terça-feira, 7 de junho de 2016

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO

Joaquim A. Rocha





cartas de um castrejo

17.ª - «Senhor Redactor: esta freguesia, ninguém pode negá-lo, é uma das mais agrestes do concelho e, talvez, de Portugal. Não tem recursos próprios, além do centeio e da batata, que à custa de supremos esforços se cultivam; e, como indústria, a criação de gado bovino e caprino. Isto que, bem dirigido, por uma educação sólida e adaptada ao meio, seria muito, continua no mesmo estado de cultivo e exploração de há cem anos! Ninguém duvida de que o nosso lavrador precisa saber do seu metier e abandonar o ronceirismo e velharias com que a terra cultivada há dezenas de anos se contentava, para a rodear de outros carinhos, a que o seu estado de civilizada lhe dá jus. A terra, à força de produzir, torna-se pobre, gasta-se, enfraquece, até à negação completa de certos produtos; efemina-se, enfim. Para tratá-la, pois, precisamos dispensar-lhe um certo número de carinhos, animá-la, conhecer-lhe as necessidades, para lhas satisfazer de pronto. E como fazê-lo, se desconhecemos os mais rudimentares princípios da agricultura – ciência que nos ensina a cultivar a terra, com menos trabalho e mais economia, e adquirindo maior soma de produtos? Com a energia que nos reservam as nossas débeis forças, havemos tratado, aqui, do problema educativo, na nossa freguesia. Ninguém nos ouve, a começar pela paróquia, que decerto nos não lê, em conjunto, mas da qual algum membro haverá saboreado a nossa prosa insípida, porém, de interesse; e, deste modo, só conhecemos um meio de ver concretizadas as nossas aspirações, para o que conto, mais uma vez, com a complacência da redacção do Correio de Melgaço – a bondade de enviar dois exemplares deste número aos Presidente do Ministério e Ministro da Instrução. Não duvidamos de que o leiam ou mandarão ler (…) Um jornal provinciano (…), talvez nunca visto, despertar-lhes-á a atenção e com ela o desejo de ouvirem e remediarem os altos brados rogativos, já feitos em corporações administrativas, vozes que clamaram no deserto. Seguros e confiados, diremos a Suas Ex.ªs: - Castro Laboreiro tem para cima de trezentas crianças em idade escolar, disseminadas por lugares distanciados de um a vinte quilómetros da escola oficial do sexo masculino (única); Castro Laboreiro tem setecentos fogos, ou mais, com muito adulto que deseja o pão do espírito, como o alimento do corpo; Castro Laboreiro, situado no extremo montezinho do concelho de Melgaço, sofre todas as inclemências de um clima siberiano, tem uma vida quase nómada, pois muda de habitação duas vezes por ano, forçado pelas circunstâncias, manda os seus filhos durante o inverno ganhar o pão que a terra (…) não produz, paga contribuições pesadíssimas, é uma freguesia infeliz e a que, parece, os poderes constituídos hão sempre lançado ao abandono; Castro Laboreiro tem homens válidos e cuja robustez ninguém porá em dúvida, braços cobertos, almas patriotas; mas… Castro Laboreiro não tem meios de se instruir, mas… Castro Laboreiro não pode agir, porque não tem escolas, nem esperanças em adquiri-las. Ouçam, pois, Suas Ex.as os brados de “um castrejo” que tem um verdadeiro culto pela sua terra, mandando que, nesta freguesia, sejam imediatamente distribuídas escolas (…) e terão, assim, o preito e homenagem que por tal razão merecem, conquanto só roguemos justiça. E se esta nos é feita, como apelamos, respiraremos mais à vontade, aspiraremos a longos haustos o ar rarefeito das nossas queridas montanhas, embalsamado pelas fragrâncias das flores da giesta, do tojo e dos urzais!... Não falha a esperança a um castrejo, se a redacção (…) mandar ao seu destino dois exemplares do próximo “Correio”. Suas Ex.ªs ouvir-nos-ão. Castro Laboreiro, 21/5/1916.»      

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