DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
escultura de José Rodrigues |
A ARRENEGADA
O seu nome nunca se soube, nem se poderá
saber, pois «dos fracos não reza a
história.» Lutou e perdeu, segundo Fernão Lopes e Duarte Nunes de Leão. A
sua inimiga foi Inês Negra, figura lendária, que lhe bateu até à exaustão. Isto
a 3/3/1388, na altura em que D. João I tentava levar de vencida os castelhanos
que ocupavam (legalmente, segundo uns, e ilegalmente, segundo outros) o castelo
e toda a Vila de Melgaço. / A 13/8/1995, inserida nas Festas da Cultura, foi
exibida, ao ar livre, dentro das muralhas, uma peça de teatro «O Dia de Inês
Negra», escrita por José Jorge Letria, encenada por José Martins e representada
por Alexandra Diogo, Filomena Mouta, Maria José Miranda, Alexandre Passos,
Alexandra Martins, Artur Mendonça, Francisco Costa, Luís Barroso, Manuel Geraz,
Paulo Vieira e Porfírio Barbosa, todos os atores pertencentes ao Teatro do
Noroeste. A representação agradou, mas o texto deixa muito a desejar. José Jorge
Letria não conhecia Melgaço, nem a lenda de Inês Negra. Tentou assimilar tudo à
pressa e os erros brotaram como ervas daninhas. Começou por chamar Tibães a
Fiães (páginas 14 e 18); depois, o “Caminhante”, personagem da peça, fala de Fernão
Lopes: «E o senhor Fernão Lopes, de que
eu muito ouvi falar nas minhas andanças por Lisboa, há-de ter a pena afiada
para contar para os vindouros como tudo se irá passar.» Mais umas quantas
páginas e é o próprio rei a afirmar: «Fernão
Lopes nada deixará escapar daquilo que nestas terras acaba de acontecer…»
Incrível! Fernão Lopes, se vivia em 1388, ainda era uma criança. Nem sequer se
deu ao trabalho de consultar uma enciclopédia a fim de saber a data aproximada
de nascimento do cronista. À frente põe as duas personagens (Arrenegada e Inês)
a discutir. Diz a 1.ª: «Eu não sabia que
quem é negro também tem alma.» Responde a Inês: «Quem é negro tem ainda mais alma…» Das duas, uma: ou o autor
considera que Inês era de cor negra, o que é absurdo, pois no século XIV os
moiros (da Mauritânia), de pele escura, já não existiam em Portugal, muito
menos em Melgaço, ou então é racista ao contrário, isto é, chama racistas aos
brancos! A seguir, numa fala de Inês, esta afirma: «… sou de Melgaço…» Não leu a crónica de D. João I, de Fernão Lopes, e
era tão pequenino o texto! O cronista diz que ela é do arraial, isto é,
acompanhava o exército do rei, até podia ser do termo, mas da Vila nunca! Claro
que se trata duma lenda e o autor da peça pode modificar o que quiser, mas há
limites. Outro erro monumental é quando o “Caminhante” afirma: «… o renegado alcaide Vasco Gomes de Abreu foi
afastado do seu posto…» Só um ignorante escreve isto. Nesse longínquo ano
de 1388 era alcaide de Melgaço Álvaro Pais Sottomaior, o qual tomara partido
por Castela, ou seja, pela filha do rei falecido, Fernando I de Portugal.
obra de Manuel Igrejas |
// Nota: quem estiver
interessado nesta lenda pode, e deve, ler o livro do conde de Sabugosa, cujo
título é «Neves de Antanho». Ainda se
vai encontrando um ou outro exemplar nos alfarrabistas.
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