GENTES DE MELGAÇO
(biografias)
Por Joaquim A. Rocha
Freguesia de Paderne
Dr. Vitoriano ao centro, de bengala, com a família.
CASTRO,
Vitoriano da Glória (Dr.) Filho de Lourenço José Ribeiro Codesso de Figueiredo e Castro e de Maria
Joaquina Mendes. Neto paterno de Jerónimo José Codesso Soares de Figueiredo e
Costa e de Margarida Clementina de Lima Azevedo de Sousa e Castro (ele da Casa
da Portela de Paderne e ela da Casa da Cordeira, Rouças); neto materno
de Ana Luísa Mendes, natural de Cevide, Cristóval. Nasceu na Portela de
Paderne a 27/8/1860 e foi batizado a 6 de Setembro desse ano. // Fez exame da
4.ª classe em 1872, depois foi para o Liceu de Viana. Ingressou em 1890 na
Universidade de Coimbra onde, em Julho de 1895, se formou em Medicina. Fixou a
sua residência em Alvaredo antes de 1904 pelo facto de a esposa ter herdado a
Quinta da Carvalheira (para iluminar a casa comprou a João Batista dos Reis,
famoso latoeiro, o gasómetro a carbureto “Sem Rival”, inventado pelo dito
João). // Casou a 21/9/1891 com Joaquina de Boa Memória, de 17 anos de idade,
filha de Francisco José da Rocha e de Maria da Conceição Queirós, comerciantes
e proprietários na Vila de Monção e em Penso. Em Outubro de 1897 ainda morava
em Penso. // Pertenceu ao Partido Progressista no regime monárquico. Depois de
1910 aderiu à República, mas, aborrecido com esta, em 1916 já se dizia
simpatizante da monarquia. // Logo que terminou o curso abriu consultório em
Melgaço, na «Farmácia Nova», de Domingos Ferreira de Araújo, sendo nomeado
pouco depois médico municipal, tendo a Câmara criado o 3.º partido médico. // É
uma das figuras mais carismáticas do concelho. Tudo lhe acontecia! O Correio de
Melgaço n.º 41, de 1913, traz uma notícia surpreendente: «Manuel Barrenhas, de Cousso, homem – ao que dizem – de alguns haveres,
tem ido diversas vezes a casa do Dr. Vitoriano, em São Martinho [de Alvaredo],
fazendo diabruras. A última, porém, foi de consequências más, dando ao nosso
amigo médico não pequeno prejuízo, arrancando-lhe parte do arame que lhe cerca
a propriedade, e inutilizando o tejadilho e respectivos varais do seu carro.
Além destas proezas, outras o homem tem feito, sem que até hoje alguém a elas
ponha cobro. A família do nosso digno amigo e vizinhança vive em sobressalto,
pois que o doido tem ideias incendiárias. O Dr. Vitoriano já fez queixa à
autoridade administrativa, que imediatamente deu as necessárias providências.»
// Outra má notícia aparece-nos no Correio de Melgaço n.º 120, de 13/10/1914: «Quando no sábado último se dirigia a esta
Vila o Dr. Vitoriano, guiando o seu carro e trazendo nele Henrique de Sousa, do
Porto, João Batista Reis e o pequenito Lourenço, ao chegar próximo do Rio do
Porto o cavalo não susteve o peso do carro e precipitou-se na propriedade de
Manuel Pires, a uns três metros abaixo da estrada. O carro virou-se sobre os
passageiros que, devido a uma latada, amorteceu o choque – nada mais sofreram
do que o susto.» // Outro caso menos agradável para ele foi quando a Câmara
Municipal abriu concurso para um médico do 2.º partido, oferecendo 400$00/ano.
O Dr. Vitoriano era detentor do 1.º partido e recebia 300$00. Candidatou-se; os
outros candidatos eram o Dr. Manuel Pinto Magalhães e Dr. Joaquim Pereira (Correio
de Melgaço n.º 173, de 7/11/1915). Foi
escolhido o Dr. Magalhães. Uma injustiça, segundo a opinião dos colaboradores
do “Correio de Melgaço”. Vingança! – acusavam os seus correligionários. O lugar
já estava destinado ao Dr. Magalhães, segundo os do Correio de Melgaço: «O que revolta e indigna é que o Dr.
