ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
FORAIS MELGACENSES
Há muitos, muitos anos, passou-me pela cabeça aprender latim
e traduzir os forais dados à nossa terra por Afonso I e Afonso III; o foral de
Manuel I está escrito em português, embora para o leitor comum não seja fácil
lê-lo sem se atualizar a sua grafia. Nunca cheguei, por razões alheias à minha
vontade, a dominar a língua de Cícero; o que sei não é suficiente para meter
ombros a tão árdua tarefa. Assim, tive de solicitar ajuda a dois eminentes
latinistas: os padres Henrique Pinto Rema e António Pereira da Silva, que
amavelmente traduziram para a nossa língua tão importantes documentos para a
História de Melgaço. Também colaborei nessa tradução, pois conhecendo melhor do
que eles o passado do nosso rincão aqui e ali detetei algumas falhas de
pormenor que corrigi, espero, da melhor maneira. Por exemplo: no foral consta
«ripa auie»; a tradução correta seria «riba de ave», não obstante a tradução é
«Ribadávia»! Sabemos isso porque no foral do rei venturoso se diz: - «E deu-lhe outro foral segundo o de Rybadave…»
O padre Bernardo Pintor publicou em 1975
uma obra notável que intitulou «Melgaço Medieval»; nesse livro está traduzido o
foral do século XII. No final o padre Pintor informa-nos: «Está escrito em latim deficiente e há dúvida na tradução de algumas
expressões. Fiz o melhor que soube e pude.» A minha opinião é esta: o padre
Bernardo traduziu bem o documento, simplesmente omitiu uma pequena frase e não
foi feliz na tradução de uma ou outra palavra. Não desvaloriza de modo algum o
seu trabalho. Não tenho quaisquer dúvidas que um dia há-de aparecer alguém a
pôr defeitos nesta tradução de 1994. Se for para emendar erros, esse alguém
seja benvindo.
Espero que esta minha contribuição seja
bem recebida e estimule os melgacenses a interessarem-se pela História do nosso
tão esquecido concelho. Daqui faço um apelo ao Cónego Doutor José Marques para
não esquecer a promessa que nos fez no seu livro «O Mosteiro de Fiães», página
21: «… Cartulário de Fiães, cuja edição
programamos».
1.º
Foral
Cada um de vós
pagará, a mim ou ao meu mandatário, pelas vossas casas, um soldo (2) todos os
anos; os carniceiros pagarão dois soldos, igualmente uma vez por ano: metade
depois das festas de natal do senhor, e a outra metade no terceiro dia depois
da festa da Assunção de Santa Maria. Quando o vosso rei visitar a vossa vila
entregar-lhe-eis seis denários (3) para a sua coleta, não mais; se ele aqui
vier mais do que uma vez no mesmo ano, fica ao vosso critério oferecer-lhe o
que bem entenderdes. Do pão e do vinho que produzirdes ou comprardes, bem assim
como de todos os tecidos e animais que venderdes ou comprardes, de todas as
transações realizadas entre vós, e das vossas moagens e fornadas, e da vossa
almuinha (4), prestai somente contas a Deus (5). Aos comerciantes de fora que
cheguem com as bestas carregadas de quaisquer produtos, cobrareis um soldo por
cavalo ou macho. Entregareis ao vosso rei seis denários por égua, quatro denários
por burro, e dois denários por peão (6). Se algum mercador chegar com fazendas,
pode vender toda a carga por grosso, não a retalho, a não ser em dia de feira;
e se proceder de outra maneira pagará trinta soldos aos juízes da vossa vila e
ao meu representante (7). Por falso côvado (8) e falsificação de toda a medida
de pão, vinho e sal, pagará, o falsificador, cinco soldos. Se aqui vier alguém
que queira vender cavalo ou mula, os compradores pela transação devem pagar: por
cavalo um soldo ao hospedeiro (9) e um soldo ao rei; por mula, pague três soldos
ao hospedeiro e três soldos ao rei; por égua seis denários ao hospedeiro e seis
ao rei; por asno pague três denários ao hospedeiro e três ao rei. Os moradores
da vila nada pagarão nas compras e vendas, quer sejam efetuadas na feira quer
fora dela, excepto: por manto de uma única cor, quatro denários; por saia de
uma só cor, dois denários; por manto de pele de coelho (10), quatro denários;
por manto listrado, dois denários; por saia listrada, um denário. E por capa
galega, dois denários; por pele de cordeiro (11), dois denários; por pele de
cabra, um denário; por pele de boi, quatro denários; por pele de vaca, dois
denários. Os mercadores de fora, não moradores na vila, não terão quaisquer isenções. // continua...
Notas:
01 – Valadares foi terra importante na idade média, sede de
concelho até ao século XIX (1855), altura em que se desmembrou a favor de
Monção e de Melgaço.
02 – O soldo, moeda de prata, valia doze denários.
03 – Denário, ou dinheiro; antiga moeda de cobre.
04 – Casal, herdade, horta murada, propriedade suburbana.
05 – Isto é: à igreja, pagando os dízimos.
06 – Pessoa que vinha a pé.
07 – Pressupõe-se que seria 15 para cada parte.
08 – Antiga medida de comprimento que correspondia a 66 cm.
09 - «Hospiti» no texto. Levantam-se algumas dúvidas: quem é
o hospedeiro, o vendedor? Quanto custava um cavalo nos anos 80 do século XII?
Por mula pagavam três soldos e por cavalo somente um soldo?!
10 - «Coelio» no texto. O Dr. Augusto César Esteves traduziu
por coelho; o padre Bernardo Pintor por manto célio, isto é, da cor do céu
(azul). Eu consultei o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José
Pedro Machado, e lá consta: «coelio em
1181», (Leges, página 422), referindo-se a coelho.
11 – No texto lê-se: «pelle cordeira». É possível que
abranja os três tipos de pele: ovelha, carneiro e cordeiro.
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