ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
MELGAÇO E A EMIGRAÇÂO
(segunda parte)
As consequências
da emigração em massa logo se fizeram sentir: os campos deixaram, de uma maneira
geral, como já disse, de ser cultivados; o comércio atrofiou-se ainda mais; a
vida associativa ressentiu-se letalmente. Extinguem-se os bombeiros voluntários
e as equipas de futebol; deixou de se praticar ciclismo. A banda de música, por
sinal de bom nível, deixou de atuar por falta de elementos. O Cine Pelicano
fechou as suas portas, penso que por falta de público. Em contrapartida, porém,
o dinheiro começou a aparecer já nos finais da década de sessenta. As remessas
dos emigrantes trouxeram a Melgaço agências bancárias e «stands» de automóveis;
lojas de eletrodomésticos e discotecas. Melgaço tornou-se um concelho
“apetecido” pelos bancos, para aí obterem captação de poupanças. Os
eletrodomésticos venderam-se até para aldeias e lugares que não possuíam eletricidade!
Os meses de Agosto e Dezembro trazem de novo a esta terra os melgacenses da
“diáspora”; mas, isto somente quanto à primeira geração de emigrantes. Os seus
filhos, nascidos sobretudo na década de setenta, vieram enquanto crianças;
depois, adolescentes, negaram-se a visitar a terra dos pais – não a sua! A
língua portuguesa, praticamente não a falam; quando muito compreendem-na.
Estudam em França, Alemanha, Bélgica, etc., adquirem a nacionalidade desses
países, assimilam a sua cultura e a ideologia das democracias europeias.
Renegam por vezes a pátria dos pais, devido em parte à diferença abismal entre
Portugal (agrícola) e esses países avançados cultural e tecnologicamente,
altamente industrializados. Portugal era uma província atrasada à beira dos outros
países da Europa – eles descobriram isso. Não passaram as dificuldades dos seus
progenitores, insurgem-se contra eles algumas vezes por continuarem a amar uma
terra que lhes foi madrasta. Provoca-se assim um verdadeiro choque de gerações.
Aderem, quando já ganham algum dinheiro, a um tipo de vida mais fácil e
despreocupado, abandonam a política de poupança a todo o preço, que seus pais
obrigatoriamente e por mentalidade tiveram de adotar. Os emigrantes dos anos
sessenta são neste momento avós. Os seus netos, ainda crianças, ouvem histórias
rocambolescas e acham que isso aconteceu noutro século, noutra era. A passagem
a pé dos Pirineus, a fome, o frio, a incerteza, tudo isso fez parte do “salto”
que foi preciso imprimir a fim de fugir à pobreza secular. E tudo se passou há
relativamente pouco tempo, trinta anos, mais ou menos. É bom lembrar que
emigração sempre houve: para o Brasil, para Angola, para Moçambique, para os
Estados Unidos da América, etc., mas não tão significativamente como esta
última.
Depois destas considerações preliminares
será bom falar um pouco daquilo que melhorou em Melgaço nos vários domínios.
Por exemplo, na área do ensino: a partir de 1986, salvo erro, entrou em
funcionamento a escola preparatória e a escola secundária, depois de se cobrir
todo o concelho com escolas primárias. Lembremos que o ensino primário não
abrangia todo o concelho por falta de professores habilitados e por falta
também de instalações condignas. Existiam professores, designados regentes,
apenas com a quarta classe que – apesar da boa vontade com que exerciam o seu
magistério – não podiam, por limitações óbvias, desempenhar esse lugar com a
eficácia exigida. De qualquer modo, merecem o nosso respeito. Nos outros países
da Europa os professores deste grau de ensino têm habilitações a nível
superior! É certo que na década de sessenta abriu perto da sede do concelho um
Colégio Particular, que habilitava os seus alunos com o antigo quinto ano do
liceu, atual nono ano; era, no entanto, insuficiente, pois os jovens tinham que
transitar para o vizinho concelho de Monção a fim de prosseguirem os seus
estudos. Despesa dobrada e incómodo diário davam as mãos. Hoje, só saem de
Melgaço para frequentarem o ensino superior. Espero que todos os melgacenses se
dêem conta do passo gigantesco que isso representou para o concelho. Nós, os da
geração impedida de continuar os estudos, e que só mais tarde, graças a um
esforço muito grande, conseguimos realizar o sonho acalentado durante anos, damos
uma importância enorme a esse facto. Ainda é cedo para deitar foguetes, mas
acredito sinceramente que através do ensino irão aparecer valores individuais que
levarão a nossa terra a enveredar naturalmente pela alameda do bem-estar,
progresso e felicidade.
