terça-feira, 1 de novembro de 2016

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO

Por Joaquim A. Rocha


escultura de José Rodrigues


A ARRENEGADA

 

     O seu nome nunca se soube, nem se poderá saber, pois «dos fracos não reza a história.» Lutou e perdeu, segundo Fernão Lopes e Duarte Nunes de Leão. A sua inimiga foi Inês Negra, figura lendária, que lhe bateu até à exaustão. Isto a 3/3/1388, na altura em que D. João I tentava levar de vencida os castelhanos que ocupavam (legalmente, segundo uns, e ilegalmente, segundo outros) o castelo e toda a Vila de Melgaço. / A 13/8/1995, inserida nas Festas da Cultura, foi exibida, ao ar livre, dentro das muralhas, uma peça de teatro «O Dia de Inês Negra», escrita por José Jorge Letria, encenada por José Martins e representada por Alexandra Diogo, Filomena Mouta, Maria José Miranda, Alexandre Passos, Alexandra Martins, Artur Mendonça, Francisco Costa, Luís Barroso, Manuel Geraz, Paulo Vieira e Porfírio Barbosa, todos os atores pertencentes ao Teatro do Noroeste. A representação agradou, mas o texto deixa muito a desejar. José Jorge Letria não conhecia Melgaço, nem a lenda de Inês Negra. Tentou assimilar tudo à pressa e os erros brotaram como ervas daninhas. Começou por chamar Tibães a Fiães (páginas 14 e 18); depois, o “Caminhante”, personagem da peça, fala de Fernão Lopes: «E o senhor Fernão Lopes, de que eu muito ouvi falar nas minhas andanças por Lisboa, há-de ter a pena afiada para contar para os vindouros como tudo se irá passar.» Mais umas quantas páginas e é o próprio rei a afirmar: «Fernão Lopes nada deixará escapar daquilo que nestas terras acaba de acontecer…» Incrível! Fernão Lopes, se vivia em 1388, ainda era uma criança. Nem sequer se deu ao trabalho de consultar uma enciclopédia a fim de saber a data aproximada de nascimento do cronista. À frente põe as duas personagens (Arrenegada e Inês) a discutir. Diz a 1.ª: «Eu não sabia que quem é negro também tem alma.» Responde a Inês: «Quem é negro tem ainda mais alma…» Das duas, uma: ou o autor considera que Inês era de cor negra, o que é absurdo, pois no século XIV os moiros (da Mauritânia), de pele escura, já não existiam em Portugal, muito menos em Melgaço, ou então é racista ao contrário, isto é, chama racistas aos brancos! A seguir, numa fala de Inês, esta afirma: «… sou de Melgaço…» Não leu a crónica de D. João I, de Fernão Lopes, e era tão pequenino o texto! O cronista diz que ela é do arraial, isto é, acompanhava o exército do rei, até podia ser do termo, mas da Vila nunca! Claro que se trata duma lenda e o autor da peça pode modificar o que quiser, mas há limites. Outro erro monumental é quando o “Caminhante” afirma: «… o renegado alcaide Vasco Gomes de Abreu foi afastado do seu posto…» Só um ignorante escreve isto. Nesse longínquo ano de 1388 era alcaide de Melgaço Álvaro Pais Sottomaior, o qual tomara partido por Castela, ou seja, pela filha do rei falecido, Fernando I de Portugal.



obra de Manuel Igrejas

     // Nota: quem estiver interessado nesta lenda pode, e deve, ler o livro do conde de Sabugosa, cujo título é «Neves de Antanho». Ainda se vai encontrando um ou outro exemplar nos alfarrabistas.                

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