segunda-feira, 13 de junho de 2016


OS MEUS SONETOS
e
POEMAS DO VENTO

Por Joaquim A.Rocha


desenho de Rama


Chamaram-te Fernando no batismo,
Nado na capital, bela Lisboa;
 De apelido, és apenas Pessoa,
Foste pomba da paz, bravio sismo.

Estiveste sempre à beira do abismo,
Cai, não cai, como no mar a canoa;
Deste à luz heterónimos à toa,
Ao mundo lições de patriotismo.

Pudera eu dar-te um lindo poema,
A flor mais cheirosa do meu jardim,
Uma palavra virgem, cujo tema

Me magoasse fundo e só a mim.
Se gravasse na pele, tal emblema;
Fosse rijo e belo como marfim!

*

O poeta é um experimentador,
tudo experimenta na vida;
até quando experimenta a dor,
ele di-la consentida!


A Fernando Pessoa:

Olá amigo!
Hoje estou aqui para falar contigo.
Sabes: há relativamente pouco tempo
que te conheço. Ouvia falar de ti,
Vagamente, na escola.
Não te conhecia! Os teus poemas,
 no secundário, não eram dados
para análise. «São de difícil
interpretação, só para alunos do
superior», diziam.
Será que os professores, não te
conhecendo, não queriam arriscar?
De quem é a culpa?
Tu és um quebra-cabeças. De facto
quiseste ser muitos simultaneamente!
Um corpo tão franzino como o teu!
Com tantos outros dentro!
Quantos cérebros tinhas? «Tantos
quantos eu fui», responder-me-ias.
E todos complexos, na sua complexidade/
simplicidade. Um afirmava e logo
outro dos teus outros afirmava o
contrário do outro – o diabo!
Por que quiseste ser tantos?
Um bastava. Mas não! Quiseste ser tu,
mais o contrário de ti, mais o crítico
de ti e dos outros, e ainda o mestre!
E mais, muito mais! Quiseste ser tudo
e todos! E nós? Não pensaste em nós.
Nem sequer pensaste, tu que tanto
 pensaste, que nós também queríamos
um lugar ao sol ou à sombra. Uma
migalha apenas!
Sabes? Conseguiste baralhar-nos!
Hoje estudamos a tua obra, fragmento
a fragmento, e depois juntamos tudo
e voltamos a estudá-la! Depois,
tentamos saber aquilo que é teu, o
que é do outro dos teus outros, e
chegamos sempre à mesma conclusão:
tu, és tu, menos os outros tus, e
mais os outros tus.
Claro que estás a rir-te. Sempre te
 riste interiormente! Julgas-te
superior, eu sei. Talvez o sejas…
Que sabias coisas, sabias. Não está
isso em causa. Mas também tinhas
muita ronha nesse corpo! Tu não foste
um super Camões: foste um super gozão!
Brincaste sempre connosco. Não foste
somente um fingidor: foste um exímio
experimentador. O teu sentido do real
era irreal! Nunca acreditaste muito
na metafísica, porque estavas por
dentro dela. Aristóteles e Platão
nada te ensinaram a esse respeito.
Engendraste um mundo onde nem sequer
tu cabias! Recorreste às estrelas
e elas fecharam-te a porta na cara!
Daí nasceu o grande drama da tua
vida. O Rossio na Betesga!
Mas por que estou eu a falar de ti?
A gastar o meu papel e tinta, o
meu tempo, o meu latim?!
- De ti, cuja vida é uma incógnita?
Tu és uma obra, e a obra que tu és
ganhou a imortalidade. As nuvens
abriram para ela uma estrada de luz!

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