quinta-feira, 4 de agosto de 2016

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha




                  MELGAÇO E O 25 DE ABRIL             
 

     Não pretendo com este artigo fazer história, mas somente refletir sobre o passado e o presente do nosso concelho. Para se compreender razoavelmente o Melgaço coevo é necessário recuar no tempo. Vejamos: em 1926, 28 de Maio, inicia-se, a partir de Braga, a chamada Revolução Nacional, sob a direção do general Gomes da Costa. Como teve êxito, constituiu-se um ministério chefiado pelo comandante Mendes Cabeçadas. O general não apreciou muito a maneira como o comandante governava o Estado e depô-lo. Depois, organizou um governo militar a que presidiu, acabando por tomar atribuições de Chefe de Estado. Foi este governo que deu começo à Ditadura Nacional. Em 1928, 25 de Março, toma posse como presidente da República o general Carmona, cargo que ocupará até à sua morte, ocorrida a 18/4/1951. A 27/4/1928 assume a direção da Pasta das Finanças o Professor Dr. Oliveira Salazar e, a 5/7/1932, ocupa o lugar de presidente do Conselho de Ministros. Em 1933 é aprovada uma Constituição, a qual vigorará até Abril de 1974, embora com algumas alterações e revisões. Com ela nasceu o Estado Novo (República Unitária e Corporativista). Nasce também a União Nacional, a Legião Portuguesa, a Mocidade Portuguesa, a Polícia Política (mais tarde conhecida como PIDE/DGS).

     O anterior regime caraterizava-se pelo seu anti-democratismo. Ambos os seus dirigentes máximos: Professores Salazar e Caetano, sobretudo o primeiro, tinham aversão à democracia e ao parlamentarismo, pois pensavam que essas instituições eram a causa de todos os males da humanidade. Assim, as eleições não se pautavam pelos mesmos valores e métodos dos de agora. Não havia propriamente partidos políticos (o Partido Comunista Português estava na clandestinidade), e os movimentos que iam surgindo, sobretudo de ideologias socialistas, inspiradas nas teorias filosóficas e económicas de Carl Marx, eram imediatamente desmantelados. Os sindicatos não tinham nenhuma capacidade reivindicativa (os sindicalistas conotados com a oposição ao regime corporativista não podiam exercer cargos de direção). Quer dizer, o Estado Novo não admitia outras forças ideológicas, outros candidatos ao poder.

     Quanto aos concelhos… Bem, estes não tinham quaisquer poderes políticos no âmbito nacional; o seu poder local era limitadíssimo. Para se fazer uma ideia disso mesmo, tenha-se em conta que o Orçamento do Estado não continha verbas para os municípios! Havia apenas dinheiro para fazer face às despesas correntes; para as obras tinha de ser solicitado, quase mendigado, ao governo. Nem sempre o presidente da Câmara Municipal o conseguia (como é de todos conhecido, o Dr. Salazar não era propriamente um mãos-largas, e dava instruções aos ministros para pouparem). Que nos sirva de exemplo o professor Rodrigues, o mais empreendedor dos presidentes anteriores ao 25 de Abril. Em dez anos à frente da Câmara Municipal de Melgaço (1958-1968) apenas conseguiu obter verbas para a pequena estrada Vila-Fiães; conseguiu também, e façamos-lhe justiça por isso, que a água canalizada não fosse um privilégio exclusivo da sede do concelho, levando-a a muitos lugares das freguesias. Esta última obra, pelos benefícios que gerou, foi a mais importante de todas as obras realizadas.