Vitoriano, credor de todas as deferências e com uma larga folha de serviços
prestados durante vinte anos, fique a perceber menos 100$00/ano! Isso não pode
ser! Contra isso protestamos ardentemente e gritaremos sempre: abaixo a
iniquidade!» (Correio de Melgaço n.º 175, de
21/11/1915). «Ó
céus! – porque não baixais à terra num momento dado e por intermédio de um
planeta limpais dela esses homens, elevando-os para essas regiões onde não mais
fossem vistos do povo?» (CM 176, de 28/11/1915). Os do “Jornal de Melgaço”, do partido político oposto,
aplaudiam. Os vereadores argumentavam: «para
ele concorrer teria que se demitir de médico municipal.» Logo contra
argumentaram os do Correio de Melgaço: «onde
está a lei que manda que o médico se demita do lugar que ocupa para concorrer a
outro qualquer lugar, quer fora quer dentro do concelho?!»
Dr. Vitoriano ainda jovem.
Vendo bem as coisas, de facto existia alguma animosidade, tendo em conta que ele era o subdelegado de saúde – não devia ganhar menos do que o seu colega. Por esta e outras coisas, é que mais tarde passou a ser tudo controlado por Lisboa. Também o acusaram, aquando da epidemia da febre tifóide em Castro Laboreiro, iniciada em Agosto de 1913, de não ir lá com regularidade, e até de se fazer passar por doente para não ir. Lê-se no Correio de Melgaço n.º 92, de 22/3/1914: «O subdelegado de saúde de Melgaço nas suas visitas a Castro, desde que ali se encontra pessoal da Cruz Vermelha, tem sido por este delicada e atenciosamente recebido, acompanhando-o um dos seus enfermeiros na visita aos doentes, como pela mesma autoridade sanitária é confirmado, ao mesmo tempo que reconhece os bons serviços, admirável dedicação e comprovado zelo do referido pessoal…» Foi também publicado, no “Aurora do Lima”, um desmentido acerca de um suposto conflito entre ele e o pessoal da Cruz Vermelha destacado em Castro. Mas nem tudo era negativo. O Dr. Augusto César Esteves, na altura notário e advogado em Monção, num agradecimento por morte de seu pai, ocorrida em Setembro, escreveu a 3/11/1914: «… Aproveito também a ocasião para novamente patentear aos Ex.mos Dr.s Vitoriano Ribeiro de Figueiredo e Castro e Bernardo Salgueiro e Cunha, distintos facultativos, os sentimentos da minha eterna gratidão pela forma carinhosa e desvelada como trataram, durante a doença, meu saudoso pai, e pelos esforços que envidaram para debelar o mal que deste mundo dos vivos fez riscar mais um nome» (Correio de Melgaço n.º 123). Para se ficar com uma ideia dos seus ideais políticos, transcrevo uma entrevista que ele concedeu ao Correio de Melgaço n.º 221, de 22/10/1916, aquando da campanha para as eleições de 5 de Novembro:
«Na
árdua faina duma clínica enorme, fomos encontrar o ilustre médico municipal e
subdelegado de saúde, Dr. Vitoriano, que a correr nos diz sobre a nossa
pergunta acerca da lista do concelho e eleições próximas:
- A lista do concelho, meu caro, é, como vê, formada pelos nomes mais em
evidência e que melhor garantia nos dão de que Melgaço prosperará sob a sua
administração. Não preciso de especializar para demonstrar a competência,
honestidade e sensatez dos indivíduos que sobre si tomaram o honroso mas
difícil encargo de gerir os negócios municipais. Custou ainda decidir alguns,
mas perante o descalabro em que Melgaço andava, as dificuldades
desaparecem, abateram-se as bandeiras partidárias e formou-se esse núcleo forte
de homens decididos e enérgicos, dispostos a defender os interesses do povo,
contra as arremetidas dos que só têm procurado aumentar os impostos, sugar o
pobre até ao último ceitil.
- Ora, isso há-de acabar.
- Com o projecto do meu amigo Dr. Durães, de colectar em dois centavos
as garrafas de água que são exportadas para o Porto, Lisboa, e mais partes,
cria-se uma receita que deve orçar entre seis e sete contos por ano. Se essa
receita não servir para outros planos grandiosos, que ele já apontou, servirá
para melhorar as condições péssimas de vida em que se encontra a maior parte
das freguesias do concelho. E supondo que a receita líquida é só de seis contos
anuais verá que, no fim do triénio por que a vereação é eleita, somará a bonita
quantia de dezoito contos, que distribuídos pelas dezoito freguesias dará um
conto de réis para cada uma.