O dinheiro dos
emigrantes serviu sobretudo para construir habitação: as vivendas. Este tipo de
habitação - espalhada um pouco por todo o concelho -, reflete gostos, bons e
menos bons, e necessidades; reflete igualmente o êxito do emigrante em terras
estrangeiras. Porém, essa fase já passou; agora o emigrante investe. Compra
apartamentos em Braga, em Vila Praia de Âncora, em Moledo, Viana do Castelo, e
mesmo no Porto e noutras cidades. O emigrante tímido e humilde desapareceu.
Devido à
emigração a mão-de-obra escasseou; por esta razão, os salários aumentaram em
flecha. Em 1960 pagava-se a um trabalhador dez ou quinze escudos por oito
horas, ou mais, de trabalho! Hoje, quem quiser um operário, tem que lhe pagar
alguns contos de réis por dia! Há dinheiro, consome-se mais. Os estabelecimentos
vendem. As necessidades primárias foram satisfeitas. Então, poder-se-á
privilegiar outras, também elas importantes, mas inacessíveis até agora.
A população de
Melgaço decresceu mas, graças por um lado à mudança de regime político e por outro
lado ao dinheiro dos emigrantes, o nível de vida de toda a população melhorou
consideravelmente. É possível e desejável que melhore ainda mais. Melgaço
insere-se numa zona turística de enorme prestígio: está situado junto a um dos
maiores rios da península ibérica; tem gente laboriosa e inteligente. Que lhe
falta para ser grande? Faltam hotéis, as pensões, infraestruturas turísticas,
os roteiros pormenorizados do concelho, ou seja, a elaboração de um itinerário
de toda a região melgacense. Falta a formação profissional dos jovens, falta a
avenida junto ao rio para passeios a pé ou de carruagem, como se faz em Sintra,
na qual se criariam lugares apropriados para a pesca desportiva. Falta a praia
fluvial.
O itinerário
turístico acima referido indicaria as paragens programadas para o almoço e
merenda, constando da ementa pratos regionais do Alto Minho: vinhos verdes,
sobretudo de Melgaço, e presunto de Fiães e de Castro Laboreiro. Utopia?
Talvez. Porém, Melgaço – se quiser sair do marasmo em que se encontra – terá de
encontrar soluções adequadas. Os turistas só irão a Melgaço se aí encontrarem
comodidade e razões fortes para voltarem, porque turismo existe um pouco por
toda a parte… e bom! Contudo, Melgaço, com as suas paisagens admiráveis e
únicas, alternando o vale com a montanha, com o seu colorido natural, com a sua
história milenária, com o parque nacional Peneda-Gerês ali à mão, poderá –
assim os atuais e futuros gestores o queiram – tirar partido desse dom com que
foi brindado pela Natureza.
A Câmara Municipal de Melgaço poderá
solicitar, se ainda não o fez, o apoio do Instituto de Emprego e Formação Profissional
na área da formação (lembro que Valença já possui um Centro) e de outros
organismos estatais para as outras áreas. Já é tempo de Melgaço deixar de ser
um concelho rural de terceira ordem!
Debruçar-me-ei,
oportunamente, sobre os efeitos da emigração no diz respeito à língua
portuguesa.
Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 931, de 1 e
15/1/1991.
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