CARTAS DE CASTRO LABOREIRO
6.ª -
«Senhor Redactor: (…). Arreliado de
tanto ver, só pelo postigo, transponho o páteo e saio à rua. Que beleza…!
Fascinou-nos a paisagem. Desde os nossos pés até aos píncaros dos montados, que
divisamos ao longe, onde a vista se perde no horizonte, um tapete da maior alvura
cobre a terra. O sol ofusca-nos a vista ao reflectir-se na neve branca e pura.
Um ou outro rebanho já começa a retouçar nas pontas dos urzais. O vizinho
convida-nos a ir à feira. Vamos… mas os caminhos? Ora… chegados a Alcobaça,
metemos ao rio, até S. Gregório, e, ao mesmo tempo, ouvir-lhe-emos os justos
queixumes de que falei na última carta para o “Correio”. Animados, partimos; e
deixando à direita o castelo, onde parece que as mouras assoalham, com as jóias
mais preciosas, os alvíssimos lençóis do seu bragal de há séculos, atingimos a
Vila. Aí tomamos qualquer coisa no Rodrigues “Ventura”, cumprimentamos o
“Caravel”, saudamos os amigos “Cordas” e “Getruzes”, falamos da indústria do
chocolate, pusemos em ordem a nossa correspondência e convidamos o sr.
professor ao belo passeio: Castro-Melgaço. Depois, por este não anuir ao nosso convite (…), transpusemos o longo
espaço dali a Portelinha e baixamos a encosta – ora de pé ora de rastos. Mas caminhamos. Um castrejo não se intimida
facilmente. Chegados a Alcobaça, parece que o rio, com as suas sombras de
castanheirais velhos e carcomidos, nos amedrontava, pois vínhamos da luz que
fere a retina. – Vamos pela Breia. E fomos. Mas que horror! Esqueçamos a neve
amiga e igualitária, para só falarmos da impraticabilidade destes caminhos!
Poucas vezes vamos a Melgaço e as nossas cartas não têm ferido esta tecla do
piano harmonioso; porém, hoje, que vimos, que sofremos, que avaliamos de que a
estrada Castro-Melgaço nem para cabras serve, lembramos a quem compete que
lance olhos compadecidos para isto. Temos duas feiras mensais; o nosso povo
arrasta quotidianamente o indispensável à vida para estes sítios; amanhã, ou
depois, alpinistas nos visitarão, para conhecerem das nossas condições, e de
viso apreciarem as belezas do nosso rincãozinho: tudo, enfim, é argumento
superior, para que de Castro a Melgaço haja um caminho praticável. As corporações administrativas – respectivamente
de cá e de lá, que olhem por isto. E mais amiúde, amigo Redactor, cá terá a
espremê-lo com os braços muito amigos… um castrejo. // Castro Laboreiro, 9/3/1916.
// P.S. –
Para avaliarem do nosso estado, um episódio que tem graça. Quando no p.p. dia
2, um filho do senhor Lourenço “Ferrador” transportava uma carga de cabritos,
cavalgadura, ele e cabritos, ficaram soterrados na neve (…). Foi preciso que o
povo de Portelinha, com pás e enxadas, os roubassem a uma morte certa.
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