MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS
Por Augusto César Esteves
(continuação - ver a 6/6/2015))
In nomine Patris
et Filii et Spirictus Sancti. Ego Alfonsus Dei gratia Portugalensium Rex pro
remedio anime mea atque remissione omnium peccatorum meorum vobis domino Joani
Abati de fenales et omnibus fratribus ibidem sub regula Beati Benedicti deo
militantibus atque universis successoribus vestris dono atque concedo totum
quod in presentarium habeo ab ila vite de Melgazo usque ad terminum de
Chavianes quo modo claudit per cotarum et inde usque ad minium. Habeatis igitur
vos et omnes successores vestri supra dictum locum evo perhenni. Facta
scriptura firmitatis nono Kalendas novembris era MCCXI Ego Alfonsus Rex hanc
kartan propriis manibus confirmo.
Ego Rex Sancius libenti animo confirmo.
Principe terre illius suerio arias.
Episcopo beltrano ecclesiam tudensem regente.
Fernandus notuit» ([1])
Estudara o processo em
casa; examinara-o com diligência; ponderara o libelo, a contrariedade, a
réplica, todas as peças, enfim, e pelo que leu e do processo constava,
sentenciou. Os réus julgaram preteridos os seus direitos e com todo o respeito
apelaram. Não lhes valeu a pena, porque a Relação do Porto no acórdão lavrado
deixou escrito: «Bem julgado foi
pelo Juiz de Fora da vila de Melgaço na sentença apelada que confirmam...»
E o apelante teve de pagar
as custas de ambas as instâncias, no total de 37$277 réis e o corregedor, ainda
em Melgaço, viu e apreciou aquele curto acórdão, confirmativo da sua ponderação
e do seu saber. No fim do mês voltou a sentenciar, mas num processo de
inventário, que vinha a arrastar-se pelos tribunais desde 1798 com embargos de
terceiro, agravos e apelações e trazia toda a família do morgado do Reguengo
embrulhada em demandas.
Iniciara-o o juiz de fora
João Vaz Soares, natural de Abrantes, antes de ser eleito provedor da Santa
Casa e mesmo antes, quero crer, da sua esposa Dona Luísa da Piedade Pereira de
Almeida aqui dar à luz um filho. Nele havia despachos do Dr. Joaquim Teotónio
Segurado, outro juiz de fora, e se os não tinha do licenciado Subagôa e
Vasconcelos isso fora devido, possivelmente, ao processo no seu triénio andar
pelas casas dos Desembargadores da Relação do Porto. Outros mais, apresentava,
e até um deles, reflectindo curiosa faceta da organização judicial da época,
saíra dos lábios do conjurado da Casa de ao pé da Matriz, Caetano José de Abreu
Soares, despacho de que o Dr. Gama agravara na audiência de 28/1/1802.
Dera origem ao referido
inventário – não se assustem agora os leitores com o tropel de tanta gente – o
falecimento de D. Ana Joaquina Rosa de Castro de Noronha Moraes Sarmento,
casada com Lourenço Pereira Leite de Barros, senhor da Casa da Tojeira, em São
Tiago de Faia, de Basto, de quem descendem os Viscondes de Pereira e Coruche e
logo na descrição de bens, D. Caetana Vitória, mãe da falecida, embrulhara
tudo, falando até de seu defunto marido, Miguel de Castro Soares de
Vasconcelos, o velho morgado do Reguengo, como um estoura-vergas, com dares e
tomares na justiça; mas isto fica para ser desenvolvido em ocasião mais
propícia, ou seja quando apurar as causas do processo-crime, porque ninguém
deixa de ser pessoa de bem, lá porque ensinou qualquer canalha a ser correcto. Ora,
o Juiz de Fora, fora recebido pelo Cavaleiro da Ordem de Santo Iago com todas as
provas de deferência e não tardou a ser apresentado ao fidalgo galego e a
conhecer o premente motivo do convite tão matinal.
