DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
Joaquim A. Rocha
cartas de um castrejo
17.ª -
«Senhor Redactor: esta freguesia,
ninguém pode negá-lo, é uma das mais agrestes do concelho e, talvez, de
Portugal. Não tem recursos próprios, além do centeio e da batata, que à custa
de supremos esforços se cultivam; e, como indústria, a criação de gado bovino e
caprino. Isto que, bem dirigido, por uma educação sólida e adaptada ao meio,
seria muito, continua no mesmo estado de cultivo e exploração de há cem anos!
Ninguém duvida de que o nosso lavrador precisa saber do seu metier e abandonar
o ronceirismo e velharias com que a terra cultivada há dezenas de anos se
contentava, para a rodear de outros carinhos, a que o seu estado de civilizada
lhe dá jus. A terra, à força de produzir, torna-se pobre, gasta-se, enfraquece,
até à negação completa de certos produtos; efemina-se, enfim. Para tratá-la,
pois, precisamos dispensar-lhe um certo número de carinhos, animá-la,
conhecer-lhe as necessidades, para lhas satisfazer de pronto. E como fazê-lo,
se desconhecemos os mais rudimentares princípios da agricultura – ciência que
nos ensina a cultivar a terra, com menos trabalho e mais economia, e adquirindo
maior soma de produtos? Com a energia que nos reservam as nossas débeis forças,
havemos tratado, aqui, do problema educativo, na nossa freguesia. Ninguém nos
ouve, a começar pela paróquia, que decerto nos não lê, em conjunto, mas da qual
algum membro haverá saboreado a nossa prosa insípida, porém, de interesse; e,
deste modo, só conhecemos um meio de ver concretizadas as nossas aspirações,
para o que conto, mais uma vez, com a complacência da redacção do Correio de Melgaço
– a bondade de enviar dois exemplares deste número aos Presidente do Ministério
e Ministro da Instrução. Não duvidamos de que o leiam ou mandarão ler (…) Um
jornal provinciano (…), talvez nunca visto, despertar-lhes-á a atenção e com
ela o desejo de ouvirem e remediarem os altos brados rogativos, já feitos em
corporações administrativas, vozes que clamaram no deserto. Seguros e
confiados, diremos a Suas Ex.ªs: - Castro Laboreiro tem para cima de trezentas
crianças em idade escolar, disseminadas por lugares distanciados de um a vinte quilómetros
da escola oficial do sexo masculino (única); Castro Laboreiro tem setecentos
fogos, ou mais, com muito adulto que deseja o pão do espírito, como o alimento
do corpo; Castro Laboreiro, situado no extremo montezinho do concelho de Melgaço,
sofre todas as inclemências de um clima siberiano, tem uma vida quase nómada,
pois muda de habitação duas vezes por ano, forçado pelas circunstâncias, manda
os seus filhos durante o inverno ganhar o pão que a terra (…) não produz, paga
contribuições pesadíssimas, é uma freguesia infeliz e a que, parece, os poderes
constituídos hão sempre lançado ao abandono; Castro Laboreiro tem homens
válidos e cuja robustez ninguém porá em dúvida, braços cobertos, almas
patriotas; mas… Castro Laboreiro não tem meios de se instruir, mas… Castro Laboreiro
não pode agir, porque não tem escolas, nem esperanças em adquiri-las. Ouçam,
pois, Suas Ex.as os brados de “um castrejo” que tem um verdadeiro culto pela
sua terra, mandando que, nesta freguesia, sejam imediatamente distribuídas
escolas (…) e terão, assim, o preito e homenagem que por tal razão merecem,
conquanto só roguemos justiça. E se esta nos é feita, como apelamos,
respiraremos mais à vontade, aspiraremos a longos haustos o ar rarefeito das nossas
queridas montanhas, embalsamado pelas fragrâncias das flores da giesta, do tojo
e dos urzais!... Não falha a esperança a um castrejo, se a redacção (…) mandar
ao seu destino dois exemplares do próximo “Correio”. Suas Ex.ªs ouvir-nos-ão.
Castro Laboreiro, 21/5/1916.»
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