MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS
Por Augusto César Esteves
Outra
recorda D. Sancho I e a sua política que, certa vez, pôs Melgaço em pé de
guerra e levou a mesnada dos seus peões incorporada na hoste real. Foi nos fins
de 1196, ou nos princípios do ano seguinte, quando invadiu a Galiza, como
aliado dos reis de Castela e de Aragão. Aos historiadores da vida nacional
escasseiam documentos elucidativos das particularidades de toda a empresa e,
não obstante aos monógrafos de Melgaço faltar qualquer letra expressa para abonarem
o acerto, a verdade ficou dita, porque a campanha há-de ser também apreciada
pela crítica à face das regras e princípios que informavam o serviço militar.
Conhecem-se a tomada de Tui e mais alguns
feitos da hoste espalhada por aqueles sítios. Se esta invasão das tropas de D.
Sancho I atingiu Pontevedra, como relatam escritores que trabalharam este
período de lutas com o rei de Leão, as lanças dos avós de nossos avós na empresa
se viram, ajudaram a talar campos, a entrar castelos e não deixaram também de
bater às portas daquela vila galega, porque embora a quadra fosse de fins de
Outono – princípios de inverno, aqui não ficaram todos a comer castanhas à
lareira. A este «dolce farniente»
opunham-se a característica da campanha e situação da terra, a organização do
serviço militar nos primeiros reinados e as obrigações contraídas pelos
súbditos para com o soberano. Nesta guerra entrou a hoste real e para a
engrossar que necessidade tinha D. Sancho I de trazer até ao norte a peonagem
do sul? Se por todos os cantos de Melgaço, nessa altura, livremente passava
ainda a raposa, por a Vila ser terra aberta e, quando muito, apresentar à volta
da torre os andaimes dos canteiros do assento, que perigo de contra ofensiva
nesta parte da fronteira podia antolhar-se para a mesma ficar fortemente
guardada das arremetidas do leonês? Se o seu valor, como ponto de defesa, era
nulo e o de presa de guerra devia equivaler àquele, para que, pois, haviam de
ficar aqui, de folga, as muitas ou poucas lanças dos peões locais?
De resto, como Melgaço era povoação da
Coroa, e só habitada por jugadeiros, não obstante o seu foral ser omisso quanto
à prestação do serviço militar, e no seu termo não haver a fina flor do povo,
representada pela classe dos cavaleiros vilãos, todos os homens abrangidos na
administração municipal, ou povoando os reguengos, incrustados no termo, por
isso mesmo, estavam obrigados, como todos os outros do país não exceptuados
expressamente nos forais, ao encargo de acompanharem o monarca, enquadrados na
hoste real, quantas vezes ele os convocasse para entrarem em som de guerra
pelas terras alheias ao seu domínio. Assim tem de ser entendida a omissão
verificada no foral; doutra forma Melgaço estaria dispensado também de correr
às armas para se defender de qualquer fossado partido da Galiza. // Ora não se
compreende como aquela obrigação militar, sempre tão ciosamente exigida de toda
a gente, nobre ou plebeia, remediada ou rica, fosse agora obliterada em
benefício do Concílio de Melgaço, um concelho quase fronteiriço ao campo de
operações e tão chegado aos objectivos a atingir pelo rei, visto não se tratar
de fossado ou guerra contra os mouros já quase verdadeiros antípodas dos
nortenhos.
Não se compreende nem alcança por que
motivo, no preciso momento de perigo para a nação portuguesa e de esforço
colectivo contra inimigo poderoso, o rei houvesse de isentar da obrigação de
irem naquela hoste os seus reguengueiros e todos, ou alguns, dos lanceiros do
município de Melgaço, concedendo-lhes um privilégio tantas vezes negado aos
outros homens livres, como não se alcança, nem descobre, causa para a este
termo não chegar a convocação real, ou razão por que os moradores do termo se
recusassem a acompanhar o seu rei nesta empresa, negando assim e abertamente
obediência a quem lhes havia dado já uma sensível prova de atencioso carinho e
de graciosa generosidade – a doação da «hereditate sancte marie da erada»,
como consta deste tão interessante documento do Cartulário de Fiães, duas vezes
curioso, ouseja, pela resenha da família real e pelo número de mitras confirmantes.
«De Figueiredo – In
dei nomine. Hec est carta firmissime donationis et cum canbii quam iussi fieri.
Ego Santius dei gratia portugaliae Rex una cum filio meo Rege domno alfonso et
alteris filiis et filiabus meis. Vobis donno iohanni abatti de fenalis et
fratribus vestris tam presentibus quan futuris de illis quatuor casalibus et
demidio que habuimos in villa que vocant Figueiredo. Damus igitur vobis hec
quator casalis et demidium per remissione pecattorum nostrorum et per
hereditate sancte marie da erada quan pater meus rex domnus Alfonsus vobis
dedit et nos dedimus eam poplatoribus de melgazo. Quicquid autem in iam dicta
villa de figueiredo habuimos vobis damus et iure hereditario habendum
concedimus in perpetuum cum omnibus que in ipsis casalibus ad ius nostrum
expectat quicquid igitur hoc nostrum factum vobis integrum observaverit sit
benedictus a domino amen.
Facta fuit hac karta apud
Scaren. III. idus. Decembris. sub era M.CC.XXX.VII. Nos reges qui hanc kartam
fieri percepimus coram subscritis eam roboravimus et in ea hac signa fecimus.
Qui affuerunt. // Martinus bracarensis
archiepiscopus - confirma. // Martinus portugalensis episcopus // Petrus
lamecensis episcopus // Nicolaus vicensis episcopus // Petrus colimbriensis
episcopus // Suarius ulixbonensis episcopus // Plagius elborensis episcopus // Johannes
Fernandiz dapifer domni regis // Martinus Fernandiz // Dominicus Osoreus // Gonsalvus
Menendiz maiordomus curie // Plagius moniz signifer domni regis // Nuno Sancii
qui tunc tenebat ripam minii // Martinus Lopes // Garsia Petris // Fernandus
Fernandiz // Petrus Nuniz - testes // Selo rodado: Rex dom’ Santius // Rex dom’Alfons’
// Reg. Dona Berengaria // Regina dona Sãchia // Regina dona Tharasia // Regina
dona Mafalda // Regina dona Blãca // Rex dom’Petrus // Julianus Notarius
Curie.» // continua...
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