ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
MELGAÇO E O 25 DE ABRIL
Não pretendo com
este artigo fazer história, mas somente refletir sobre o passado e o presente
do nosso concelho. Para se compreender razoavelmente o Melgaço coevo é
necessário recuar no tempo. Vejamos: em 1926, 28 de Maio, inicia-se, a partir
de Braga, a chamada Revolução Nacional, sob a direção do general Gomes da
Costa. Como teve êxito, constituiu-se um ministério chefiado pelo comandante
Mendes Cabeçadas. O general não apreciou muito a maneira como o comandante
governava o Estado e depô-lo. Depois, organizou um governo militar a que
presidiu, acabando por tomar atribuições de Chefe de Estado. Foi este governo
que deu começo à Ditadura Nacional. Em 1928, 25 de Março, toma posse como
presidente da República o general Carmona, cargo que ocupará até à sua morte,
ocorrida a 18/4/1951. A 27/4/1928 assume a direção da Pasta das Finanças o
Professor Dr. Oliveira Salazar e, a 5/7/1932, ocupa o lugar de presidente do
Conselho de Ministros. Em 1933 é aprovada uma Constituição, a qual vigorará até
Abril de 1974, embora com algumas alterações e revisões. Com ela nasceu o
Estado Novo (República Unitária e Corporativista). Nasce também a União
Nacional, a Legião Portuguesa, a Mocidade Portuguesa, a Polícia Política (mais
tarde conhecida como PIDE/DGS).
O anterior regime
caraterizava-se pelo seu anti-democratismo. Ambos os seus dirigentes máximos:
Professores Salazar e Caetano, sobretudo o primeiro, tinham aversão à
democracia e ao parlamentarismo, pois pensavam que essas instituições eram a
causa de todos os males da humanidade. Assim, as eleições não se pautavam pelos
mesmos valores e métodos dos de agora. Não havia propriamente partidos políticos
(o Partido Comunista Português estava na clandestinidade), e os movimentos que iam surgindo, sobretudo
de ideologias socialistas, inspiradas nas teorias filosóficas e económicas de
Carl Marx, eram imediatamente desmantelados. Os sindicatos não tinham nenhuma
capacidade reivindicativa (os sindicalistas conotados com a oposição ao regime
corporativista não podiam exercer cargos de direção). Quer dizer, o Estado Novo não admitia
outras forças ideológicas, outros candidatos ao poder.
Quanto aos
concelhos… Bem, estes não tinham quaisquer poderes políticos no âmbito
nacional; o seu poder local era limitadíssimo. Para se fazer uma ideia disso
mesmo, tenha-se em conta que o Orçamento do Estado não continha verbas para os
municípios! Havia apenas dinheiro para fazer face às despesas correntes; para
as obras tinha de ser solicitado, quase mendigado, ao governo. Nem sempre o presidente
da Câmara Municipal o conseguia (como é de todos conhecido, o Dr. Salazar não
era propriamente um mãos-largas, e dava instruções aos ministros para
pouparem). Que nos sirva de exemplo o professor Rodrigues, o mais empreendedor
dos presidentes anteriores ao 25 de Abril. Em dez anos à frente da Câmara Municipal de Melgaço
(1958-1968) apenas conseguiu obter verbas para a pequena estrada Vila-Fiães;
conseguiu também, e façamos-lhe justiça por isso, que a água canalizada não
fosse um privilégio exclusivo da sede do concelho, levando-a a muitos lugares
das freguesias. Esta última obra, pelos benefícios que gerou, foi a mais importante
de todas as obras realizadas.
