MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS
Por Augusto César Esteves
// continuação...
E
enquanto os fiéis e o clero iam erguendo aquela igreja de uma só nave, os homens
do concelho à ordem do rei e com a ajuda dos povos vizinhos sujeitos à anúduva,
pelo menos os moradores dos casais de Ferreiros, da Nogueira e do Outeiro na
freguesia de Alvaredo; os do Barral e de Nabaelios – onde terá sido Nabaelios? – no couto de
Paderne; os de Fiães e os de Riba de Mouro fizeram o castelo e depois o pequeno
círculo de muralhas circundantes, não a cidadela conhecida por nossos pais, mas
outra mais frágil, com abundância de pedra miúda nas paredes e excesso de terra
nos enchimentos, se é que tal castelo não foi levantado só à volta de 1197 por
um prior de Longos Vales, de Monção. A cidadela com a torre de menagem
altaneira e esbelta toda coroada por ameias, ainda hoje lembra a entrada e o
saque dos leoneses em 1212 e como eles na sua sanha a deixaram presidiada antes
de continuarem a marcha para Valença, ou não se lesse em «Hec sunt acta negoci
quod vertitur inter illustrem Alfonsum Regem Portugalensem ex una parte et
Terasiam et Sancium et Beatricem sorores eius ex altera coram iudicibus
delegatis a summo pontífice» - Chane
Afonso III L3 fls 25 - :
… «Contra petitionem earum que facta est de expensis aponimus
in hunc modum exceptionis spoliationem castrorum de Contrasta, de Melgaz,
Ilgosa Balsan um Ffreixeno. Urrios. Moos Alvin. Sicoti. / Item rerum omnium
quas ibi Rex tunc habuit mobilium et sese moventium et armorum et omnium
pecudum et tributorum et ali rum rerum ad Regem pertinentium in terminis
istorum castrorum…»
E recordando as desavenças de D. Afonso II
com suas irmãs por ter sido escolhida pelos delegados do Papa, os juízes da
contenda, segundo informa Rui de Pina, para el-rei e as infantas ouvirem ler a
sentença final em que o rei, e era rei, foi condenado, traz ainda à memória a
confirmação pelo mesmo monarca do foral da nossa terra em Agosto de 1219. Com
panos de fraca cortina em terra, possivelmente sem obras defensivas capazes de
aturarem cerco de semana ou meia dúzia de escaladas contínuas e, por isso, com
a vida e os haveres de seus habitantes à mercê do primeiro atacante, ficou Melgaço
até aos tempos de D. Sancho II.
Representando, porém, a abertura desta
terra um valor prejudicial para a defesa do país, tão exposto aos ultrajes de
Leão naqueles tempos incertos, tratou-se da reconstrução não da torre de
menagem, não do castelo já em 1240 alcaidado por Garcia Pedro e agora por F.
Pedro, de Rouças, como anteriormente o fora por Garcia Taurões, militar, e
depois ainda por Pedro Fernando, de Rouças também, mas das muralhas circundantes
e o concelho ajustou em 1245 com o D. Abade e mais frades do mosteiro de Fiães
ficar a cargo deles a feitura e a conservação pelas eras fora de dezoito braças
destes muros e duma torre. O contrato é conhecido; a ele aludiu na “História de Portugal”
o jesuíta Luís Gonzaga de Azevedo, e vem assim escrito no já citado Livro das Datas:
«Sciant posteri et
presentes quod nos Johannes petri de caaveiras et michel fernandi iudices et
Concilium de Melgatio ex altera. Facimus inter nos pactum et placitum stabile
et firmum in centum solidos roborarum nobis et posteris nostris imperpetuum
valiturum. Videlicet ut abbas et conventus cum hominibus suis quibus in presenti
et decetero in hereditatibus ipsius monesterio in cauto ville nostre fuerint.
Faciant decem et octo brazas de muro in ila parte nostre ville ubi modo est
apoteca sua secundum naturam et formam quam nos fecimus et fecerimus in
circuitu ipsius ville per totum. Et si murum quod fecerint ceciderit semper
teneat monasterium ipsum repareri in propriis expensis Item; si forte
habitatores eiusdem ville in propriis expensis murum fecerint lapidibus quadratis
incircuitu per totum et turres in ipso similiter et ipsis facere debent in ipso
termino iam sibi assignato cum unam tantum turrem quam iam dictus abbas
instanti incipiendam permittit…»
O resto era campo aberto, porque de
círculo maior de muralhas a parte voltada para MarCocos e Carvalhiças só foi
construída no tempo de D. Afonso III, em 1263, sendo castelário, ou
alcaide-mor, do castelo Martinho Gonçalves e a restante no tempo do filho, o
rei lavrador, em cujo reinado se acabou de cercar a Vila de Melgaço. E estas
muralhas… Ai! Como à sua vista eu recordo sempre os meus tempos descuidados de
escolar de leis da velha Universidade de Coimbra e como saudosamente lembro,
entre os camaradas, outro escolar de leis, então meu companheiro de casa e hoje
advogado distinto e já velho, como eu! Os nossos devaneios sobre essas pedras
calcinadas pelos sóis de tantos séculos! As nossas brincadeiras à sua sombra!
As nossas irreverências! Os nossos sonhos!
-
Que será feito dos nossos sonhos, ó meu caro colega António Durães? Onde está a
Vila de Melgaço da nossa juventude – ridente, sempre florida e cada dia mais
cheia de encantos? Onde estão os velhos? Onde estão as moças? Onde estais vós,
ó companheiros? «Tudo passou. Tudo ficou. Nada esqueceu.»
Isto disse-o um poeta e isto havemos nós
de ciciá-lo… e, mesmo assim, ao ouvido, para que ninguém, nem mesmo as nosssas
mulheres, as mais gentis donas do nosso tempo, adivinhem como na amargura do
nosso dizer se traduz o ruir de sonhos tão lindos e tão presos àquelas pedras. Mas,
estas muralhas, trazem, enleado aos seus silhares, um rosário de outras
recordações. Uma pedra, por exemplo, lembra a gentileza de Afonso Henriques a
depor no regaço de Gocinda Peres, naquele frio Dezembro de 1183, o presente de
Golães em pagamento dos serviços prestados a seu filho D. Sancho:
«… facimus kartam donationis et perpetue firmitudinis de illa
nostra hereditate, que vocatur Colanes quam vobis donamus et concedimus propter
hunc amorem quem pro rege domno Sancio facitis. Damos itaque vobis atque
concedimus prefatam villam cum turre que in ea posita est et cum omnibus suis
terminis novis et veteribus…»
// continua...
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