segunda-feira, 7 de setembro de 2015

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO

Por Joaquim A. Rocha



OS QUARENTA MILHÕES


     A Rádio Televisão Portuguesa, no seu jornal das treze horas, passou uma reportagem sobre a vila de Melgaço. Em lugar de falar das Festas da Cultura, como era seu dever, mostrou a Alameda Inês Negra, o Terreiro com a sua esplanada, alguns emigrantes, um gerente bancário confirmando que os cofres das agências bancárias estão a abarrotar de notas. O presidente da Câmara Municipal, Rui Solheiro, foi entrevistado. Não percebi bem a pergunta, mas a resposta deixou-me estupefacto! «… sim, poderá haver investimentos em Melgaço se o governo isentar de alguns impostos os investidores.» Isto disse o senhor presidente, mais palavra, menos palavra. Quer dizer, o concelho entraria na senda do progresso se a partir de Janeiro do próximo ano, por exemplo, os empresários deixassem de pagar ao Estado os impostos devidos! É certo que não o deixaram falar durante muito tempo; é certo que numa pequena entrevista as ideias não se completam, mas… se a solução fosse essa todos os concelhos do país desfrutariam de um saudável bem-estar. Não, não essa a solução. Poderá ser um rebuçado para os empresários, mas ninguém com juízo se arriscaria a investir os seus capitais e tecnologia só porque os lucros estariam parcialmente isentos de impostos. E existirão os lucros? O presidente da Câmara esquece-se de que em Melgaço não existem riquezas naturais em abundância. O que serviria de matéria-prima a essa unidade industrial? Em Melgaço não há mão-de-obra: quer especializada, quer indiferenciada. Esperaria o empresário pacientemente que o Instituto de Emprego formasse melgacenses ou, em alternativa, contrataria operários de outros concelhos? Investir em quê e em quem? A agricultura, mesmo modernizada, nunca será muito rendível devido ao solo pobre e terrenos acidentados (exceção para o vinho alvarinho, mas este só pode ser produzido em certas áreas, até duzentos ou trezentos metros de altitude); o comércio, num concelho de emigrantes, é irregular, sazonal, isto é, apenas trabalha nos meses em que os emigrantes vêm passar as suas férias, e tem que oferecer artigos bons, ou médios, e a baixo custo. Até porque nos nossos dias fazer compras em Melgaço ou em Paris é praticamente a mesma coisa (talvez em Paris se compre mais barato no período de saldos)! A população mais idosa de Melgaço tem dinheiro (daí a reportagem) mas não tem hábitos de consumo: vestem quase sempre a mesma roupa, calçam sempre os mesmos sapatos ou botas. As aldeias estão a ficar despovoadas; as casas construídas com tanto sacrifício e carinho ficam às moscas durante quase todo o ano; a vila, sede do concelho, irá aumentando a sua população graças à escola secundária, ao seu clima cada vez mais ameno, ao prestígio que dá morar numa vila: «sou da vila, moro na vila
     Penso que não será com isenções que o problema do nosso concelho se resolverá. As soluções para Melgaço, para Monção, e para tantos, tantos outros concelhos do país, passarão por uma política de âmbito nacional e regional; pela eliminação de assimetrias escandalosas; pela distribuição correta da população por todo o território nacional. Lisboa e cidades periféricas, Porto, e mais algumas cidades, concentram a maior parte da população portuguesa, a indústria, o comércio, os serviços. O resto é paisagem! A nossa terra teve o azar, ou a sorte, de ficar longe dos grandes centros. Não pode, infelizmente, por si só, fazer o que quer que seja. Deverá, enquanto a política do governo for esta, melhorar os seus restaurantes e pensões, criar alguns atrativos para os turistas, dar vida a uma culinária própria, profissionalizar os empregados de mesa; rasgar (e aí sim, a Câmara Municipal poderá ter um papel muito ativo), uma avenida em direção ao rio, bem iluminada, e fazer uma praia fluvial (existem para isso condições desde Cristóval até Penso). Dinheiro? Para esse empreendimento criar-se-ia uma empresa mista (Câmara e particulares), empresa essa que iria futuramente explorar esse espaço privilegiado: bares, lojas de recordações, uma sala de cinema, etc. Utopia? Talvez, mas sem ela não se avança. Quem, há anos, pensaria ter nas suas casas água do rio Minho? Ter Escola Secundária? Um Lar para Idosos? Melgaço tem de dar o tal passo qualitativo. Sejamos utopistas e avancemos. Não temos grandes riquezas no concelho no que diz respeito a matérias-primas, mas temos um dos concelhos mais belos do país: isso, ninguém nos pode roubar! O turista, se o quiser conhecer, terá de deixar aí algum dinheiro, e Melgaço deverá deixar boas recordações para que o voltem a visitar: isso será turismo a sério. Para que os turistas surjam é preciso fazer publicidade: onde está ela?! Por exemplo: os filmes «Serra Brava» e «Cruz de Ferro» foram filmados em Castro Laboreiro. Quem o sabe? As Águas de Melgaço curam a diabetes, fazem-se bebidas agradáveis com ela. Em nenhuma parte se encontra à venda! O presunto de Melgaço (Castro Laboreiro e Fiães, e não só) era considerado o melhor do país, juntamente com o de Chaves e Lamego. Onde está? O progresso, o desenvolvimento integral, não se poderá verificar sem algum profissionalismo nas atividades em que Melgaço poderá dar cartas. O amadorismo existente não traz benefícios a ninguém. Desejo ardentemente que a criação da Adega Cooperativa (*) venha a ser um grande passo no caminho da modernização. Mas atenção! Há dias, o jornalista Jorge Morais chamava no seu jornal “marados” aos portugueses. Porquê? Porque, dizia ele «nós não podemos ver coisinha que não queiramos logo abrir, mudar, remexer, estragar.» Isto a propósito de se falsificar o queijo da serra, os vinhos, etc. E logo a seguir: «dá ideia de que, no hardware do computador português está metido um programa de auto-destruição; entra em funcionamento automático mal topa um trabalho bem feito
     Seria ótimo que os melgacenses fugissem à regra e em lugar de destruir construíssemos e bem. Nem calculam como me senti orgulhoso quando um dia destes fui fazer compras ao Euromarché e lá encontrei o nosso alvarinho Dona Paterna, ao lado do produzido no Palácio da Brejoeira!                  


Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 972, de 15/10/1992.


     /// (*) Infelizmente, o projeto Adega Cooperativa abortou; em seu lugar surgiu a sociedade anónima «Quintas de Melgaço», fundada por Abilio Amadeu Lopes e outros.

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