- E os católicos? – (…) Não concorrem à urna com os senhores?
- Em vista da constituição da lista, tendo a representá-los quatro
sacerdotes dos mais dignos e considerados, julgo que nenhum católico, que seja
crente sincero, deixará de votar connosco. Demais, a lista contrária não lhes
dá nenhuma garantia de consideração, antes pelo contrário, segundo é voz geral
e corrente, fazem parte dela indivíduos que estão metidos na seita maçónica,
que como sabe é inimiga figadal da Igreja.
- Contudo…
-
Sim, contudo talvez haja católicos, e quem sabe se até ministros da própria
religião, que votarão contra nós, contra os seus colegas e a favor dos
maçónicos. Mas com certeza esses católicos só o são de nome; e se o não forem o
seu remorso será o maior castigo que podem ter. Os sacerdotes ficarão sempre
com a mácula de se terem unido aos maçónicos, e os outros… mas não creio que
haja um único católico – e muito menos um sacerdote – que vote contra a
religião, que vote a favor da maçonaria. Seria um crime de lesa-religião, seria
a maior baixeza, seria o maior vilipêndio.»
Estavam representados três partidos nessa lista:
Democrático (Afonso Costa), Evolucionista (António José de Almeida) e Católico
(não republicanos): clero, nobreza e povo. Faltava a União Republicana (de
Manuel Brito Camacho), por não ter expressão no concelho de Melgaço. À cabeça
da lista estavam o padre Francisco Leandro Álvares de Magalhães, reitor de
Alvaredo, e o advogado, Dr. António Augusto Durães. A lista contrária era
chefiada pelo capitalista João Pires Teixeira. Por ironia do destino, e devido
à agitação que pairava na capital, essas eleições foram adiadas sine die… // O
Governador Civil, a 19/3/1918, visitou o concelho. Foi acompanhado pelo Dr.
Vitoriano, Dr. Antonio Durães, e pelos partidários deste: Luís Vicente
Rodrigues, José Barbosa Martins, padre Francisco Leandro e António Xavier de Castro,
irmão do médico. «Como se vê,
compareceram somente os chefes monárquicos e o antigo chefe democrático, que
nesta qualidade tão falado foi; (…) lembramos que foram aqueles senhores que o
acompanharam quem – aliados ao chefe democrático – puseram este concelho em
estado de sítio.» Isto lê-se no Jornal de Melgaço n.º 1200, de 23/3/1918.
// E não havia de cair a 1.ª República! // Os seus adversários não lhe davam tréguas.
No Jornal de Melgaço n.º 1226, de 15/11/1918, pode ler-se: «… informado o delegado de saúde do distrito de
que em Castro grassava a epidemia (influenza
pneumónica), envia
um ofício para o subdelegado deste concelho, encarregando-o de mandar um médico
para aquela freguesia; mas o ofício – não sei por que arte mágica – em vez de ser entregue ao Dr. Salvador (a substituir o Dr. Vitoriano por este estar doente) que exercia as funções
de subdelegado, vai parar às mãos do Dr. Vitoriano que, por estar doente, e por
isso arredado do serviço, nada devia subdelegar; a mania, porém, do mando faz
que a sua doença desapareça, e imediatamente entra em exercício para mandar o
Dr. Salvador para Castro Laboreiro…» - Mas o médico não vai! Escreveu o professor
Dâmaso, que assinava “Grilo”: «Pobre
doutor! Querem forçar S. Ex.ª a sofrer o duro inverno em Castro! Para aquela
freguesia seria uma felicidade, mas a S. Ex.ª - que pode dizer-se afoitamente
foi quem debelou a epidemia nesta Vila e freguesias limítrofes – seria justo
dar como prémio um inverno [na serra?!] Maldito
prémio! Altercam um pouco na Praça da República, o Dr. Vitoriano reentra em
exercício como subdelegado, e quer então que o Dr. Salvador seja desterrado
para [a montanha]; e como na
actualidade o Dr. Vitoriano politicamente vale alguma coisa leva o caso para o
Governo Civil, sendo dada ao Dr. Salvador ordem de marcha para Valença. Mas Sua
Ex.ª lá foi para Valença e continuam dezassete freguesias deste concelho
entregues, exclusivamente, ao Dr. Vitoriano, o que representa o regresso e
alastramento da epidemia e daí a morte de centenas de pessoas…» (Jornal
de Melgaço n.º 1226, de 15/11/1918). Mas
não foi assim: para substituir o Dr. Salvador veio para Melgaço o Dr. Manuel
Dias Moreira «que no ano passado tão bons
