ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
MELGAÇO CULTURAL
A festa da cultura
vem sendo anualmente um acontecimento de relevo num meio pouco habituado a este
género de coisas. A cultura na nossa terra estava intimamente ligada à
atividade física: gincanas, corridas de bicicletas, corridas de sacos, subida a
grandes troncos de árvores, previamente besuntados com sebo, futebol, de salão
e de onze. Hoje, felizmente, as coisas já não são bem assim; para dar início à
festa deste ano teve lugar, no Salão da Biblioteca Municipal, uma palestra
cujos oradores são pessoas de grande cultura e prestígio. O senhor padre Aníbal
Rodrigues apresentou aos assistentes um trabalho sobre as alminhas de Castro
Laboreiro e mostrou diapositivos das mesmas; o senhor padre Júlio Hilarião Vaz,
de forma simples e simultaneamente grandiosa, falou das comunidades melgacenses
no Brasil, do seu apego às raízes, do seu sempre renovado dinamismo em prol da
sua e nossa terra; o senhor cónego António Vaz, com oitenta anos de saber e
humildade, disse que não queria partir sem ter o ensejo de ver para Melgaço o
equivalente aos Portugaliae Monumenta Historica. Penso que não é uma utopia e
que nós seremos capazes de levar por diante tal projeto – trata-se de uma
recolha «exaustiva» de todos os
documentos relacionados com o concelho de Melgaço, com a sua longa e interessantíssima
história, e que ora andam dispersos. Os originais encontram-se na Torre do Tombo
e na Biblioteca Nacional de Lisboa, assim como na Biblioteca Municipal de Braga
e outras. O senhor Professor Dr. Armando Malheiro da Silva abordou o tema «Guilherme de Lira, uma personagem camiliana?»
Intervenção com muito interesse, quer no seu aspeto didático, quer no seu
aspeto lúdico, pois o humor esteve sempre presente, tendo assim tornado leve um
assunto que geralmente é maçudo. Por último o Professor Doutor José Marques
tratou o tema, bastante polémico, «os caminhos
de Santiago». Ficámos a saber que não havia um mas vários que conduziam ao
túmulo do apóstolo Iago, descoberto no ano de 813. O senhor Doutor José Marques
tem o dom da palavra e o seu alforje cheio de conhecimentos. Aquela distinção
subtil entre peregrino e romeiro (este último seria o que visitava em Roma os
túmulos dos primeiros santos cristãos, e peregrino o que visitava os lugares
santos da Palestina) só um sagaz linguista a conseguiria fazer, visto que
atualmente os dois termos são sinónimos.
Logo a seguir à
intervenção daqueles senhores, o senhor presidente da Câmara Municipal procedeu
à entrega dos prémios dos III Jogos Florais. É pena que a maioria dos premiados
não estivesse na sala; embora sendo sexta-feira, por conseguinte dia de
trabalho, deveriam – pelo menos os alunos das várias escolas que obtiveram
prémios – comparecer. A sua ausência é lamentável, pois revela, manifesto
desinteresse.
Na noite de sexta
atuou o conjunto «Banda de Cá»; julgo que o Largo Hermenegildo Solheiro não é o
local mais indicado para manifestações deste tipo, embora eu reconheça que não
há na Vila de Melgaço espaços amplos para esse efeito. O largo é fechado pelos
pavilhões, o que agrava ainda mais a situação. Uma parte da Alameda Inês Negra
poderia ajudar. Simplesmente está – há perto de trinta anos – a servir de
oficina de reparação de automóveis! No sábado, dez de Agosto, houve provas
desportivas e um desafio de futebol a que não assisti devido ao muito calor que
se fez sentir. Às vinte e duas horas assistiu-se a um espetáculo de variedades
cujos artistas, já cansados por outras atuações, não agradaram por aí além.
Entre eles destacou-se, contudo, a pequena Lídia Marisa (confirmar o nome). É de facto uma grande vedeta de palco. Parabéns!
No domingo não
pude, em virtude de ter regressado a Lisboa, assistir ao desfile do cortejo
etnográfico, ao festival folclórico, e ao desfile de modelos. A festa da
cultura é um grande acontecimento e exige muito esforço e dinheiro. Por isso,
pode-se, e deve-se, melhorá-la de ano para ano. Quanto a mim, os pavilhões
deveriam ser mais espaçosos; deveria haver alguém do pelouro da cultura que
servisse de guia aos visitantes; os pavilhões deveriam estar afastados do
recinto do baile (talvez no Terreiro), com música suave, a condizer com uma
atmosfera repousante, um ambiente calmo… A Câmara Municipal deveria encomendar
brochuras dos trabalhos premiados nos jogos florais e distribuí-las, a fim de
estimular novos participantes. Enfim, sugestões!
Outro assunto:
felizmente a água não faltou; é verdade que não é boa para beber – nenhuma água
do rio o é – mas a sua companhia é sempre agradável. Água para beber existe
(ótima) na fonte do Vido, perto do antigo asilo. A fonte da vila, de água tão
fresca no verão, está irreconhecível! Como é possível destruir, sem a menor
reação dos melgacenses, um local de tão largas tradições, um ponto de
referência obrigatório para tantas gerações? Construir, sim, mas sem violentar
a nossa história, a nossa memória coletiva. O velho e o novo são compatíveis.
Assim não vale! Não posso deixar de expressar a minha discordância
relativamente à construção que vai aparecendo junto à Alameda Inês Negra. Aquelas
vistas maravilhosas, que dali se desfrutavam, cedem o seu lugar a paisagens
incaraterísticas.
Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 948, de 1/10/1991.
Sem comentários:
Enviar um comentário