POEMAS DO VENTO
Por Joaquim A. Rocha
O CARROCINHA
Já lá vem o Carrocinha,
sabe-se lá de onde vem;
isso ninguém o adivinha:
- de Lisboa, Santarém?
Quiçá do mundo celeste,
Dos confins duma estrela;
Parece um extra terrestre,
Uma figura singela.
Traz consigo uma carroça,
faz de mula, pra puxar;
mas como é alvo de troça
verdadeira vai comprar.
Vende agulhas e dedais,
lençóis, toalhas, corpetes;
camisolas, aventais,
linhas, pentes e tapetes.
Arrenda uma casa velha,
mete na corte a burrica;
e porque lhe dá na telha
põe-lhe o nome Dona Mica!
Ainda o sol não nascera
já o pobre animal zurra;
e a vizinhança, severa,
quer dar nele forte surra.
Como não trouxe mulher,
conquista a “bela” Solanja;
que lhe trata do comer,
lhe dá banho e o arranja.
Entre jovem e velhote,
mas com energia renascida,
sem precisar de um mote
glosa a amante querida!
Nos dedos grossos anéis,
símbolo da sua riqueza;
em cada mão já tem seis,
exibe-os com afoiteza!
Para ganhar mais dinheiro
vai para a Praça engraxar;
mas que bom engraxadeiro,
deixa o calçado a brilhar!
Na sua faina… cantava
a tal canção maluquinha.
(E alta gargalhada dava):
«lá vai, lá vai, a
carrocinha.»
Tinha vários dentes d’ouro,
que os mostrava, ao sorrir;
era, também, seu tesouro,
outra forma de investir!
E assim viveu este ser,
rindo a vida por dentro;
gozando, com seu mester,
degustando sol e vento.
Tal como o alho e a salsa,
a cebola e o cravinho,
rodopiava na valsa,
dentro dum copo de vinho.
Eu parti da minha terra,
não mais o vi chalaçar;
entre nós ficou a serra,
a cidade, o longo mar.
Um dia, quando voltei,
o homem tinha partido;
fora sozinho, pensei,
prò paraíso perdido!
Deixou aqui geração,
como a chuva deixa lama;
fora apenas ilusão,
um incidente com dama!
A sua vida, a fingir,
era no mundo passar,
toda a gente divertir,
com seu riso e cantar!
Não tinha mais ambições,
não queria dos outros nada;
só um caminho, sertões,
uma carroça, uma estrada!
«Lá vai, lá vai, a
carrocinha»,
para onde foi eu não sei;
que estória da carochinha,
será que tudo inventei?!
1994
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