A celeridade vertiginosa
dos acontecimentos impressionou-o e surpreendeu-o tanto como as confidências
ouvidas àqueles dois cunhados. A conferência estava ainda no princípio quando a
fidalga dona da casa introduziu naquela Sala do Conselho mais uma visita, o
Licenciado António de Castro e Sousa. Como primogénito do Morgado de Galvão, o
Dr. António de Castro Sousa e Menezes era, em Portugal, o imediato e legítimo
sucessor desta casa e vínculo e da Capela de Santo António, começada a erguer
em 1694 por D. Madalena Felgueiras e irmãs «com o favor de Deus e licença do
arcebispo primaz» e, na Galiza, por herança de sua mãe,
D. Maria Sebastiana dos Passos Sarmento Puga e Quinhones, havia de ser Senhor
dos Morgados de Pontevedra, do de Barouta, no Ribeiro de Avia, em S. Clodio,
entre Carvaliño e Ribadávia, do da Boa Vista e da Capela de Nossa Senhora da Conceição,
na igreja de S. João de Alveios, jurisdição de Crescente. Nascera em 2/8/1767. Seu
pai, Matias de Sousa de Castro e Menezes caíra cedo na orfandade e a sua vida
nem sempre correra em mar de leite. Porque a casa estava endividada, foi
necessário, mais para fugir à taxa alta dos juros do que para satisfazer ou
calar credores renitentes, vender em 1763 alguns bens sitos em Guimarães.
Certo que seis anos depois,
para acrescer à quintazinha do Arrochal, tão maltratada durante a ausência dum
velho morgado, e sargento-mor de Monção, comprara naquele sítio mais um campo a
Silvestre Esteves e mulher Maria Lourenço, dos Ferreiros, de Prado, mas também,
em 1787, teve de transaccionar primeiro com uma das irmãs e seu marido num processo
por alimentos e noutro por sonegados e depois com os outros interessados. Arrastavam-se
os autos no tribunal desde 1782, mas como não é agora oportunidade de evocar
lutas de família à volta dum tacho pequeno, não sacudo o pó dessas folhas
enegrecidas e hoje curiosamente conservadas numa prateleira da minha estante.
A moralidade nada perde com
esta fuga, porque namoros houve-os sempre e... atrevidos também. Ora Matias de
Sousa, possivelmente por ter nascido franzino e ter atravessado a meninice
sempre doente, cortou com a carreira das armas e encaminhou os filhos para o
campo das letras. À vida eclesiástica destinou apenas o filho Diogo António,
que chegando a tomar ordens menores, casou depois na Casa do Rio do Porto.
Os outros foram para os
estudos superiores, mas o Joaquim de Sousa e o Joaquim de Menezes, filhos de
homem enfermiço, não tiveram resistência física para acabarem os cursos, porque
um ficou enterrado na igreja do Samuel, termo de Soure, e o outro na de S. João
de Almedina, na cidade Universitária. Dos estudantes escapou apenas o Dr.
António de Castro que, por certo, recebeu aqui em Melgaço as primeiras lições
ministradas por seu tio-avô Frei António de Castro, D. Abade do Mosteiro de
Fiães e no fim da vida pároco da referida freguesia de Samuel e abade da igreja
de S. Paulo, junto da cidade do Mondego. // Abraçada a carreira das letras, o
Dr. António de Castro Sousa Menezes frequentou com brilho a Universidade de
Coimbra e muito podia ter convivido com o Dr. José Acúrsio das Neves para do
melgacense o autor da História Geral das Invasões Francesas deixar escrito «a sua honra e patriotismo me são pessoalmente bem conhecidos.» // (continua)...
[1] Sumário: 1173, Novembro, 1 — D. Afonso Henriques doa ao
abade D. João e aos monges do Mosteiro de Fiães quanto possuía desde a [Fonte
da] Vide, de Melgaço, até ao limite de Chaviães e desde o Cótaro ao rio Minho.
// Documento confirmado pelo rei D. Sancho I, associado ao governo, desde 1169,
e subscrito pelo governador da terra, Soeiro Aires, e pelo bispo de Tui, D.
Beltrão, e pelo notário Fernando. (J.M.)
Prezado Joaquim Rocha,
ResponderEliminarLi interessado seu relato sobre os Castro e Sousa e gostaria de saber se tem algo mais sobre a família, notadamente no século XVIII. Descendo de Jerônimo de Castro e Sousa, passado para as Minas Gerais no Brasil no início do século XVIII e cujas ligações com Portugal me são desconhecidas, exceto que era natural da Vila de Melgaço. Ele se casou com Francisca Vieira de Moraes, natural de Minas, com quem teve, ao menos, dois filhos: um homônimo e Antônio de Castro e Sousa Medronho, casado em 1786. Como disse, tenho interesse em tentar estabelecer a relação desse Jerônimo emigrante com a família que permaneceu no Reino.
Desde já agradeço sua atenção,
Rafael Baker Botelho