MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS
Por Augusto César Esteves
... continuação.
«De
villa de Melgatio
In dei nomine. Ego Alfonsus pelagii et
uxor mea Marina Johannis facimus placi um de una orta nostra que iacet in ripa
de regario qui currit inter heerada et leprosos de Melgazo. Vobis domno martino
et conventui de fenalis damus atque concedimus vobis ipsam ortam peralia vestra
orta et per una domo quas nobis datis. ita ut per eis reddamus monasterio
sancte marie de fenalibus anuatim. V. solidos. in die pasce. Qui hoc pactum
rumpere voluerit pectet alteri parti vel cuvocem suam dederit. cc. solidos. et
carta maneat in suo roibore. Regnante rege domno santio in portugalia. Tenente
valadares. M. Gil. in sede tuda. L. episcopo. Judices in melgazo. Rudericus
Johannis. et rudericus menendi. Facta carta. Sub era. M. CC. LXX. VIII. Qui
presentes fuerunt.
Andreas
– testes // Rudericos Johannis – testes
Garsias petris – testes // Ordonius qui
notuit.» ([1])
Como
hoje, via-se ali a capelinha siglada junto da via pública e ao lado a pequena
casa onde curtiram dores e saudades do convívio humano aqueles infelizes
sepultados em vida, uma e outra e suas rendas herança desses tempos recuados
recolhida em 1531 pela nossa Santa Casa e estava para dizer levantadas pelo
primeiro gafo sem para tanto concorrerem o consilium
melgacense ou o coração dos reis. Como a longevidade lhe tirou as forças para
ser bem administrada, esta Gafaria foi apanhada pela engrenagem da administração
central e veio por último cair no âmbito da Misericórdia da localidade, porque:
«...na dita Vila havia um hospital que se
chamava de São Gião que fora instituído para nele se curarem lázaros, os quais
havia muitos anos que aí não havia e tinha o dito hospital certas propriedades
que rendiam em cada um ano todas juntamente setecentos e trinta e dois réis, e
andavam mal aproveitadas e sem administrador a que de direito pertencesse a
administração dele e que os provedores da comarca elegiam quem administrasse os
bens do dito hospital e cumprisse os encarregos da Instituição dele, e lhe
ordenavam por seu trabalho a quinta parte do dito rendimento...»
E
como, atendendo ao exposto, tudo el-rei anexou à Santa Casa, esta passou a
tomar contas aos rendeiros e a dá-las aos contadores das obras, terços e resíduos.
Um caderno de papel onde aquelas contas se anotavam, apesar de roído por ratos,
amarelecido por humidade e com falta das duas primeiras folhas e de muitas
outras, encarrega-se de elucidar acerca da sua administração e até fornece um
contributo sobre a existência da lepra no concelho em data avançada da história
pátria, pois nele se lê:
«Aos catorze de Maio do ano de mil e quinhentos e quarenta e
quatro deu Álvaro Aº ([2])
ao lázaro cento e oito réis perante mim, tabelião.»
João
Gonçalves
E
noutras folhas, mais à frente:
«Aos trinta dias do mês de Julho e ano de mil e quinhentos e
quarenta e sete na vila de Melgaço, nas pousadas donde pousa o licenciado João
Dias, cavaleiro da Ordem de Avis, corregedor e contador e provedor dos resíduos
nesta comarca, perante el-rei nosso Senhor; e ele tomou conta Álvaro de Amorim,
mordomo de São Gião, assim dos resíduos da dita Ordem como do que tem recebido
e despesa e achou o seguinte...
«Despesa
que deu o provedor
E deu ao lázaro que estava em São Gião, e se finou,
trezentos réis (300 réis) que estão neste livro atrás assinados - Martim Lopes.»
A Misericórdia, chamando a si esta herança e
recolhendo-a, assumiu correlativas obrigações. Se as cumpriu ou não com escrúpulo
pode-se aferir pelo extracto de uma escritura de 22/9/1658, outorgada pelo vigário
de Paços, padre Miguel Araújo Pita, provedor da Misericórdia e mais irmãos da
sua mesa administradora no livro de notas de Domingos Francisco do Prado, pois
nela se escreveu:
«...fazendo seus antecessores petição ao
muito reverendo doutor João Moniz de Carvalho, provisor da Corte e arcebispo de
Braga para efeito de se haver de dizer missa na ermida de São Julião, sita no
arrabalde desta Vila, ordenada com imagem e o mais necessário, o dito reverendo
Doutor por informação que disto mandara tomar, mandara que se juntasse
escritura para que se obrigasse esta Casa da Santa Misericórdia com especial
hipoteca à fábrica e ornato dela como mais largamente constaria na dita
petição, pelo que ela para a fábrica e reparos e ornamentos e missas e culto
divino da dita capela para nela se celebrarem as mais coisas necessárias
queriam dotar como de feito logo dotaram de ora para todo o sempre jamais à
dita ermida as propriedades seguintes: uma leira de vinha e herdade sita detrás
da Ermida de São Julião que partia pela vereda que vai para a Orada e da outra
parte com caminho que vai para Cavaleiros, e assim mais o campo e vinha sita
abaixo da ermida de São Julião que levará de semeadura campo e vinha seis
alqueires de pão pouco mais ou menos que parte do nascente com vinha de Pedro
Esteves e do poente com campo de Domingos Gonçalves e com quem mais
direitamente partir deva, as quais propriedades haviam por obrigadas à dita
ermida e capela de hoje para todo o sempre jamais para a fábrica e ornato dela,
os quais estariam sempre obrigados à dita ermida e capela e se obrigavam com
suas pessoas e rendas e pensões da dita Casa da Misericórdia a terem e manterem
e haverem por boa esta escritura e se fabricam a dita capela pelos bens acima
nomeados e rendas desta casa e pedem por mercê ao dito reverendo doutor provisor...»
Para
aprestar a capela obras se fizeram à custa da Misericórdia. Os livros da Santa
Casa pouco adiantam para o conhecimento da sua acção de bem-fazer nesta época,
mas o despacho do provisor lavrado no processo organizado sob as vistas do arcebispo
é um excelente testemunho esclarecedor do estado de ruína da capelinha e talvez
as suas palavras expliquem a causa de não se verem siglas em todas as pedras e
o motivo de outras pequenas anomalias.
Diz
assim:
«Na escritura se faz especial hipoteca mas não se declara o
rendimento dos bens obrigados nela, mas visto que da obrigação da fábrica desta
ermida a especial hipoteca não tira a geral com que na mesma escritura se
obriga a Casa da Misericórdia por os ditos bens e pelas rendas da Casa a terem
manter esta ermida e fábrica dela a julgo bastante e a si regista e se passa
comissão visto haver sido arruinada e de novo reparada para o reverendo pároco
a benzer na forma do ritual romano e que com isso se possa dizer missa nela...»
[1] Sumário:
1240 — Afonso Pais e Marinha Eanes, sua
mulher, trocam com D. Martinho, abade de Fiães, e seu mosteiro, uma horta sita
junto do regato que corre entre a Orada e a gafaria de Melgaço, por outra horta
e uma casa do referido mosteiro, ao qual deviam pagar também, anualmente, cinco
soldos, no dia da Páscoa. // Falta a menção do mês e do dia desta permuta, mas
sabe-se que o contrato foi realizado no reinado de D. Sancho II, sendo
terra-tenente de Valadares M(artinho) Gil, bispo de Tui, D. Lucas, e juízes de
Melgaço Rodrigo Eanes e Rodrigo Mendes e que o notário foi Ordonho. (J.M.)
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