MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS
Por Augusto César Esteves
D. João VI e sua mulher Carlota Joaquina
... (continuação)
Não apurei a causalidade, mas o Tomás
das Quingostas foi preso para as cadeias da Relação do Porto e essa prisão só
podia ter sido efectuada depois de 1828. Saído «das cadeias do Porto em 1832 pela
entrada do Senhor D. Pedro naquela cidade» e, na verdade
todos os historiadores daquele período da luta fratricida confirmam terem as
forças – desembarcadas em Pampelido
–, à sua chegada ao Porto aberto as prisões e soltado os presos (indultando-os assim), veio o Tomás para São Paio, sem
aguardar para a escápula a caricata aventura de Carlos Napier.
Sua mãe tinha no lugar de
Baratas uma casinha onde fora feito, dizia-se, o património do primo do seu
filho, o Padre Manuel António Pereira Codesso, morador no lugar do Cruzeiro,
mas comprada pelo seu marido era ainda solteiro. O Tomás, ao chegar à terra,
fora-se logo com machadas e verrumas, cravos e martelos à referida casa e, à
valentona, lhe cravara as portas, ficando até, alegou o padre, dentro fechadas
umas suas sobrinhas. Com este acto de violência parece ter atemorizado muita
gente e especialmente aquele clérigo, pois sempre ele se disse receoso de
perder a vida às mãos do parente. Perde-se-lhe a pista no resto daquele ano,
mas não repugna a suposição de ter gasto esses meses na formação de uma
guerrilha ou a reorganizar a malta de facinorosos e atrevidos ladrões, acusada
como já existente nos tempos anteriores à prisão. // Perto das Baratas vivia o cirurgião
de Real, Manuel José de Caldas, casado e com filhos, a prestar os seus serviços
por aquelas redondezas em troca das avenças dos fregueses, quase todas em
milho, e por isso havia bom passadio no seu lar. Ora em Janeiro de 1834, o
Tomás das Quingostas exigiu do cirurgião quarenta e sete alqueires e meio de
milho e em Julho do ano seguinte mais cinquenta alqueires e três quartos.
Poucos dias antes desta
última data a Prefeitura do Minho iniciara a caça ao homem, oficiando aos
sub-inspectores de Melgaço e de Monção para lhe ser feita guerra de morte, com
«a
suspeita que sejam um fermento de guerrilha nutrindo relações com os facciosos
do reino vizinho» e no princípio do último trimestre
deste mesmo ano secundara a caça o Governo Civil de Viana, mas confessando,
abertamente, haverem-se «tornado infrutíferas todas as medidas adoptadas para este
fim, pelo auxílio que os mesmos povos dão a este chefe, fazendo-se por isso tão
cúmplices como os referidos salteadores...»
Tomás das Quingostas nem
assim transferiu o seu quartel-general para outra região, mas os acontecimentos
políticos desenrolados no país e sobretudo no distrito, dele distraíram as
atenções dos diversos dirigentes da nação, durante o ano de 1836. À vontade
portanto, o Tomás continuou, a campear, em Melgaço; e, em 7/5/1836, fez ao
cirurgião Caldas a nova exigência de setenta e dois alqueires de milho e, como
tantos não havia em casa, levou-lhe o rol das avenças e foi cobrar a maior
parte do cereal à casa dos próprios fregueses.
O Tomás das Quingostas foi
então perseguido pela tropa e, desconfiando do cirurgião, considerando-o único
espia dos seus actos, recebeu em Agosto como indemnização: um cavalo, levado
das Baratas pelo seu companheiro bem conhecido pela alcunha «o Casal de Sante»
e em Outubro um touro, tangido desde ali pelo João Ferreiro, de Barata. Dias
antes perseguido outra vez pela tropa, fora ele encontrado no caminho de S.
Bento do Cando, em 11 de Julho. Apanhada a guerrilha de surpresa, pôde ela,
contudo, escapar-se das garras da força pública, mas deixou ficar no sítio
vários objectos e um cavalo, que a tropa apreendeu. Este insucesso foi também
imputado ao cirurgião e, para salvar a vida, remiu-o pagando uma segunda indemnização:
99$800 réis. Mas como a tal luta de morte não acabara ainda, nos primeiros dias
de Fevereiro do ano seguinte o Comandante da 4.ª Divisão Militar, com o conhecimento
e aplausos do Governo de Sua Majestade a Rainha, anunciou às autoridades locais
que, brevemente, uma força militar sob o comando do Major de Caçadores 4, José
de Figueiredo Frazão «vai ocupar esse concelho, o de Monção e Valadares, com o
importante fim de conseguirem o extermínio ou dispersão da quadrilha de salteadores
que tantos males têm causado aos seus infelizes habitantes, e de que é chefe o
malvado Quingostas.»
Poucos dias volvidos sobre
este aviso, Paderne foi ocupado por trinta baionetas da Ordem - de propósito
mandadas por autoridades superiores para efectuarem o extermínio da fera
humana. Por este mesmo tempo, no monte de Montrigo, na própria freguesia de São
Paio, casualmente vieram à fala Tomás Codeço e Manuel de Caldas e dessa
conversa saiu o empréstimo de cinco libras em ouro, feito por aquele para este
governar a sua vida. Em Março de 1838 «com muita violência e ameaças de vida»
foram-lhe ainda exigidos mais sessenta alqueires de milho. Não contente com
este canastro, segundo parece sempre aberto para fornecer de broa os
guerrilheiros, em 26 de Agosto recebeu o Tomás das Quingostas cento e cinco mil
réis por um cavalo, que lhe levara o Isidoro, alferes de voluntários e, em 17
de Outubro, uma clavina, entregue pelo Caldas na sua própria casa ao buscador
Caetano Manuel Meleiro, da Granja.
Como sempre, o Caldas de
Real foi o bode expiatório: por aquele cavalo apreendido pelo alferes de
voluntários tinha-lhe sido pedida a avultada indemnização de 207$800 réis e
para tanto lhe não pagar «se valeu de alguns amigos que o compuseram pela quantia de
cento e cinco mil réis e uma clavina de valor de cinco mil réis.»
Roubado, perseguido, procurado de dia e de noite, o cirurgião Caldas resolveu
sair de S. Paio e refugiou-se na vila, porque o Tomás era «homem destemido,
ladrão e matador, que roubava de dia e de noite e quando se lhe não
desse ou fizesse o que ele queria logo intimava à pena de vida e assim o
executava» e «depois de indultado se fez mais temível cometendo mortes e
vários roubos como foi na romaria da Senhora da Peneda em Setembro de
1838, Riba de Mouro, andando em todo monte temível, muito armado e com a
comitiva da sua quadrilha que a todos ameaçavam e todos temiam pelas suas
desordens».
Mas se tudo isto assim se
articulou no tribunal, nos mesmos autos se escreveu, que entre Tomás Codeço e
cirurgião tinha havido toda a familiaridade e bom entendimento e, por vezes,
dos dinheiros do Tomás se valeu o Caldas nas suas aflições e ainda hoje se pode
ler num papel esta passagem: // (continua)...
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