quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha
 
 
Forais melgacenses (continuação)



     Se algum de entre vós cometer homicídio, vizinhos que sois uns dos outros, compareça a justiça da vila com o vigário do rei à porta do homicida e peçam-lhe uma caução, a qual conseguida, então exigir-lhe-ão um fiador para o montante de cinco soldos. Apresentado o fiador no prazo de nove dias, restituam-lhe o penhor. Porém, se nos nove dias decorridos isso não acontecer, venham sobre ele os sobreditos (justiça da vila e representante do rei) e exijam-lhe pelo homicídio praticado cem soldos. Se o homicida não cumprir, o seu fiador pagará cinco soldos, e então o crime recairá sobre a sua casa e herança, e nenhuma punição lhe causem a não ser os seus inimigos (12). Se alguém matar outrem furtivamente e puser o cadáver à porta do seu vizinho, ficando sujeito a ser acusado e caluniado, este deverá dirigir-se à igreja e jurar a sua inocência, alcançando assim a imunidade e a salvação. Se alguém de fora da vila vier a esta e tenha com um seu morador inimizade, e não tiver previamente pedido fiança ao seu inimigo, desprezando a assembleia, o habitante da vila poderá atuar contra o estranho com a ajuda dos seus amigos, e se o ferir com gravidade ou mesmo o matar, não será responsabilizado perante o rei. Se os que foram chamados não quiserem ajudá-lo, serão penalizados em cinco soldos e responderão perante a assembleia.

     O vigário do rei deve morar na vila. Se alguém o ferir, ou matar, pague por ele cem soldos, como no caso de qualquer outro homem. Se alguém cometer o crime de rapto (de mulher honesta ou donzela) e a assembleia da vila se for queixar ao representante do rei, o raptor pague cem soldos. Se algum vizinho ferir outro, pague quinze soldos pela agressão, se o ferimento for na cabeça; se não for na cabeça, pague então sete soldos e meio. Todos aqueles que se envolverem em rixa, puxando pelos cabelos e maltratando-se: na vila, na assembleia, na igreja, apenas responderão perante as suas consciências, no caso de se quererem reconciliar; de contrário, se um deles não desejar fazer as pazes e levar a denúncia ao vigário do rei, o que os juízes decidirem seja cumprido: metade da multa será atribuída à vítima e a outra metade será para o meu representante. Aquele que injuriar outrem prestará a devida satisfação por meio da assembleia. Se posteriormente se negar a cumprir (o que na assembleia se decidiu) vá a autoridade à sua porta com duas testemunhas e exija-lhe caução; se a der, nesse dia deixar-se-á em paz. Depois, diariamente, voltarão a exigir-lhe o penhor, e sempre que o satisfaça, deixem-no ficar sossegado. Quando tiver sido espoliado a ponto de já nada lhe restar, tomam-lhe as portas da casa, em seguida as telhas, até dar fiador ou o dinheiro em que foi penhorado. E se não quiser cumprir, pague no primeiro dia cinco soldos ao vigário do rei, e da mesma maneira pague no segundo dia dois soldos. E no terceiro dia, o injuriado, a justiça da vila, e o representante do rei, então vão à sua porta e chamem-no: se não quiser vir, entrem na casa sem aviso e apoderem-se de tudo quanto for devido.

     Se alguém, por maldade, abater outro com espada, seja na aldeia, seja no campo, se existirem duas ou três testemunhas, pague, o acusado, sessenta soldos ao vigário do rei. Se o homicida for conhecido, e se for essa a decisão da assembleia, desde que não transporte espada, nada pague.

     Cada casa vossa seja coutada (avaliada), em seis mil soldos. Se alguém, sem motivo justo, a danificar, dê ao seu proprietário quinhentos soldos para o seu arranjo.

     Toda a pessoa que se queira tornar vosso vizinho, que venha morar para junto de vós, pague um soldo: seis denários para os juízes da vila e seis denários ao senhor da terra (13). Se algum indivíduo ousar infringir esta lei, embora não creio que isso venha a acontecer, seja amaldiçoado e excomungado até à eternidade, e fique privado da fé de Cristo (14) e do seu lugar no paraíso; e não ouça a voz do Senhor dizendo: - «Vinde, benditos!» - Mas ouça as palavras: - «Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno!» … e outras coisas mais. Eu, rei Afonso de Portugal, com o príncipe Sancho, meu filho, e minhas filhas acima mencionadas, a vós, habitantes de Melgaço, esta carta-foral vos dou, e pela minha própria mão corroboro e confirmo esta escritura.

     Carta de venda e doação feita na era de 1219, e 12.º dia das calendas de Agosto (15). D. Velasco, mordomo-mor da Cúria – testemunha. Godinho, arcebispo de Braga – confirmante. Fernando, bispo do Porto – confirmante. Martinho, bispo de Coimbra – confirmante. Pelágio, eleito de Évora - confirmante. João, bispo de Viseu – confirmante. Godinho, bispo de Lamego - confirmante. D. Pedro Rodrigues – testemunha. D. Afonso Ermígio – testemunha. D. Pedro Afonso – testemunha. D. Soares Venegas – testemunha. D. Martinho Pais – testemunha. Pedro Salvador – testemunha. G. Fernandes - testemunha. Nuno Guterres – testemunha. Mestre Fernando – testemunha. Mestre Domingos – testemunha. Mem Gonçalves – testemunha. Rodrigo Henriques – testemunha. Julião, notário da Cúria. XXXXXX

 

Notas:

 

12 – Suponho que sejam os familiares da vítima.

 

13 – Provavelmente o senhor de Valadares: Suerio Arias ou Pelagio Suariz.

 

14 – Isto é: deixe de ser, pela comunidade, considerado cristão; nessa época implicava tornar-se praticamente um apólida, ou seja, um indivíduo sem pátria!

 

15 – 21 de Julho de 1181. A era de César estava adiantada trinta e oito anos em relação à nossa. Logo: 1219 – 38 = 1181. Quanto às calendas [(31+2)-12]=21. Penso que não vale a pena dizer mais nada. Só isto: os romanos não contavam o tempo como nós o contamos. Penso que o ano de 1181 pode estar correto quanto à redação do documento. No entanto, como o país se encontrava em guerra com os muçulmanos, não era fácil de um dia para o outro pô-lo em vigor. Por outro lado, existe o problema dos confirmantes, distantes uns dos outros. Leis que se faziam num ano só passados dois ou três é que chegavam aos seus destinatários! Por conseguinte, este foral deve ter chegado às mãos dos melgacenses a partir de 1183, pois só a partir desse ano é que alguns dos confirmantes obtiveram os cargos que ostentam no foral.

 

Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1018, de 15/11/1994.

 

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