serviços prestou a este município quando grassou por aqui a pneumónica» (Jornal
de Melgaço n.º 1262, de 14/9/1919). Na
Vila de Melgaço encontrava-se na altura um grupo de oito elementos da Cruz
Vermelha, não havendo entre eles nenhum médico; no entanto fizeram o que estava
ao seu alcance, dando luta sem tréguas à maldita epidemia. // No mesmo número
daquele jornal (Jornal de Melgaço n.º 1226) ainda lemos: «Faleceu
esta rapariga (Maria José) tendo-se-lhe talvez
podido evitar a morte se o Dr. Vitoriano tivesse cumprido melhor os preceitos
da caridade. É certo que este doutor (…) tem tido bastante que fazer; apesar
disso, porém, estando Sua Senhoria na farmácia do compadre, onde a mãe da
finada lhe pede por três vezes que vá ver sua filha que se encontrava com muita
febre, a todos esses pedidos responde: - «não vou lá.» Mas o amor de mãe que – quando vê sua filha em perigo – em nenhuma coisa pensa que não seja procurar
descobrir o meio de conseguir que o doutor vá ver sua filha, lá se lembra de
pedir a um terceiro, e desta maneira consegue que o médico vá ver a agonizante.
Vai, mas tanto valeu como nada, porque, mesmo sabendo do seu ofício, com tanta
demora a doença lá foi caminhando, de sorte que [a moça] lá está no cemitério. Um abalizado
[clínico], que nesta epidemia tem
prestado a este concelho relevantes serviços, diz que está admiradíssimo da
benignidade da moléstia nesta região. Diz mais que – tratados os doentes convenientemente – poderia morrer uma
em cada cem pessoas atacadas. Não [podia] ser Maria José uma das noventa e
nove? Mais caridade, pois, que nem todas as pessoas terão a feliz ideia de
recorrer a uma terceira, e assim das cem pessoas atacadas irão noventa e nove
para o cemitério, salvando-se apenas uma!» // Esta acusação é deveras
grave, no entanto, e a ser verdade, até certo ponto compreende-se a atitude do
médico. Provavelmente já tinha visto a paciente e chegado à triste conclusão de
que nada havia a fazer. A maldita epidemia, talvez devido à guerra, atingiu
forte o concelho de Melgaço – dias houve que muitos mortos iam para o cemitério
embrulhados em lençóis, pois já não chegavam as urnas! Mesmo com a ajuda da
Cruz Vermelha o Dr. Vitoriano não tinha mãos a medir; a sua força, a sua
resistência, estavam a ressentir-se de tanto trabalho e sobretudo de tanto
sofrimento. Criticar é fácil, mas é necessário estar no terreno, ver morrer
crianças e adultos nos braços, sem nada poder remediar, pois os medicamentos
também escasseavam. Por incrível que pareça, até o Dr. Manuel Pinto Magalhães,
que exercia a sua actividade de médico em Melgaço, faleceu, devido à terrível
febre, em 1918! Contudo, houve casos de sucesso, por exemplo a família de José
Augusto Domingues “Cabanal”. // Uma carta de Penso, escrita por um tal “João do
Cabo” e publicada no Jornal de Melgaço n.º 1229, de 6/12/1918, é aviltante! O
ódio, um ódio cego e bruto, tenta perfurar, destruir, a imagem de um homem, que
era – apenas – um ser humano como outro qualquer. Leia-se: [Na epidemia bronco-pneumónica «que grassava
com uma intensidade assustadora» o Dr. Vitoriano lembrou-se do velho adágio –
«vale mais burro vivo do que sábio morto» – fingindo-se doente e conservando-se
em casa, com as fendas bem calafetadas, a caldos de galinha. Nem uma mulher
parida, coitado! Não me admiraria muito que (…) se recusasse a prestar os seus
serviços clínicos àqueles que não lêem pela sua cartilha de velho talassa; mas,
aos que solicitamente o acompanham quando ele aspira ao mando, não me admira,
somente espantei-me e até cheguei a proferir estas palavras: «é o homem mais
ingrato e pulha que eu tenho conhecido.» Mas tudo isto estaria muito bem se esse
filantropo de mísera fama pudesse assim proceder com este ou aquele indivíduo
que mais ou menos simpatias lhe merecesse. O seu dever não é restrito e por
consequência tem de estender-se a todos os que, com urgência, dos seus serviços
carecem, demais a mais quando de lágrimas nos olhos se suplicam. Ora dar
respostas como esta: «vale mais a vida dum médico do que a de vinte ou trinta doentes que morram sem a minha
assistência.» É duro, é horripilante! E quantos morreriam mesmo com ela?!]
