogo de Sousa
e Castro, capitão-mor e senhor da Casa das
Várzeas, preparou-lhe uma emboscada, saindo, gentilmente, a recebê-la a meio
caminho.
Incorporado nesta força foi Domingos
Gomes de Abreu, sem divisas de oficial, e de tal forma foram apresentados os
cumprimentos, tão amistoso foi o abraço trocado, que o Conde da Ericeira escreveu
no tomo IV da História de Portugal
Restaurado:
«...porém, os exploradores foram tão mal
hospedados da guarnição, que não voltaram a inquietá-la.»
Destemido mas prudente, corajoso mas
sereno, Domingos Gomes de Abreu tinha sido o homem escolhido pelo Governador da
Praça para prender Ramon Vallasquez, havido como traidor à Coroa Portuguesa e,
com risco da vida, no ano anterior de 1661, um pouco acima daquele forte
levantado pelos espanhóis junto ao Mouro, em vão atravessou o rio a nado para
fazer a referida captura. // Naquele falado ano de 1662 bateu-se também com o
inimigo no lugar de Valadares e nuns paços vizinhos do rio de S. Lourenço. Nesta
última façanha, ali pelas proximidades de Mourentão, atravessou outra vez o rio
Minho e já na Galiza, perseguindo-o por entre penhascos até o render, aí
prendeu o capitão João Esteves, outro traidor a Portugal. O seu brio, porém,
andava ferido com as proezas de Ramon Vallasquez; e por isso, no ano seguinte (para o colher às mãos), fez-lhe uma emboscada junto daquele
forte e sendo o primeiro a avistá-lo, sobre ele correu até ao rio Minho, em
cujas águas Vallasquez afogou. Em seguida foi à Galiza, ao lugar de Padrenda,
tomar língua de uma tropa de cavalos, conseguindo trazer consigo três soldados
com montadas e armas e, depois, ao lugar de Queirão, a cujo saque assistiu e
onde no ano de 1664 pelejou valentemente também.
O avô fora assim. Combatera. O pai
seguiu-lhe os passos, mas como bom discípulo, ultrapassou-o. Domingos Gomes de
Abreu Coelho de Novais, nasceu em Melgaço, numa das duas casas sitas em frente
da fachada da igreja da Misericórdia, em 21/1/1668, e seguiu a carreira
militar, falecendo no posto de capitão de uma companhia de ordenanças, do terço
do capitão-mor Pedro de Sousa Gama, fundador do Morgado da Serra. Com vinte e
quatro anos, a 8/2/1692, foi admitido irmão da Confraria das Almas desta vila e
com perto de trinta, devido aos serviços prestados a Sua Majestade pelo pai,
recebeu o padrão do Hábito de Cristo, com 30$000 réis de tença, paga pela verba
do pescado, salvo erro em Viana Foz do Lima. Fez-se armar cavaleiro desta Ordem
a 31 de Dezembro do mesmo ano, na igreja de Nossa Senhora da Conceição em
Lisboa, por Frei Gastão José da Câmara Coutinho, comendador da mesma Ordem,
sendo testemunhas Frei Vicente Huette Soto Mayor e Frei Estevão Pereira Bacelar
e professou no ano seguinte, a nove de Fevereiro, no Convento de Tomar, nas
mãos de Frei Fernando de Moraes, superior do
referido Convento, renunciando primeiro o ano e dia do seu noviciado e
aprovação. Familiar do Santo Ofício, cujos privilégios especiais concedidos aos
mais antigos ele chegou a gozar, por três anos exerceu o cargo de Feitor Geral
das Alfândegas da Província de Entre Douro e Minho, tocantes aos portos secos,
molhados e vedados.
Em meados de Maio de 1701 já a sua carta
de certidão de armas, fidalguia & nobreza estava registada num livro da
Câmara de Melgaço; mas do seu conteúdo, hoje conhecido por outra fonte,
extracto apenas esta passagem:
«…a saber um escudo esquartelado posto ao
balom ([1]);
primeiro quartel as armas dos Abreu que são em campo vermelho cinco cotos de
asas de águias de ouro postas em sautor; em o segundo as armas dos Coelho, que
são: em campo de ouro um leão de púrpura, rompente, e armado de vermelho,
faixado de três faixas enxaquetadas de ouro, e azul de uma orla de azul
carregada de sete coelhos de prata, malhados de preto: em o terceiro as armas
dos Novaes, que são em campo azul cinco novelos de prata postos em aspa: em o
quarto as armas dos Gomes que são em campo de prata três cabeças de negro de
sua cor com arrecadas de ouro na orelha, e nariz e um colar do mesmo no
pescoço, elmo de prata aberto guarnecido de ouro, paquife dos metais, e cores
das armas, por timbre um dos cotos das asas das armas dos Abreu, e por
diferença meia brica de prata com um trifólio verde por lhe pertencer.»
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