POEMAS DO VENTO
Por Joaquim A. Rocha
PRISÃO SEM GRADES VISÍVEIS
Deixai-me ainda possuir o vento,
como vós possuís vossas amantes;
deixai ainda afogar minha dor
nas ondas revoltas do imenso mar.
Deixai-me respirar este poluído ar
que suja meu peito destroçado.
Deixai-me ser eu por algum tempo.
Deixai minha imaginação voar juntamente
com as aves dos ares e com as nuvens dos céus.
Deixai meu pensamento confundir
o real com o aparente.
Deixai saciar minha sede nos oceanos profundos.
Deixai que eu tenha tormentos!
Deixai, enfim, que eu atropele todo o mundo!
Deixai que abarque, num só abraço, toda a
humanidade raquítica, esgrouviada,
esfomeada, espoliada, e me vingue,
um só momento,
de toda a humilhação por me terdes
trazido ao vosso mundo-cão!
Eu não sou como vós – eu detesto-vos!
Sou um pedaço de ódio rolando no espaço,
sem mais espaço para rolar.
Sou erva daninha destruindo toda a
vossa ração de carneiros imundos.
Sou tempestade nas vossas ocas
cabeças de elefante balofo e manso!
Eu sou destruição, anjo mau da natureza!
Sou a própria natureza: agrido, violento,
esfarrapo e destruo!
Sois os meus inimigos; sou o vosso inimigo.
Vós não podeis comigo. Eu sou o cerne da
vossa culpa – sou a vossa culpa!
Sou a vossa permanência putrefacta
neste mundo putrefacto!
Eu borro a vossa pompa bacoca, bacilizada;
eu mijo nas vossas caveiras
plásticas, artificiais.
Estou-me nas tintas para as vossas vis,
asquerosas, peçonhentas, existências.
Vós ultrajastes-me, obrigastes-me a viver!
Destes-me um nome e um número
e atirastes-me para o meio de vós.
Mas eu confundo-vos, eu fujo
da vossa presença.
Eu não sou um dos vossos – não!
Eu posso ainda autodestruir-me.
É um trunfo nas minhas terríveis mãos
- é incontrolável.
Eu saberei usá-lo.
Nesta prisão, sem grades visíveis,
continuarei a resistir.
A negar que vivo!
Mas o que é a vida senão este desespero?
2/5/1978
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