MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS
Por Augusto César Esteves
Inês Negra - escultura de Acácio Dias |
... continuação.
Ora
a Barbosa, terra mãe de um aventureiro por mim descoberto a traficar em Tânger,
extremava com São Gião e nesta quinta residia Pêro Gomes de Abreu, neto de
Francisco Peres, morador em Cavaleiros de Rouças, com sua mulher, D. Maria
Gomes de Abreu, cuja árvore genealógica ia entroncar no primeiro dos Magalhães
a casar, e a estabelecer-se, nesta vila. // Pêro Gomes, de São Julião, também
casara, mas, por fragilidade humana, àquela moça sua vizinha pediu, num dia,
atrás de um beijo outro beijo, e dum beijo naquela Paula veio a nascer um
bastardo, Boaventura Gomes de Abreu. Este foi crescendo e fazendo-se homem,
amparado pela família do pai, entrou na Misericórdia, no cento dos nobres, e
foi dos primeiros a fazer parte das mesas da Ordem Terceira de São Francisco do
Convento da Pedreira; sentou-se nas cadeiras do Senado municipal; levou a vara
do pálio em muitas das festas do seu tempo e acabou por ser o primeiro
administrador do vínculo de capela instituído pelo seu tio paterno, o reverendo
padre António Gomes de Magalhães, durante muitos anos capelão da
Misericórdia, no seu testamento feito em 10/9/1755.
Foi a sua neta, D. Maria Benta de Araújo
Azevedo, a eleita pelo coração do advogado. Com ela casou depois da revolta e
na quinta de São Julião viveram e morreram, sem do casamento haver filhos. Herdou,
porém, os bens do activo conjurado sua filha bastarda, D. Josefa Maria. As escadas da casa de Caetano de Abreu
também as subiu, - naquela manhã
- Jacinto Manuel da Rocha Pinto. Se na Vila e seu termo tinha raízes; se numa
ou noutra as lançou, ignora-se. Em parte alguma se toparam… Devia ser um dos
militares de fora, não decerto da companhia fixa, mas qualquer artilheiro em
boa hora trazido pela Providência para a guarnição da nossa praça e levado
depois, quiçá, pela ventura, a outros grandes destinos. // Foram estes os
conjurados, pelo amor da pátria unidos, para fazerem o levantamento da praça de
Melgaço contra o domínio de Napoleão em Portugal. Homens escolhidos por Deus
para guias de um povo em revolta, que por ser local e incruenta, não deixou de
ser heróica, eles foram os cabouqueiros empregados pela Providência para
começarem a cavar a ruína do genial cabo-de-guerra, glória da França e glória
de um século.
Estes homens, melgacenses pelo nascimento ou
pelo coração, irmanados pelo anseio de viverem livres numa pátria livre, vieram
ao mundo tão-somente para entoarem na hora própria um hino de glória à terra de
Melgaço. Abençoada seja sua memória! Mas...como é triste ser forçado a
reconhecer a ingratidão da minha terra para com estas heróicas figuras do
século passado.
Abrimos
todos a boca para tecer elogios e descantar em todas as gamas e em todos os
tons a figura de uma mulher banal, duma tal Inês Negra, armando-a em heroína da
nossa terra, como se fosse natural do termo, ou aqui se fixasse antes ou depois
do assédio à praça pelo rei fundador da dinastia de Avis. Se ela é nossa
heroína, porque não é também nosso herói D. João I, ou o Sá das Galés, ou mesmo
Pêro Lourenço de Távora, que também escaramuçou?
Se à mulher erguemos, à força de ditirambos,
um trono todo envolto em louvores, porque não apropriamos também qualquer dos
companheiros do progenitor da ínclita geração e o não apresentamos ao mundo
como figura nossa imortal? Melgacense, nossa conterrânea, era a contendora. Di-lo
Fernão Lopes, a fonte mais antiga sendo de fonte mais moderna, o primeiro
historiador a referir-se ao feito, depois de anotar a tentativa de entendimento
entre João Fernandes Pacheco e o castelhano Álvaro Pais:
Inês Negra era, talvez, uma das regateiras,
mandadas por D. João I apanhar pedras de mão para arremessarem os da bastida no
momento da escalada aos bons muros da praça: viera no couce do seu exército e
no couce do mesmo se foi, a rir e a cantar o seu triste fado de vivandeira,
interrompido a cada passo pelas graçolas pesadas dos homens de armas e pelos
besteiros conquistadores. Heróis nossos são estes, os de 1808.
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