     Pode-se assim concluir que o regime político saído da constituição de 1933 pouco, quase nada, deu a Melgaço! Foi um período de «… austera, apagada e vil tristeza», como já dizia o nosso épico no século XVI. Os presidentes da Câmara de Melgaço do período do Estado Novo foram parentes pobres do erário público. O dinheiro do contribuinte transformava-se, na capital do império, em ouro. Os presidentes Dr. João de Barros Durães, professor Abílio Domingues, capitão Pires Louro, Dr. Alves Pimenta, Dr. Carlos da Rocha, professor Pinho, Dr. Júlio Esteves, Dr. Higino Pardalinha, professor Rodrigues, Dr. Sidónio, não foram mais do que meros espectadores, ou atores secundários, de um regime que não lhes dava nenhuma importância, nem lhes atribuía qualquer responsabilidade no desenvolvimento do país. Todo o espetáculo das inaugurações, quando as havia, era protagonizado pelo governo e pelo presidente da República. Os presidentes das Câmaras Municipais não dispunham de meios humanos e financeiros, nem de autoridade política, para tomarem decisões neste ou naquele sentido. O Governador Civil nomeava-os e demitia-os quando bem entendesse! Não podiam fazer “ondas”, pois se as fizessem…

     O 25 de Abril de 1974 encontrou um concelho minguado de gente, pobre de desenvolvimento, carecido de instrução e cultura. É certo que já nessa época, graças às remessas dos emigrantes, existia algum dinheiro nas agências bancárias, mas o dinheiro por si só nada vale: é necessário investi-lo, fazê-lo girar, pois só assim ele criará nova riqueza. Para investi-lo é preciso saber fazê-lo. E quem disso entende são os gestores, economistas, empresários…O concelho de Melgaço é tão rico ou tão pobre como outro qualquer. Com tecnologias avançadas - e com dinheiro - tudo, ou quase tudo, se consegue. Veja-se o caso de Israel que produz laranjas onde outrora imperava a areia! Façam-se estudos sérios do solo e subsolo e logo se saberá com aquilo que poderemos contar. Quem sabe se não surgirão agradáveis surpresas!

     Agora vou enumerar, não exaustivamente, as obras que foram surgindo no concelho de Melgaço depois da revolução dos cravos. O mérito, quanto a mim, é de todos: Câmara Municipal, Governo, Partidos, Santa Casa da Misericórdia, e melgacenses em geral.
 

01 – Escola Secundária. Esta foi uma conquista fundamental; sem escola secundária os jovens de Melgaço iam, os que iam, para outros concelhos, sobrecarregando o orçamento das famílias e desenraizando-se do torrão natal.
 

02 – Lar de Idosos. Antes existia um asilo sem condições condignas para o ser humano. Tudo o que se faça pelos idosos é sempre pouco.
 

03 – Quartel dos Bombeiros. Escusado será realçar a sua utilidade, muito menos a sua existência. Os bombeiros voluntários merecem ser tratados com dignidade. Merecem boas instalações, bom equipamento, apoio financeiro e moral.
 

04 – Abastecimento de água. No verão, sobretudo no mês de Agosto, a água das nascentes era insuficiente. Talvez fosse possível abrir furos, não sei; sei, isso sim que a água da Fonte da Vila é desperdiçada ingloriamente! De qualquer modo, os rios, atualmente, fornecem água a todas as cidades e vilas do país. Não é tão agradável como a das nascentes, mas sempre é melhor do que não tê-la. Até porque seria impensável criar uma verdadeira indústria de turismo sem este empreendimento.
 

05 – Mercado Municipal. A feira, como se lembram, fazia-se na avenida. O peixe e a carne eram comercializados sem grandes cuidados higiénicos. A alameda, depois da feira, ficava imunda. Os feirantes não tinham casas de banho. Os carros não possuíam parque de estacionamento, era um autêntico pandemónio.
 

06 – Quartel da Guarda Nacional Republicana. Eram pouco dignas e acanhadas as velhas instalações da guarda republicana; o espaço é vital para a eficácia das polícias.
 

07 – Estrada Melgaço-Monção. As vias de comunicação são tão relevantes hoje em dia que sem elas dificilmente haverá comércio e indústria; são tão importantes para a vida económica do país como as veias o são para o corpo humano.
 