Pode-se assim
concluir que o regime político saído da constituição de 1933 pouco, quase nada,
deu a Melgaço! Foi um período de «… austera,
apagada e vil tristeza», como já dizia o nosso épico no século XVI. Os
presidentes da Câmara de Melgaço do período do Estado Novo foram parentes
pobres do erário público. O dinheiro do contribuinte transformava-se, na capital
do império, em ouro. Os presidentes Dr. João de Barros Durães, professor Abílio
Domingues, capitão Pires Louro, Dr. Alves Pimenta, Dr. Carlos da Rocha,
professor Pinho, Dr. Júlio Esteves, Dr. Higino Pardalinha, professor Rodrigues,
Dr. Sidónio, não foram mais do que meros espectadores, ou atores secundários,
de um regime que não lhes dava nenhuma importância, nem lhes atribuía qualquer
responsabilidade no desenvolvimento do país. Todo o espetáculo das
inaugurações, quando as havia, era protagonizado pelo governo e pelo presidente
da República. Os presidentes das Câmaras Municipais não dispunham de meios
humanos e financeiros, nem de autoridade política, para tomarem decisões neste
ou naquele sentido. O Governador Civil nomeava-os e demitia-os quando bem entendesse!
Não podiam fazer “ondas”, pois se as fizessem…
O 25 de Abril de
1974 encontrou um concelho minguado de gente, pobre de desenvolvimento,
carecido de instrução e cultura. É certo que já nessa época, graças às
remessas dos emigrantes, existia algum dinheiro nas agências bancárias, mas o
dinheiro por si só nada vale: é necessário investi-lo, fazê-lo girar, pois só
assim ele criará nova riqueza. Para investi-lo é preciso saber fazê-lo. E quem
disso entende são os gestores, economistas, empresários…O concelho de Melgaço é
tão rico ou tão pobre como outro qualquer. Com tecnologias avançadas - e com
dinheiro - tudo, ou quase tudo, se consegue. Veja-se o caso de Israel que
produz laranjas onde outrora imperava a areia! Façam-se estudos sérios do solo e
subsolo e logo se saberá com aquilo que poderemos contar. Quem sabe se não
surgirão agradáveis surpresas!
Agora vou
enumerar, não exaustivamente, as obras que foram surgindo no concelho de
Melgaço depois da revolução dos cravos. O mérito, quanto a mim, é de todos:
Câmara Municipal, Governo, Partidos, Santa Casa da Misericórdia, e melgacenses
em geral.
01 – Escola Secundária. Esta foi uma conquista fundamental;
sem escola secundária os jovens de Melgaço iam, os que iam, para outros
concelhos, sobrecarregando o orçamento das famílias e desenraizando-se do
torrão natal.
02 – Lar de Idosos. Antes existia um asilo sem condições condignas
para o ser humano. Tudo o que se faça pelos idosos é sempre pouco.
03 – Quartel dos Bombeiros. Escusado será realçar a sua utilidade, muito menos a sua existência.
Os bombeiros voluntários merecem ser tratados com dignidade. Merecem boas
instalações, bom equipamento, apoio financeiro e moral.
04 – Abastecimento de água. No verão, sobretudo no mês de
Agosto, a água das nascentes era insuficiente. Talvez fosse possível abrir
furos, não sei; sei, isso sim que a água da Fonte da Vila é desperdiçada
ingloriamente! De qualquer modo, os rios, atualmente, fornecem água a todas as
cidades e vilas do país. Não é tão agradável como a das nascentes, mas sempre é
melhor do que não tê-la. Até porque seria impensável criar uma verdadeira
indústria de turismo sem este empreendimento.
05 – Mercado Municipal. A feira, como se lembram, fazia-se
na avenida. O peixe e a carne eram comercializados sem grandes cuidados
higiénicos. A alameda, depois da feira, ficava imunda. Os feirantes não tinham
casas de banho. Os carros não possuíam parque de estacionamento, era um
autêntico pandemónio.
06 – Quartel da Guarda Nacional Republicana. Eram pouco
dignas e acanhadas as velhas instalações da guarda republicana; o espaço é
vital para a eficácia das polícias.
07 – Estrada Melgaço-Monção. As vias de comunicação são tão
relevantes hoje em dia que sem elas dificilmente haverá comércio e indústria;
são tão importantes para a vida económica do país como as veias o são para o
corpo humano.