Ter
receio da morte é próprio do ser inteligente, não é sinónimo de cobardia. O
médico arrisca a vida, mas não cegamente. Quando há uma epidemia, sem os meios
adequados para a combater, não há médicos que nos valham. Os medicamentos, as
condições higiénicas, etc., são fundamentais para debelar a doença. Numa terra
do fim do mundo, sem transportes, sem estradas para as diversas freguesias,
isoladas pela neve e pelo frio, como Castro Laboreiro, que havia de fazer o
médico? O Dr. Vitoriano viu morrer o seu colega, Dr. Magalhães, a 19/10/1918,
atacado pela febre pneumómica; era jovem, e viera para Melgaço havia pouco mais
de um ano. Era generoso, entrava em todas as casas onde havia doentes com a
epidemia, não se acautelou, e assim terminaram os seus dias numa cama do hospital,
vítima da doença que tentara combater. O seu corpo foi levado para Felgueiras,
em cujo cemitério jaz, em jazigo de família. Para o substituir veio o Dr.
Manuel Dias Moreira, que continuou a luta contra essa febre maldita. O Dr.
Vitoriano foi uma espécie de bode expiatório para todos os males que surgiram
no concelho nessa época – os colaboradores do Jornal de Melgaço até o acusaram,
a ele e ao irmão António Xavier, a quem deram a alcunha de “Furrica”, de «amancebias e escândalos públicos!» E
puseram-no a ridículo, no dito jornal, quando publicaram a quadra, inspirada,
segundo eles, num conselho do Xavier ao irmão: «Mano, querido mano,/escuta o que eu te digo:/mano, vai para um convento/não
esperes pior castigo.» // Em sessão da Câmara Municipal de Melgaço de
6/3/1919 leu-se um seu requerimento, o qual teve a seguinte resposta: «sobre o requerimento apresentado pelo senhor
Dr. Vitoriano da Glória Ribeiro de Figueiredo e Castro, concorrente ao 1.º
lugar do 1.º partido deste município, foi deliberado, por proposta do vogal
Nóvoas, ficar para se resolver na próxima sessão.» // Em 1920 a gente do Jornal
de Melgaço voltou a incomodá-lo: «A
enterite, que há já bastante tempo grassa neste concelho, em vez de decrescer
tende infelizmente a alastrar, ouvindo-se diariamente dobrar a finados em
várias freguesias. Visto o subdelegado de saúde parecer esquecer-se ou desconhecer
a existência da epidemia, lembramos à digna autoridade administrativa e Câmara
Municipal deste concelho a conveniência na requisição dum destacamento da Cruz
Vermelha e dois médicos, por ser impossível aos dois facultativos municipais
atender às necessidades de todos os doentes, visto a epidemia ter-se alastrado
quase por todo o concelho» (Jornal de Melgaço n.º 1303, de
29/8/1920). // Por ter atingido o limite de
idade foi aposentado em 1930. Pelo Presidente da República foi-lhe concedido o
grau de oficial da Ordem de Benemerência, que recebeu das mãos do Governador do
distrito, José Ornelas Monteiro, a 10/10/1948. // Faleceu na sua casa da Carvalheira
a 6/8/1951. Em A Voz de Melgaço de 15/8/1951 o correspondente escreveu: «... – O seu funeral, que se realizou no dia oito,
foi grande manifestação de pesar, e nele vimos a quase totalidade das pessoas
de maior representação no nosso meio, bem como um grande número de autoridades
civis e militares. O “féretro” foi acompanhado por três irmandades, duas da
Vila e uma de Alvaredo, e para pegar
às borlas foram constituídos seis turnos: - do 1.º faziam parte o Dr. Carlos
Luís da Rocha e professor Manuel Pinho Gonçalves, respectivamente Presidente e
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Melgaço, Dr. Sérgio Saavedra … e
Herculano Arsénio Gomes Pinheiro, chefe da secretaria da Câmara; do 2.º o Dr.
