LINA, Filha de Pã
romance
Por Joaquim A. Rocha
// ...continuação.
A notícia correu célere. Tinha havido um acidente no rio
Minho. Um dos homens dos contrabandistas perdera a vida, ao cair da pequena
embarcação. Mal sabia nadar, a corrente era intensa, e não resistiu. Correu a
seguir outra versão: a batela ia demasiado cheia, a carga fora mal distribuída,
e por isso tombou; salvaram-se os mais fortes. Logo se soube que a vítima fora
o infeliz Mário. Pobre rapaz: fora enganado pela Lina e pelo Juiz, a irmã
pusera-o fora de casa, passara fome, e agora a morte por afogamento! Nascera
sem dúvida sob o signo da desgraça.
- E agora a criança?! – perguntavam
os moradores da Vila.
- Coitadinha, o pai biológico abandonou-a e agora morre o seu
protector. Pobre criancinha, que irá ser dela?
A família do
defunto reuniu e decidiram levar a Lisete para casa da sua avó materna. Era
gente paupérrima, simples camponeses, mas de qualquer maneira estaria lá melhor
do que com a mãe, uma verdadeira galdéria, uma anarquista no mau sentido.
Ainda nesse dia
resolveram levar a catraia. A avó, relativamente nova em idade mas velha
fisicamente, alquebrada, quando viu a neta abriu os braços e disse:
- Minha netinha! Ficas aqui connosco, não te há-de faltar
uma malga de caldo para comeres.
Os da Vila
tinham-lhe contado toda a tragédia: a odisseia e morte do parente, o
desinteresse da Lina pela filha, enfim todo o drama daquela gente.
- A minha filha tem-me desiludido muito. Dizem-me que em
todas as casas onde tem servido arranja sempre problemas: amiga-se com o
patrão, diz mal da senhora, enfim, uma peste. Aqui já não vem há muito tempo;
não tem saudades nossas!
- Nós ficávamos com a Lisete – diz a irmã do Mário – mas também somos pobres, não podemos criá-la;
além disso, como sabe…
- Não é filha do seu defunto irmão, nós sabemos. E eu que
lhe pedira para respeitar o Senhor Doutor Juiz, a galdéria foi-se meter com o
patrão na cama, uma criança, apenas com dezasseis anos de idade. Que esperava,
a estouvada? Que o Senhor Doutor casasse com ela? Que a levasse com ele para
outra terra? Ela não sabia, a parva, que o Senhor Doutor Juiz é de famílias
distintas, ricas, e que só quis brincar com ela, aproveitar-se da sua pouca
idade e experiência? Pobre Lisete, nunca na vida dela verá o seu pai, e por nós
nunca saberá quem ele é, pois o seu nome não será pronunciado nesta casa!
**
Os anos foram caminhando
paulatinamente. Acabada a guerra civil de Espanha, em 1939, uma autêntica
carnificina, irmãos contra irmãos, filhos contra pais, crimes hediondos, tudo
arrasado, por ordem de Franco, filho querido de Satanás, começara logo a seguir
a II Grande Guerra, iniciada pelo abominável carniceiro, chamado Adolfo Hitler,
que destruíra a Europa central. Milhões de pessoas morreram ingloriamente e
outras tantas ficaram feridas e inválidas. O ser humano ficou de rastos
psicologicamente. Como fora possível tamanha matança, tanta destruição, tanto
desprezo e indiferença pela vida humana?!
Portugal desta vez não entrou na Guerra. O
governo achou por bem não tomar partido abertamente. Toda a gente sabia que
Salazar, disfarçadamente, apoiava Hitler e o seu modelo de sociedade; apoiava também
Mussolini e o seu arquétipo fascista, mas por outro lado não queria esquecer o
tratado que o nosso país fizera há séculos com a Inglaterra. Estavam em causa
interesses nacionais, sobretudo os territórios ultramarinos, cuja riqueza
começava finalmente a dar nas vistas.
Os alemães tinham
espiões em Lisboa, tal como ingleses e outros. O ditador português jogava o seu
próprio jogo, ora negociando com uma parte, ora com a outra! No final, aqueles
que ganhassem a guerra, estar-lhe-iam gratos. E assim aconteceu. Quando toda a
gente esperava que os vencedores criassem uma democracia em Portugal, eis que a
política interfere e tudo fica na mesma. Salazar tinha razão: o pouco que
fizera pelos aliados chegara para salvar o seu lugar no poder. Podia continuar
a desenvolver o seu modelo corporativista, a aniquilar os seus adversários, a
coarctar a liberdade dos cidadãos. // continua...
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