terça-feira, 17 de dezembro de 2019

 
 

 
 
1.ª Parte
(continuação)
 
41

 

Quantas mulheres tornaste viúvas,

Quantos seres roubaste à natureza,

Tuas mãos rudes, vestidas de luvas,

Levaram aos lares fome e tristeza;

Nas praias há homens tocando tubas,

Sustentando os luxos da realeza.

Antes que a revolta estale em seu peito

Urge mudar lei, todo o direito.

 

42

 

Vamos dar ao povo o que é do povo,

Esqueçamos reis, príncipes, rainha;

Ofereça-se ao pobre um mundo novo,

Arroz de pato, canja de galinha;

Um ordenado que seja o dobro

Dessa insignificância mesquinha.

Pra que o trabalhador seja feliz

Não o obriguem a dobrar a cerviz.

 

43

 

Mísera terra, e míseros sóis,

Que cobrem com seu manto essa gente;

Giram na onda como girassóis,

A nenhum deus do Olimpo são temente.

Alimentam-se de ótimos rissóis,

São donos da ilha e do continente.

Controlam o tempo, a luz, a chuva,

Bebem espumante de pura uva.

 

44

 

Manuel Primeiro, «O Venturoso»,

Leva ao papa Leão rica embaixada,

De peito feito, muito orgulhoso,

Tudo prevê, não lhe escapa nada!

Oferta-lhe presente luxuoso,

Uma cruz em ouro, toda esmaltada.

Em troca pede treze regalias:

Para os bispos, padres, e obras pias.

 

45

 

O papa  recebe o embaixador

Com requintes de corte imperial.

- «Manuel», diz, «é um grande senhor,

Engrandece o nome de Portugal.

É uma honra, um grande favor,

Tê-lo como amigo, como igual.

Vais levar-lhe uma excelsa bula…

Que cem regras obsoletas anula

 

46

 

O português aceita, comovido,

O alto presente do senhor da igreja;

E num gesto de respeito atrevido

Sua branca e húmida mão beija.

O príncipe sorri, agradecido,

 Dá ao luso um licor de cereja.

E assim termina essa visita,

No desejo de que ela se repita.

 

47

 

Manuel recebe o embaixador,

Promove-o a ministro da corte;

Chama-lhe fidalgo, douto senhor,

Dá-lhe nome para além da morte.

E o povo, esse grande sofredor,

Inveja-lhe, com razão, sua sorte.

Mas num gesto puro, enigmático,

Considera tudo isso vil, errático.

 

48

 

Rei sofre da síndroma da vaidade,

Tudo para ele é importante:

Aldeia, vila, região ou cidade,

Tudo é poderoso, alto, gigante, 

Desde que aceitem sua vontade,

Seu poder, a mulher, a bela amante.

E para que a lei seja justiceira,

Concede forais à nação inteira.    

 

49

 

Reforma a antiga legislação,

Ditas Ordenações Manuelinas;

Afirma que a circum-navegação

É apenas sombra, puras neblinas.

Foge da mentira, do beija mão,

Ilusório canto de matinas.

Torna-se soberano poderoso,

E seu povo chama-lhe o Venturoso.

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