António Cândido Esteves, Tenentes Fernando José Lopes e Jacinto Freitas, e José
Maria Pereira; do 3.º o agente da polícia Sousa, e Luís Abreu, presidente da
Junta de Freguesia, Manuel da Rocha e Oceano Atlântico Ribeiro; o 4.º, Armando
Solheiro, Carlos Ribeiro Lima e José Esteves, funcionários da Câmara Municipal
de Melgaço, e António P. Lima, vogal do Conselho Municipal; do 5.º o Dr.
Augusto Esteves, José Figueiroa, Dr. João Barros Durães e professor António
Pinho Gonçalves; e do 6.º Mário Ranhada, Artur Teixeira, Dr. José Joaquim Abreu
e Constantino Silva. A chave da urna foi conduzida por Valeriano G. Bessa...
Após a missa e ofícios de corpo presente, foi a urna depositada em jazigo para
esse fim por ele próprio mandado construir no cemitério de Alvaredo…» // E
no Notícias de Melgaço n.º 989, de 12/8/1951, pode ler-se: «… quem há por aí que, tendo coração, não o
faça reviver a seus olhos, não evoque aquele roble ainda há pouco bem esbelto e
não recorde o caminheiro infatigável e constante, percorrendo todas as nossas
freguesias, só para levar aos seus doentes, quase sempre gratuitamente, uma
esperança, uma alegria, um pouco de conforto moral ou a mitigação das dores?»
E ainda: «Magro, mas de construção física
resistente, só uma vez a doença atirou com ele para o leito.» E mais à
frente: «… no Homem havia a verdadeira vocação
de médico e no clínico pulsava sempre um coração nobre, bondoso e humanitário.»
// No livro “Padre Júlio Vaz apresenta Mário”, nas páginas 93-94, lê-se: «… abnegado, prestigioso e sempre lembrado médico
que fez do seu munus um verdadeiro sacerdócio.» E a seguir: «Fosse onde fosse, fizesse o tempo que
fizesse, nunca ninguém, rico ou pobre, remediado ou não, adoeceu que não
tivesse à cabeceira a assistência pronta do Dr. Vitoriano. E caso notável:
desapegado como era dos bens deste mundo, mormente dos necessitados, jamais
recebeu pelos seus serviços clínicos tanto como um ceitil cortado ao meio.»
// Como curiosidade sublinhe-se que teve como amigos e companheiros em Coimbra
o Dr. Afonso Costa e o Dr. António José de Almeida, dois vultos gigantes da 1.ª
República. // A sua viúva deixou este mundo a 19/2/1955: «a ilustre extinta era a bondade personificada», lê-se em A Voz de
Melgaço de 1/3/1955. // Ainda em nossos dias há quem se lembre dele, sobretudo
quando se deslocava na sua charrete, puxada por um garboso cavalo. Certo dia
aconteceu-lhe mais um percalço. Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 463, de
24/9/1939: «Na passada sexta-feira, à
tarde, quando do Peso vinha para esta Vila o Sr. Dr. Vitoriano no seu carro de
cavalos, junto da Ponte da Cividade, uma pobre mulher, já de idade, que pela mão trazia uma cabra, teve a infelicidade
de ser arrastada pelo animal que se assustou, caindo a pobre velha da ponte
abaixo. Ferida, na cabeça, foi retirada do leito do regato por Manuel Cristina
Pereira, agente da polícia internacional, e a seguir conduzida ao hospital da
Misericórdia, desta Vila, onde foi internada.» // Apesar de ter sido um
homem generoso e uma figura grandiosa, como homem político arranjou alguns
inimigos! // Com geração.
Dr.
Vitoriano ao centro, medalhado.
Gratidão, esse senhor é meu bisavô.
ResponderEliminarVocês sabem se o Dr.Vitoriano tinha irmãos? Estou procurando a família de meu avô Salvador Augusto Mendes Ribeiro de Figueiredo e Castro. Ele veio para o Brasil. Obrigada! Maria Elizabeth Ribeiro e Castro
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
EliminarÉ possível que o meu bisavô seja irmão do seu bisavô.
EliminarMeu avô! Obrigada!
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