08 – Ponte Peso-Arbo. O professor Manuel José Rodrigues sonhou com esta ponte, mas a luz verde não veio do governo de então. Ainda não se iniciaram as obras, mas julgo que dentro de alguns anos será uma realidade. Melgacenses e galegos ficarão assim mais perto, com vantagens para ambos.                           
 

09 – Juntas de Freguesia. Os edifícios das Juntas eram uma necessidade. Não se podem praticar atos administrativos sem instalações condignas. 
 

10 – Arranjo da Alameda e Zona Histórica. O património legado pelos nossos antepassados deverá ser sempre preservado e acarinhado. Mal irá o concelho que isso esqueça. O povo não vive só de pão.


     Além dessas obras ainda se fizeram a Casa da Cultura, Piscinas, etc. Pensa-se também construir o Palácio da Justiça e outras obras importantes para o nosso concelho. Poderá parecer pouco após vinte anos de novo regime. No entanto, desde Afonso Henriques, século XII, nunca se tinha feito nada parecido. Dê-se a César o que é de César… Parte das infraestruturas estão criadas ou em vias disso. A oposição: PSD, PCP, CDS, não deve criticar, na minha modesta opinião, o que foi feito. Não tenho dúvidas sequer que se fossem eles a estar à frente dos destinos da Câmara Municipal teriam feito o mesmo. Talvez mais, talvez melhor, mas tê-lo-iam feito. Se disserem o contrário estarão a condenar-se à eterna oposição. Podem, isso sim, criticar os locais escolhidos, os materiais utilizados, a escolha dos empreiteiros; poderão criticar as prioridades, os endividamentos, os critérios… Poderão criticar ilegalidades, se as houve; corrupção, se a houve; compadrios, se os houve. A oposição, para ser forte, terá de se apresentar como alternativa; com um verdadeiro programa de realizações possíveis; com credibilidade; com pessoas dinâmicas e capazes. Hoje em dia, dizer mal não chega; se assim fora já o 1.º ministro tinha deixado o governo há muito tempo! Por outro lado, a ideologia de âmbito concelhio já não dá praticamente votos. Votar no PSD ou no PS é quase indiferente. Só as pessoas que estão nas listas contam! Quanto ao PCP ainda vai levar muitos anos a perder a imagem de “lobo mau”, autoritário.

     As Festas da Cultura, embora correndo o risco de anualmente se repetirem, são obra de vulto. A cultura popular e erudita aliaram-se e o resultado está à vista: aparecem livros sobre Melgaço, a televisão filma e entrevista, começam a nascer ranchos folclóricos e grupos musicais; poetas dedicam os seus poemas a Melgaço, fotógrafos amadores conseguem fotografias espetaculares, escultores e pintores inspiram-se nas velhas lendas. Enfim, os melgacenses começam a sentir orgulho na sua terra de nascimento. Falta ainda o teatro, a banda de música, um bom clube de futebol, etc.

     O 25 de Abril trouxe paz de espírito ao povo. Com o fim da guerra em África os jovens já não precisam de emigrar. E quando o fizerem poderão ir como iguais e não como escravos! Os jovens podem agora, em paz, escolher a sua carreira, o caminho que melhor os conduza à sua realização pessoal e profissional. Nós não tivemos essa possibilidade; outros escolheram o nosso destino!

     Agora, e para que Melgaço se venha a tornar num concelho do século XXI, é necessário que os empresários acreditem que é viável e rendível investir nestes 232 quilómetros quadrados; é necessário que a Adega Cooperativa venha a ser uma realidade e não apenas uma miragem; é necessário que as Termas do Peso sejam mais conhecidas e atraiam mais gente; é necessário divulgar as nossas belezas… O poeta Fernando Pessoa dizia num dos seus poemas: «… falta cumprir-se Portugal.» Pois bem: comecemos por Melgaço!

 

Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1009, de 15/6/1994.

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