ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
MELGAÇO E A EMIGRAÇÃO
(1.ª parte)
Segundo a
Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Melgaço tinha em 1970 cerca de
dezasseis mil habitantes. Em 1988, considerando correta a informação contida no
verso de calendário publicitário encomendado pela Caixa Geral de Depósitos,
Melgaço já contava, nessa altura, apenas treze mil habitantes! Qualquer coisa
como cinquenta e seis habitantes por quilómetro quadrado, visto a área do
concelho ser de duzentos e trinta quilómetros quadrados. Comparando com Monção
– duzentos e seis quilómetros quadrados de área e vinte e quatro mil habitantes
(cento e dezasseis habitantes por quilómetro quadrado) – no mesmo ano de 1988,
verifica-se que os melgacenses têm espaço mais do que suficiente para não se
atropelarem uns aos outros, como acontece em Lisboa e Porto. De todo o Alto
Minho (não levando em conta algumas cidades desenvolvidas) só os Arcos de
Valdevez, com quatrocentos e quarenta e cinco quilómetros quadrados, Ponte de
Lima, com trezentos e vinte um quilómetros quadrados, Viana do Castelo, com
trezentos e cinco quilómetros quadrados, têm maior área do que Melgaço. Porquê,
perguntar-se-á, a sua reduzida população? Quanto a mim há dois fatores, ou
razões, importantes que explicam este fenómeno.
1.º - Instabilidade
no diz respeito ao bem-estar. Maus anos agrícolas, uma má distribuição das
terras de cultivo, a exploração dos donos das terras a quem a trabalhava, isto
é, aos seus caseiros (não esquecer que os proprietários de quintas ficavam,
salvo raras exceções, com dois terços de tudo aquilo que se produzisse),
obrigava os camponeses pobres, que era a maioria, a buscar noutras profissões,
nas cidades ou na emigração, meios de subsistência. Por outro lado, a má gestão
da terra arável, a sua fragmentação crónica, não possibilitava colheitas
abundantes e diversificadas. É certo que o clima e inclinação dos solos não é
muito favorável a uma agricultura de latifúndio, ou mesmo de médio latifúndio,
contudo noutras condições poder-se-ia produzir mais e melhor, isto é, com tecnologias
apropriadas e uma gestão moderna (empresas agrárias ou cooperativas agrícolas)
a agricultura torna possível viver-se exclusivamente dela, faculta esse
bem-estar mínimo a que todos aspiramos. Exemplos temo-los às dezenas: na
França, em Israel, nos Estados Unidos da América, etc.
2.º - A guerra nas
ex-colónias. Como é geralmente aceite, os portugueses são por natureza
pacíficos, não gostam da guerra, e só a fazem quando a sua terra mãe, o torrão
aonde nasceram e vivem, está ameaçada – disso já deram sobejas provas. Mas
África, tão longe! Tão afastada fisicamente e com culturas tão diferentes… Que
motivação tinha o melgacense para participar contra movimentos nacionalistas
africanos que reivindicavam para si o mesmo que os portugueses já tinham reivindicado
aquando da sua dependência em relação a Castela? Melgaço, como se sabe, nunca
beneficiou dos dinheiros de Lisboa, o seu atraso era óbvia realidade. Num
discurso do presidente do conselho, Professor Dr. Marcelo Caetano, está
escrito: «… de Valença a Timor…», ou seja – Melgaço não existia para essa
gente! Os portugueses são, de uma maneira geral, corajosos. Nem castelhanos,
nem franceses, nem quaisquer outros povos conseguirão domar o leão que existe
em todos nós. Mas… África! A longínqua África! Não foi certamente por acaso que
todos os países europeus, com territórios nesse continente, a deixaram. Bélgica,
França, etc., deram a independência às suas colónias. Eu estive nessa guerra.
Pude comprovar, porque convivi com portugueses de todos os distritos, que
apenas havia um fervor patriótico moderado. Contudo, até esses a certa altura
se insurgiram e duvidaram de uma solução militar para o conflito. Estou a
referir-me aos então generais Spínola e Costa Gomes. Os alferes, tenentes e
capitães cumpriram briosamente o seu dever de soldados. Tendo em conta até que
a guerra com aquelas caraterísticas não dignificava o nosso exército.
Tratava-se, como toda a gente se lembra, de uma guerra de guerrilha, isto é,
uma guerra de ataque e fuga, com emboscadas e ataques surpresa a quartéis. O
número, neste tipo de guerra, não conta. O campo de batalha não é aberto, como
nas guerras clássicas, mas sim a selva, a floresta densa e cheia de perigos
ocultos – trata-se de uma guerra psicológica, uma guerra de nervos. Os melgacenses,
excetuando uns quantos, não fizeram essa guerra. Emigraram em massa. Durante
anos não puderam, por esse motivo, visitar a sua terra natal – e se o faziam
era clandestinamente. Com essa sangria na população do concelho os que ficaram
viram-se, sobretudo na década de sessenta, numa situação deveras caricata: os
comerciantes não tinham a quem vender; as terras tornaram-se estéreis por não
as trabalharem; os empregos, quer na agricultura e afins, quer no comércio,
reduziram-se drasticamente. Como resultado disto tudo, os jovens que não emigraram
vão para o Porto e Lisboa, as esposas dos emigrantes vão ter com eles a França,
à Alemanha, à Bélgica, à Suíça, ao Luxemburgo, a todo o lado onde os seus se
encontravam a trabalhar. Melgaço despovoou-se! // (continua)...
Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 930, de 15/12/1990
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