08 – Ponte Peso-Arbo. O professor Manuel José Rodrigues
sonhou com esta ponte, mas a luz verde não veio do governo de então. Ainda não
se iniciaram as obras, mas julgo que dentro de alguns anos será uma realidade.
Melgacenses e galegos ficarão assim mais perto, com vantagens para ambos.
09 – Juntas de Freguesia. Os edifícios das Juntas eram uma
necessidade. Não se podem praticar atos administrativos sem instalações condignas.
10 – Arranjo da Alameda e Zona Histórica. O património
legado pelos nossos antepassados deverá ser sempre preservado e acarinhado. Mal
irá o concelho que isso esqueça. O povo não vive só de pão.
Além dessas obras
ainda se fizeram a Casa da Cultura, Piscinas, etc. Pensa-se também construir o
Palácio da Justiça e outras obras importantes para o nosso concelho. Poderá
parecer pouco após vinte anos de novo regime. No entanto, desde Afonso
Henriques, século XII, nunca se tinha feito nada parecido. Dê-se a César o que
é de César… Parte das infraestruturas estão criadas ou em vias disso. A
oposição: PSD, PCP, CDS, não deve criticar, na minha modesta opinião, o que foi
feito. Não tenho dúvidas sequer que se fossem eles a estar à frente dos destinos
da Câmara Municipal teriam feito o mesmo. Talvez mais, talvez melhor, mas tê-lo-iam
feito. Se disserem o contrário estarão a condenar-se à eterna oposição. Podem,
isso sim, criticar os locais escolhidos, os materiais utilizados, a escolha dos
empreiteiros; poderão criticar as prioridades, os endividamentos, os critérios…
Poderão criticar ilegalidades, se as houve; corrupção, se a houve; compadrios,
se os houve. A oposição, para ser forte, terá de se apresentar como
alternativa; com um verdadeiro programa de realizações possíveis; com credibilidade;
com pessoas dinâmicas e capazes. Hoje em dia, dizer mal não chega; se assim fora
já o 1.º ministro tinha deixado o governo há muito tempo! Por outro lado, a
ideologia de âmbito concelhio já não dá praticamente votos. Votar no PSD ou no
PS é quase indiferente. Só as pessoas que estão nas listas contam! Quanto ao
PCP ainda vai levar muitos anos a perder a imagem de “lobo mau”, autoritário.
As Festas da
Cultura, embora correndo o risco de anualmente se repetirem, são obra de vulto.
A cultura popular e erudita aliaram-se e o resultado está à vista: aparecem
livros sobre Melgaço, a televisão filma e entrevista, começam a nascer ranchos
folclóricos e grupos musicais; poetas dedicam os seus poemas a Melgaço,
fotógrafos amadores conseguem fotografias espetaculares, escultores e pintores
inspiram-se nas velhas lendas. Enfim, os melgacenses começam a sentir orgulho
na sua terra de nascimento. Falta ainda o teatro, a banda de música, um bom clube de futebol, etc.
O 25 de Abril
trouxe paz de espírito ao povo. Com o fim da guerra em África os jovens já
não precisam de emigrar. E quando o fizerem poderão ir como iguais e não como
escravos! Os jovens podem agora, em paz, escolher a sua carreira, o caminho que
melhor os conduza à sua realização pessoal e profissional. Nós não tivemos essa
possibilidade; outros escolheram o nosso destino!
Agora, e para que
Melgaço se venha a tornar num concelho do século XXI, é necessário que os
empresários acreditem que é viável e rendível investir nestes 232 quilómetros
quadrados; é necessário que a Adega Cooperativa venha a ser uma realidade e não
apenas uma miragem; é necessário que as Termas do Peso sejam mais conhecidas e
atraiam mais gente; é necessário divulgar as nossas belezas… O poeta Fernando
Pessoa dizia num dos seus poemas: «… falta
cumprir-se Portugal.» Pois bem: comecemos por Melgaço!
Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1009, de 15/6/1994.
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