DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
Dr. António Augusto Durães |
Cartas de um castrejo
23.ª - «Senhor Redactor: não aspiramos a galardão maior e nunca
supusemos que as nossas humildes cartas para o Correio de Melgaço – sempre
recebidas e publicadas com gentileza por nós imerecida, produzissem um
interesse pela nossa querida terra que, se não é, para já, um facto concreto,
mesmo no campo das abstracções, é uma esperança para o nosso progresso e
engrandecimento almejados. // - Inundou-nos a alma de satisfação incontida a
promessa feita pelo “bloco democrático de Melgaço” aos castrejos, e não
duvidamos, nem por um momento, de que a promessa será a realidade, no mais
curto prazo. O Dr. António Augusto Durães, herdeiro de um nome que ainda
pranteamos, pelas gratas recordações que nos desperta, descendente de um dos
mais lídimos caracteres que Melgaço nos deu, filho querido desse modelo de pais
– que foi um ensinamento, o secundador sem dúvida do espelho de virtudes morais
e cívicas do seu progenitor – primeiro luminar daquele “bloco”, a alma do partido
regional, não consentiria que o “Correio” fizesse afirmações cuja realidade fosse
vã, nem o “Correio” as faria sem pleno assentimento de S. Ex.ª. Hoje rejubilamos,
e não nos pouparemos ao grato dever de lhe lembrar: 1.º - a criação de escolas
para os dois sexos (e tantas quantas exige a população escolar). É este o nosso
alvo primacial, porque temos a certeza absoluta de que é a pedra basilar do
nosso alevantamento material e moral. Depois chamamos a atenção de S. Ex.ª para
os desacatos contínuos dos soldados da Guarda-Fiscal e, até, dos seus
superiores, se têm responsabilidades nos casos que passo a expor: - foi
deslocado para Alcobaça o posto de despacho desta freguesia, que tem foros de
fidalgo e de cidadão republicano, o que prejudica altamente os nossos
interesses. // O dia 11 festejou-se, em Várzea Travessa, o advogado dos aleijões.
Ao evangelho, subiu à tribuna o novel orador (…) rev.º João Evangelista
Rodrigues. Quando o povo começava a dispersar houve uma leve altercação entre
dois festeiros e alguns soldados da Guarda-Fiscal que, ali, indubitavelmente
aguardaram as mercadorias espanholas para apreenderem. Puxaram dos sabres, os
supraditos; mas não nos consta (…) que matassem ninguém. Dizem-nos, também,
pertencerem aos postos de Ameijoeira, vila e Alcobaça… Vamos à Espanha comprar
géneros passáveis, por compreendidos na tabela de importação mais novinha, e a
Guarda-Fiscal apreende-os, ou exige… uma conferência! – Que raio será isto de
conferência? (…) Os mesmos soldados apreendem-nos o gado, na volta dos pastos,
sob o pretexto de que não vem acompanhado de guia de trânsito, e sem aviso
prévio para nos munirmos dela. Temos exemplos, claro, de multas deste jaez, e
por transgressões deste quilate. Isto e muito mais que calamos por agora,
parece-nos um atentado contra as nossas pessoas e bens e um cerceamento de
regalias (…) Eis um campo vasto para S. Ex.ª nos demonstrar o seu amor e
dedicação: escolas (pois a falta delas é a razão das nossas misérias), o posto
fiscal no seu lugar, avisos prévios quando uma lei nova, ou velha – mas que
desconhecemos – seja posta em prática, e, então, a trangressão deve ser punida;
e, com tudo isto, repetidas visitas venatórias para, até, nos livrar da praga
de javalis que impiedosamente destroem os batatais. É ser muito exigente, mas
Dr. «di-lo a boca, paga-o a bolsa», segundo diz o meu velho e bom vizinho a …
um castrejo. // Castro Laboreiro, 13/7/1916.»
Nota: «Fomos informados de que no dia 16
do corrente se deu um conflito na vila de Castro Laboreiro entre as praças da Guarda-Fiscal
e o povo daquela freguesia. Contam-nos que originou tal conflito o facto de
pretender a Guarda-Fiscal que a música, que era a de São Gregório, fosse tocar
à porta do quartel, com o que povo não concordou. Por este motivo, o reitor, um
pobre velho, não consentiu que a banda tocasse à porta do quartel o que,
segundo nos informam, lhe deu em resultado receber do guarda Sousa, numa loja e
em público, duas bofetadas. Dizem-nos também que nessa loja se encontrava o
cabo Félix, comandante do posto, e outras praças, contra as quais o povo, vendo
o seu reitor desfeiteado, se revoltou, havendo uma refrega entre ele e a Guarda-Fiscal,
tendo dela saído ferido o guarda Puga, que também nos dizem encontrar-se em
tratamento no hospital militar de Valença. Foi apresentada queixa em juízo
contra o reitor e o padre João Evangelista Rodrigues, como promotores da
desordem, constando-nos também que participação idêntica vai ser apresentada no
mesmo juízo contra os guardas Sousa e todos os guardas presentes. Além da
queixa que nos dizem será mandada para juízo, outra seguirá por intermédio das
autoridades competentes até ao Ministro das Finanças» (Correio de Melgaço n.º 208, de 23/7/1916).
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