quarta-feira, 6 de março de 2019

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha





UMA PRENDA PARA OS MELGACENSES

 

      Há livros e livros: este, «Padre Júlio Apresenta Mário», é um daqueles livros que depois de aparecerem apetece-nos comentar: - que pena não ter surgido mais cedo! Para aqueles sujeitos pessimistas, que julgam que a sua e nossa terra é como a idosa Sara, mulher de Abraão, que só dá à luz um filho no ocaso da vida, ei-los agora envergonhados perante a obra poderosa de um genuíno filho de Melgaço cujos conhecimentos e dados buscou incansavelmente nas poeirentas prateleiras da Torre do Tombo e na Biblioteca Nacional de Lisboa. Não é obra perfeita, não, porque a perfeição é praticamente inatingível, nem o Mário é José Matoso, Vitorino Magalhães Godinho, ou Oliveira Marques, além de outros de igual craveira, mas dentro das suas limitações conseguiu provar que quando se ama a terra e as suas gentes é-se capaz de produzir algo de valioso, apesar dos enormes obstáculos e da apatia e descrença dos demais.

     O padre Júlio deu, através desta obra, a todos os melgacenses, sobretudo às gerações mais novas, a possibilidade de conhecerem os trabalhos desse infatigável investigador por conta própria que foi o Aldomar Rodrigues Soares. Interrogo-me, e outros se interrogarão comigo, como conseguiu ele tanta informação, manusear tantos documentos: crónicas antigas, jornais de província e milhares de diários do governo, além de centenas de assentos de batismo, casamento e óbito; ler páginas e páginas de livros de História, além de outras leituras, em tão pouco tempo (faleceu com 49 anos de idade, mas aos 33 adoeceu gravemente, doença «que lhe causou a surdez total e parilisia do flanco direito») e nas condições adversas em que o conseguiu!

       Não acredito muito em seres sobredotados, mas é óbvio que o Mário produziu obra grande sem a ajuda de computadores ou de mestres consagrados, ou mesmo de grandes recursos financeiros, que não possuía! Estamos perante um homem extraordinário, que lutou rijamente contra a adversidade e venceu. Os jovens que hoje procuram heróis como modelos e que normalmente os encontram nos músicos europeus e americanos, que casam a energia e o talento com a perversidade, reparem neste símbolo de humildade e saber, que nos oferece de graça o seu tesouro, o seu património intelectual.

     A História de Melgaço enriqueceu imenso com a publicação deste livro – das lacunas existentes muitas delas foram agora colmatadas; outras aguardarão a sua vez. Não me custa acreditar que o autor, com este seu exemplo, venha a criar apetência pela investigação a muitos jovens. Mário penetrou fundo em várias disciplinas, geralmente reservadas a especialistas: sociologia, linguística, história, heráldica, toponímia, hidrografia, genealogia, etc.

     Aldomar não foi um cientista profissional porque as circunstâncias em que viveu não lho permitiram, mas foi, isso sim, um amador no sentido nobre da palavra – amou aquilo que fez e o resultado está agora à vista de todos. Algumas pessoas, querendo-o apoucar, poderão eventualmente argumentar que ele não passou de um simples curioso e que devido à sua prolongada doença essas coscuvilhices históricas ajudá-lo-iam a passar o tempo. Se ouvirem dizer tal coisa, não acreditem: existem milhões de pessoas doentes no planeta e que eu saiba a grande maioria não se dedica à investigação, pelo contrário, deixam-se quase sempre levar pela doença, ficando abatidas e incapazes de produzir seja o que for de útil ou de belo – o nosso escritor foi uma exceção.

     O livro enferma, como os leitores hão-de verificar, de alguns lapsos, algumas imprecisões, que oportunamente apontarei; uns serão simples erros tipográficos, outros não. Se figuras proeminentes das ciências e das artes os cometem, munidos como estão de equipamentos sofisticadíssimos, e de pessoal às ordens para os auxiliarem em tudo de que precisam, por que não o Mário que apenas se tinha a si próprio e com enormíssimas carências?

     A segunda parte, que começa na página 257, insere os poetas, romancistas, investigadores, artistas (fotografia, arte sacra, pintura, teatro, música, etc.) que formam a plêiade melgacense, uns já desaparecidos, outros vivos, agora todos irmanados numa publicação de grande qualidade. Outras personalidades foram omitidas, não por desprezo ou outra qualquer razão obscura, pois o padre Júlio tudo fez para não discriminar fosse quem fosse, mas sim por se tratar de pessoas que de Melgaço apenas possuem uma ténue lembrança e até uma delas (José Luís Pires Laranjeira, nascido no hospital da Misericórdia em 1950, mestre em Línguas e Literaturas, professor na Universidade de Coimbra, poeta, jornalista, contista) me disse, quando com ele conversei na Sociedade de Língua Portuguesa, que a sua terra desde há muitos anos era Rio Tinto – de Melgaço já pouco se lembrava!

      Que diferença: os professores melgacenses que se encontram a lecionar nas Universidades do Porto e Braga, esses sim, amam o seu torrão natal e dedicam-lhe bastante do seu tempo e da sua ciência. Não quero também esquecer o arquiteto Luís de Magalhães Fernandes Pinto porque, embora não lhe conheça a obra da sua especialidade no concelho, colaborou na edição de «O Meu Livro das gerações Melgacenses», trabalho genealógico do Dr. Augusto César Esteves, cuja importância nunca será de mais realçar, apesar de nele não se incluir um ror de apelidos – uma falha!

     Como os últimos nem sempre o são, quero agora referir-me à capa do livro: como certa vez já o disse, eu não sou especilalista nesta matéria, por isso a minha opinião é fruto apenas de um olhar furtivo e global, descurando pormenores, passando em claro aqueles pequenos nadas que, por isso mesmo, fazem a grandeza do mestre. Para mim a capa está adequada à matéria do livro: sóbria, com uma cor discreta, que por o ser partilha de uma intimidade que se deseja, tendo em conta não só o rigor das ciências mas também a sua não espetacularidade. Dizia-me certo dia um editor que a capa de um livro deve dar de imediato ao leitor a ideia daquilo que vai ler. Isto é: para assuntos sérios, uma “roupagem” a condizer. Manuel Igrejas dispensa elogios, pois o seu talento e arte já estão bastante divulgados e a sua obra, da qual conhecemos apenas uma milionésima parte, está um pouco espalhada por todo o lado.

     Não queria acabar este artigo sem mencionar o poeta Ribeiro da Silva, professor e antigo diretor do Notícias de Melgaço, a quem o Gú se refere no seu livro «Poesia Popular», dizendo que foi por ele influenciado e que lançou as suas gazetilhas «sob suas indicações e seus ensinamentos».
 
 

Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1060, de 1/11/1996.




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                                                                 VENDO = 10 euros


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