CARTAS DE CASTRO LABOREIRO
Estas cartas tinham como objetivo chamar a atenção das autoridades do concelho para os problemas dos castrejos. Quanto a mim elas foras escritas por Matias Lobato, professor do ensino primário em Castro Laboreiro, sempre pronto a defender os interesses daquele povo serrano. Dele falarei um dia.
3.ª -
«Sr. Redactor: desculpe-me o tanto
insistir pelo bem desta pobre terreola do concelho, pois a considero como mãe,
por nela ter visto pela 1.ª vez a luz do dia – de um dia formoso e lindo de
Junho, quando ainda a passarada galreia por esses giestais, as urzes florescem
e uma ou outra flor mimosa nos deleita a vista, aqui e além, nos prados
verdejantes e nas searas de oiro. (…); e, no escrínio das preciosidades do
“Correio” guarde, rogo-lhe, a descrição deste sonho de “um castrejo” – não pelo
seu valor literário ou artístico, mas pela boa intenção que o ditou: - (…). O
sol, com seus raios dardejantes, doirava os píncaros das serranias; e, do
castelo mourisco, pela porta falsa, parece que uma encantada apregoava:
vitória, vitória! Em linha recta de Portelinha à vila estendia-se a estrada
férrea, deixando os ziguezagues aos povos ribeirinhos. O resfolegar duma poderosa máquina, acompanhado de um silvo agudo – que
espantava a passarada nos salgueirais e enxotava os lobos das cavernas, chamava
também a atenção dos moradores do sítio. As crianças, ao sair das escolas,
muito limpas, muito tagarelas, viam com satisfação, pela 1.ª vez, o comboio, o
veículo da civilização e do progresso, o colosso que num abraço fraternal vinha
também trazer-lhes os primores da civilização. O comércio progredia a olhos
vistos. As indústrias começavam a tomar incremento – especialmente as do
chocolate, queijo e manteiga. Os gados aumentavam de preço. Os lavradores,
abandonando a rotina, serviam-se dos novos processos na agricultura e de
adubação das terras, e não tinham mais necessidade de abandonar o lar para irem
auferir o necessário à vida. Os remediados trocavam o fato de burel pelo puro
figurino de Estecolmo ou Petrogrado! E as meninas castrejas trabalhavam à
máquina, cosiam e bordavam… (…). // Após
o meu sonho doirado, um facto que me contrista a alma, por o julgar abusivo,
ilegal, e sobretudo injusto, por desumano: anteontem, quando diversas mulheres
conduziam mulas carregadas de milho,
para esta freguesia, a Guarda-Fiscal deteve-as na Costa de Portelinha, fê-las retroceder
ao posto de Alcobaça, e tiveram que pagar não sei quê e não sei porquê! Isto
confrange-nos! Não colhemos pão para nós e nossos filhos, comprámo-lo com o
suor do nosso rosto, pagamos o transporte e ainda nos sujeitamos ao fisco!
Decididamente temos neste caso a lei de excepção de batizado civil dos vitelos.
Mas isto é mais sério, isto é mais ponderável, isto força-nos a chamar a
atenção do Chefe da Guarda-Fiscal para que, aos seus subordinados, dê ordens terminantes a
fim de que factos desta natureza se não repitam. Não somos contrabandistas; e
muito menos de milho, pois seríamos os primeiros a vigiar pela sua exportação;
por isso, não podemos tolerar que as condutoras de milho para esta freguesia –
milho que vem ser a fartura das nossas casas, esteja sujeito à menor
intervenção da Guarda-Fiscal… // No p.p. dia 15
houve banzé na feira desta freguesia, que pôde ter as mais fatais
consequências. Recomendamos aos agitadores o maior tino e que reconheçam que a
honradez é o lema do homem de bem. / Castro Laboreiro., 18/2/1916.»
Nota do Correio de Melgaço: «Achamos justas, por todos os títulos, as considerações feitas pelo
nosso solícito correspondente, devendo, ainda assim, dizer-lhe que, em virtude
das providências tomadas pelas autoridades, não pode transitar, sem guias de
circulação, o milho, centeio e feijão. Pode, portanto, ser aprisionada qualquer
quantidade cujo condutor não esteja preparadinho, e para isso foram dadas
ordens terminantes à Guarda-Fiscal. Bem compreendemos o incómodo, mas para grandes males…
maiores remédios. E deste remédio todos devemos gostar – inclusivamente “um
castrejo”.»
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