1.ª Parte
(continuação)
41
Quantas
mulheres tornaste viúvas,
Quantos
seres roubaste à natureza,
Tuas
mãos rudes, vestidas de luvas,
Levaram
aos lares fome e tristeza;
Nas
praias há homens tocando tubas,
Sustentando
os luxos da realeza.
Antes
que a revolta estale em seu peito
Urge
mudar lei, todo o direito.
42
Vamos
dar ao povo o que é do povo,
Esqueçamos
reis, príncipes, rainha;
Ofereça-se
ao pobre um mundo novo,
Arroz
de pato, canja de galinha;
Um
ordenado que seja o dobro
Dessa
insignificância mesquinha.
Pra
que o trabalhador seja feliz
Não
o obriguem a dobrar a cerviz.
43
Mísera
terra, e míseros sóis,
Que
cobrem com seu manto essa gente;
Giram
na onda como girassóis,
A
nenhum deus do Olimpo são temente.
Alimentam-se
de ótimos rissóis,
São
donos da ilha e do continente.
Controlam
o tempo, a luz, a chuva,
Bebem
espumante de pura uva.
44
Manuel
Primeiro, «O Venturoso»,
Leva
ao papa Leão rica embaixada,
De
peito feito, muito orgulhoso,
Tudo
prevê, não lhe escapa nada!
Oferta-lhe
presente luxuoso,
Uma
cruz em ouro, toda esmaltada.
Em
troca pede treze regalias:
Para
os bispos, padres, e obras pias.
45
O
papa recebe o embaixador
Com
requintes de corte imperial.
-
«Manuel», diz, «é um grande senhor,
Engrandece
o nome de Portugal.
É
uma honra, um grande favor,
Tê-lo
como amigo, como igual.
Vais
levar-lhe uma excelsa bula…
Que
cem regras obsoletas anula.»
46
O
português aceita, comovido,
O
alto presente do senhor da igreja;
E
num gesto de respeito atrevido
Sua
branca e húmida mão beija.
O
príncipe sorri, agradecido,
Dá ao luso um licor de cereja.
E
assim termina essa visita,
No
desejo de que ela se repita.
47
Manuel
recebe o embaixador,
Promove-o
a ministro da corte;
Chama-lhe
fidalgo, douto senhor,
Dá-lhe
nome para além da morte.
E
o povo, esse grande sofredor,
Inveja-lhe,
com razão, sua sorte.
Mas
num gesto puro, enigmático,
Considera
tudo isso vil, errático.
48
Rei
sofre da síndroma da vaidade,
Tudo
para ele é importante:
Aldeia,
vila, região ou cidade,
Tudo
é poderoso, alto, gigante,
Desde
que aceitem sua vontade,
Seu
poder, a mulher, a bela amante.
E
para que a lei seja justiceira,
Concede
forais à nação inteira.
49
Reforma
a antiga legislação,
Ditas
Ordenações Manuelinas;
Afirma
que a circum-navegação
É
apenas sombra, puras neblinas.
Foge
da mentira, do beija mão,
Ilusório
canto de matinas.
Torna-se
soberano poderoso,
E
seu povo chama-lhe o Venturoso.
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