quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS
 
Por Augusto César Esteves







// continuação...

     E enquanto os fiéis e o clero iam erguendo aquela igreja de uma só nave, os homens do concelho à ordem do rei e com a ajuda dos povos vizinhos sujeitos à anúduva, pelo menos os moradores dos casais de Ferreiros, da Nogueira e do Outeiro na freguesia de Alvaredo; os do Barral e de Nabaelios – onde terá sido Nabaelios? – no couto de Paderne; os de Fiães e os de Riba de Mouro fizeram o castelo e depois o pequeno círculo de muralhas circundantes, não a cidadela conhecida por nossos pais, mas outra mais frágil, com abundância de pedra miúda nas paredes e excesso de terra nos enchimentos, se é que tal castelo não foi levantado só à volta de 1197 por um prior de Longos Vales, de Monção. A cidadela com a torre de menagem altaneira e esbelta toda coroada por ameias, ainda hoje lembra a entrada e o saque dos leoneses em 1212 e como eles na sua sanha a deixaram presidiada antes de continuarem a marcha para Valença, ou não se lesse em «Hec sunt acta negoci quod vertitur inter illustrem Alfonsum Regem Portugalensem ex una parte et Terasiam et Sancium et Beatricem sorores eius ex altera coram iudicibus delegatis a summo pontífice» - Chane Afonso III L3 fls 25 - :


 … «Contra petitionem earum que facta est de expensis aponimus in hunc modum exceptionis spoliationem castrorum de Contrasta, de Melgaz, Ilgosa Balsan um Ffreixeno. Urrios. Moos Alvin. Sicoti. / Item rerum omnium quas ibi Rex tunc habuit mobilium et sese moventium et armorum et omnium pecudum et tributorum et ali rum rerum ad Regem pertinentium in terminis istorum castrorum…» 
 

     E recordando as desavenças de D. Afonso II com suas irmãs por ter sido escolhida pelos delegados do Papa, os juízes da contenda, segundo informa Rui de Pina, para el-rei e as infantas ouvirem ler a sentença final em que o rei, e era rei, foi condenado, traz ainda à memória a confirmação pelo mesmo monarca do foral da nossa terra em Agosto de 1219. Com panos de fraca cortina em terra, possivelmente sem obras defensivas capazes de aturarem cerco de semana ou meia dúzia de escaladas contínuas e, por isso, com a vida e os haveres de seus habitantes à mercê do primeiro atacante, ficou Melgaço até aos tempos de D. Sancho II.

     Representando, porém, a abertura desta terra um valor prejudicial para a defesa do país, tão exposto aos ultrajes de Leão naqueles tempos incertos, tratou-se da reconstrução não da torre de menagem, não do castelo já em 1240 alcaidado por Garcia Pedro e agora por F. Pedro, de Rouças, como anteriormente o fora por Garcia Taurões, militar, e depois ainda por Pedro Fernando, de Rouças também, mas das muralhas circundantes e o concelho ajustou em 1245 com o D. Abade e mais frades do mosteiro de Fiães ficar a cargo deles a feitura e a conservação pelas eras fora de dezoito braças destes muros e duma torre. O contrato é conhecido; a ele aludiu na “História de Portugal” o jesuíta Luís Gonzaga de Azevedo, e vem assim escrito no já citado Livro das Datas:


      «Sciant posteri et presentes quod nos Johannes petri de caaveiras et michel fernandi iudices et Concilium de Melgatio ex altera. Facimus inter nos pactum et placitum stabile et firmum in centum solidos roborarum nobis et posteris nostris imperpetuum valiturum. Videlicet ut abbas et conventus cum hominibus suis quibus in presenti et decetero in hereditatibus ipsius monesterio in cauto ville nostre fuerint. Faciant decem et octo brazas de muro in ila parte nostre ville ubi modo est apoteca sua secundum naturam et formam quam nos fecimus et fecerimus in circuitu ipsius ville per totum. Et si murum quod fecerint ceciderit semper teneat monasterium ipsum repareri in propriis expensis Item; si forte habitatores eiusdem ville in propriis expensis murum fecerint lapidibus quadratis incircuitu per totum et turres in ipso similiter et ipsis facere debent in ipso termino iam sibi assignato cum unam tantum turrem quam iam dictus abbas instanti incipiendam permittit…»    
 
     O resto era campo aberto, porque de círculo maior de muralhas a parte voltada para MarCocos e Carvalhiças só foi construída no tempo de D. Afonso III, em 1263, sendo castelário, ou alcaide-mor, do castelo Martinho Gonçalves e a restante no tempo do filho, o rei lavrador, em cujo reinado se acabou de cercar a Vila de Melgaço. E estas muralhas… Ai! Como à sua vista eu recordo sempre os meus tempos descuidados de escolar de leis da velha Universidade de Coimbra e como saudosamente lembro, entre os camaradas, outro escolar de leis, então meu companheiro de casa e hoje advogado distinto e já velho, como eu! Os nossos devaneios sobre essas pedras calcinadas pelos sóis de tantos séculos! As nossas brincadeiras à sua sombra! As nossas irreverências! Os nossos sonhos!
- Que será feito dos nossos sonhos, ó meu caro colega António Durães? Onde está a Vila de Melgaço da nossa juventude – ridente, sempre florida e cada dia mais cheia de encantos? Onde estão os velhos? Onde estão as moças? Onde estais vós, ó companheiros? «Tudo passou. Tudo ficou. Nada esqueceu

     Isto disse-o um poeta e isto havemos nós de ciciá-lo… e, mesmo assim, ao ouvido, para que ninguém, nem mesmo as nosssas mulheres, as mais gentis donas do nosso tempo, adivinhem como na amargura do nosso dizer se traduz o ruir de sonhos tão lindos e tão presos àquelas pedras. Mas, estas muralhas, trazem, enleado aos seus silhares, um rosário de outras recordações. Uma pedra, por exemplo, lembra a gentileza de Afonso Henriques a depor no regaço de Gocinda Peres, naquele frio Dezembro de 1183, o presente de Golães em pagamento dos serviços prestados a seu filho D. Sancho:


 «… facimus kartam donationis et perpetue firmitudinis de illa nostra hereditate, que vocatur Colanes quam vobis donamus et concedimus propter hunc amorem quem pro rege domno Sancio facitis. Damos itaque vobis atque concedimus prefatam villam cum turre que in ea posita est et cum omnibus suis terminis novis et veteribus…»   

// continua...

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